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Ensaio sobre a ansiedade

É muito comum ouvir que ansiedade é a “doença moderna”. Nossos ancestrais não franziam a testa para o vestibular ou um chefe irritado ou uma ignorada no WhatsApp. Sem dúvida, o século XXI foi amaldiçoado com a ansiedade!

É muito comum ouvirmos a manchete de que ansiedade é a “doença moderna”. E, após leves considerações e reflexões sobre nosso cotidiano, não seria nenhum crime concordar com isso. Nossos ancestrais, do conforto que o século XVII lhes garantia, não franziam o cenho para um exame vestibular no final do ano, um chefe irritado em busca de um relatório de finanças ou uma ignorada no WhatsApp por um flerte nosso. Sem dúvida, o século XXI foi amaldiçoado com a ansiedade!

Ou não? Ora, não sejamos egoístas! Como a maioria dos sentimentos humanos, a ansiedade não é benefício de um século só: ela acompanha a humanidade desde tempos imemoriais. De fato, segundo o Dicionário de verbetes online (http://www.etymonline.com/index.php?term=anxiety), o termo “anxiety” (ansiedade em inglês), teve origem em 1520! Mesmo sem as mazelas do século XXI, a ansiedade já existia! Com base nisso, logo se vê que nós, os intelectuais da Belle Époque Francesa, os reis absolutistas, os cruzadistas e os imperadores romanos possuímos, a despeito dos locais e séculos que nos apartam, temos a semelhança de sermos todos ansiosos incorrigíveis.

Décio Trajano (249- 251), o imperador romano talhado com faces ansiosas

Ora, mas se é assim, qual é esse tal fator universal que ignora tempo e espaço? Ou seja, o que há em nós que faz a ansiedade ser um traço genuinamente humano? A resposta para isso repousa no entendimento da característica mais importante da humanidade: a imaginação. Esta se define por ser a capacidade de criar representações dos objetos da realidade com base na nossa vontade consciente. É a mistura do subjetivo da mente humana com o objetivo do mundo real. Este conceito foi belamente entendido e perfeitamente ilustrado pelo movimento artístico denominado “Expressionismo”, em que o teor das pinturas visava projetar o sentimento do artista em relação ao observado. Veja:

Nesta obra, ”A Noite Estrelada”, o autor Van Gogh, mesclou a uma paisagem as suas impressões sobre ela: note que tudo na pintura conota conforto, desde as casinhas aglutinadas e sensíveis, até o céu ‘’enrolado’’, que nos dá uma impressão de maciez e proteção. Foi a imaginação de Van Gogh, percebendo no céu francês uma forma de acalento, que produziu essa obra reconfortante.

No entanto, se a imaginação pode nos ajudar a retratar a realidade como confortadora, também pode trabalhar de forma inversa, trazendo fealdade para a paisagem. E é precisamente isto a base da ansiedade: a imaginação retratando a realidade de forma negativa, antecipando e intensificando os prováveis obstáculos futuros. O ansioso é, portanto, nada mais do que um artista expressionista com uma preferência pelos temas mórbidos e as cores angustiantes.

O grito, Edvard Munch

E, ademais, vale dizer que uma mudança na paisagem, mesmo que para algo mais belo, não impedirá que o expressionista retrate de forma horrível. Ou seja, não é mudando o ambiente em que estamos que a ansiedade deixará de desistir. Toda a beleza do Universo é inferior ao nosso poder de criação mental. Cada um ao seu jeito, somos todos pequenos deuses da destruição. Sobre isso, uma bela ilustração é um depoimento que colhi na Internet, em que um usuário ansioso diz, sobre a ansiedade: “Parece um peso constante na sua mente; como se algo não estivesse certo, embora comumente você não saiba exatamente o que esse algo é”. Isto é, ainda que todas as razões externas – a prova do vestibular, o chefe irritado, a mensagem ignorada – parem de existir, a ansiedade, como uma fortaleza inexpugnável, irá se manter intacta.

A solução para isto é sintetizada pelo aforismo do imperador romano Marco Aurélio: A qualidade de sua vida é medida pelo teor de seus pensamentos. Para sanar a ansiedade, devemos mudar o conteúdo de nossa mente: alterar o artista. Ora, olhando uma vez mais para um depoimento de um ansioso, pode-se ter uma ideia de onde começar essa alteração: “Então, você percebe: são só seus pensamentos. Eles se tornaram tão intensos e abruptos que começam a estraçalhar seu sono, mesmo que sejam duas da madrugada!”. Intensos, abruptos, explosivos! A mente ansiosa, durante suas crises, parece precisar urgentemente de um apaziguamento. Um balde de cores frias nessa explosão de tons quentes e desordenados. Tal balde pode ser preenchido com duas fontes distintas, ambas focadas em alterar o teor de nossos pensamentos: uma é a filosofia estoica e outra a psicologia cognitiva. Enquanto esta primeira nos diz O QUE devemos pensar para evitar a ansiedade, a segunda nos auxilia COMO interiorizar esses pensamentos.

Primeiramente, analisemos a filosofia estoica: iniciada por Zenão de Cício e desenvolvida por filósofos romanos, esta nos afirma que devemos possuir uma posição de distanciamento em relação aos acontecimentos da vida que fogem do nosso controle, não importando o quão ruim eles pareçam. A prova, o chefe irritado, a mensagem… Não importa: a ideia principal é que podemos ter vidas significativas ainda que a realidade esteja preenchida por infortúnios. Um exemplo desse vigor perante o sofrimento são os dias anteriores à morte de Sócrates, filósofo de Atenas: preso e à espera da execução, um dos seus discípulos perguntou se ele não temia a morte iminente, o que levou Sócrates, indignado, a dizer: “Onde já se viu! Alguém na minha idade temer a morte!”. Tal serenidade do filósofo frente ao pior dos acontecimentos vitais deve servir de inspiração para uma mente ansiosa: por mais que a realidade pareça ruim, deve-se tentar pintá-la, senão com cores agradáveis, ao menos com ares de indiferença. Com isso, o caráter explosivo da ansiedade deixará de ser tão proeminente.

A Morte de Sócrates, Jacque Louis David. O condenado sereno

E como conseguir esses pensamentos? É aqui que entra a psicologia cognitiva. Existem, claro, variadas técnicas para diminuir a ansiedade. No entanto, gostaria de apresentar uma que teve um efeito muito benéfico em minha vida, quando um psicólogo a realizou. O nome é “Técnica do rebobino” (“Rewind”, em inglês). Muito usada em consultórios clínicos para tratar stress pós-traumático e outros tipos de ansiedade, ela consiste, em resumo, na substituição à ansiedade pela indiferença. Para isso, o psicólogo pede para o paciente se imaginar em um local confortável, que lhe dê paz e prazer. Pede-se, ainda, para se pensar que há um controle remoto em mãos, além de uma TV. Então, convida-se o paciente para reviver a situação que lhe causou ansiedade no passado. Dessa vez, no entanto, ele está no comando: com o controle remoto e a serenidade do ambiente, ele pode passar pelo evento causador de ansiedade com a velocidade e intensidade que quiser, alternando entre a experiência traumática e a tranquilidade. Com o tempo, esse processo resulta na associação entre algo pesado com as sensações leves, o que dilui o sofrimento oriundo daquilo. [http://psychology.wikia.com/wiki/Rewind_technique]. Os sentimentos de ansiedade vão embora. O artista expressionista depressivo deixa o prédio, enquanto o filósofo estoico o adentra.

Com essa substituição das diretrizes dos nossos pensamentos, é possível que eles não mais apareçam somente para destruir nossa tranquilidade e qualidade de vida, mas sim de fato colaborem para uma existência mais plena e significativa. Eles devem ser aliados, e não inimigos, na luta contra os sofrimentos mil que a realidade nos impõe.

E, em última análise, que consigamos, com os conhecimentos e práticas do século XXI, curar esse mal universal e atemporal que é a ansiedade.

Bruno Sales Author
Bruno Sales é Estudante esforçado, entusiasta intelectual e conversador. Estudante de Economia, escritor amador e apreciador de Filosofia e Matemática. Sonha publicar o livro que vem trabalhando faz anos; a médio prazo, adquirir independência financeira e reconhecimento intelectual; a longo prazo, mudar o mundo.
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