Todos nós sabemos que uma das perguntas mais profundas e inquietantes com a qual nos deparamos ao longo da vida é a seguinte: “Afinal, quem sou eu?”. Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares. Contudo, também sabemos que respondê-la não é uma tarefa fácil. E nessa jornada, muitas vezes buscamos alguns “atalhos”.
Um desses “atalhos” são os testes de perfil e personalidade. Existe uma área na psicologia, chamada de psicometria, que se destina a mapear comportamentos e personalidade por meio de técnicas específicas. Hoje, contamos com diversos testes de personalidade. Temos o teste MBTI baseado no livro dos “tipos psicológicos” de Carl Jung, que apresenta 16 tipos de personalidade. Existe “iPersonic” desenvolvido pela psicóloga americana Felicitas Heyne. Há também o “Teste das Cores” que consiste em obter informações sobre a personalidade mediante a preferências e rejeições a cores. Enfim, há uma imensidão de técnicas: teste dos temperamentos humanos, DISC, âncoras de carreira, eneagrama das personalidades, dentre diversos outros.
No século XIX, Frank Parsons, engenheiro e professor, foi considerado o “pai da orientação vocacional” ao criar o Vocation Bureau em Boston. Parsons acreditava fortemente que a orientação vocacional deveria se basear em princípios científicos. Em sua abordagem detalhista, o professor chegou a considerar a ciência da frenologia que avaliava o formato do crânio para fazer inferências em relação ao tipo de profissão ideal para cada formato do crânio. Não há dúvidas que essa foi uma abordagem bem questionada. No século XX, os testes de personalidade começaram a crescer com o marco do desenvolvimento do teste de QI pelo psicólogo francês Alfred Binet.
Obviamente essas ferramentas são de grande valia para um processo de Coaching. Essas técnicas apoiam as pessoas a irem formando um quebra-cabeça para responder à pergunta: “quem sou eu?”. Todavia, precisamos olhar com atenção alguns “efeitos colaterais” que podem surgir. Roman Krznaric em seu livro “Como encontrar o trabalho da sua vida” alerta que é preciso ter cuidado com a ideia de que é possível preencher um questionário padronizado e encontrar um par perfeito entre o seu tipo de personalidade e determinada carreira.
Um dos pontos de atenção é que esses testes não podem ser considerados como uma “verdade absoluta”. Por exemplo, o próprio teste de MBTI, um dos mais conhecidos e confiáveis, tem sido alvo de criticas por alguns psicólogos por apresentar o que os estatísticos chamam de baixa confiabilidade teste-reteste. Um estudo conduzido por David Pittenger e publicado no Consulting Psychology Journal em 2005, mostra que se você refizer o teste num intervalo de apenas 5 semanas, existe cerca de 50% de chance de cair em uma categoria de personalidade diferente, em comparação com a primeira vez que o teste foi realizado. Outra crítica ao MBTI, está relacionada à classificação das personalidades em dicotomias mutuamente excludentes de “ou isso/ou aquilo”. Para Pittenger, o sucesso dos testes de personalidade está ligado à natureza atraente que eles possuem, como uma espécie de horóscopo.
Novamente, acredito que essas ferramentas são muito válidas para os processos de Coaching e até aplico algumas delas. O ponto que trago aqui é que elas devem ser utilizadas com cautela. Não devemos utilizar esses materiais como uma “pílula mágica” que diz qual carreira temos que seguir. Somos indivíduos muito mais complexos do que um questionário pode mensurar. Por exemplo, o que adianta meu teste mostrar que tenho aptidão para a área de marketing se não vejo sentido nenhum nessa atuação. É muito mais provável que encontraremos o nosso caminho por meio de uma experiência real do que por testes psicológicos.
Recomendo fortemente que assistam ao vídeo do TED do Brian Little chamado “Quem é você? O enigma da personalidade”. Brian é pesquisador do tema personalidade na universidade de Cambridge. O pesquisador nos apresenta uma visão muito mais realista sobre os testes de personalidade. Ele questiona de maneira enfática a forma como lidamos com esses testes. Será que devemos dar atenção para esses testes? Claro que sim. É importante sabermos sobre nós. Mas será que isso é tudo que somos? Somos apenas um monte de características? Não, não somos. Ele ressalta que é importante nos lembrarmos que somos parecidos com outras pessoas, mas, ao mesmo tempo, somos únicos. Temos nossas peculiaridades. Segundo o pesquisador o que nos faz diferentes uns dos outros são as coisas que realizamos na vida, nossos projetos pessoais, nossos projetos de vida. Temos características livres que não são condicionadas à nossa personalidade, mas sim motivadas para realizarmos um projeto de vida importante para nós. Não procure saber que tipo de personalidade as pessoas têm. Procure saber que projetos pessoais elas têm na vida.
O próprio Brian é um exemplo disso tudo. Ele é caracterizado como introvertido dentro dos testes psicológicos, mas tem um projeto de vida que é lecionar. Para realizar esse seu projeto de vida, ele age de forma extrovertida dentro de sala de aula. Contudo, como na verdade atua como um “pseudoextrovertido”, ele precisa em alguns momentos do silêncio e da quietude para nutrir sua personalidade introvertida.
Nesse contexto, é muito importante que cada um descubra sua personalidade e entenda suas próprias características. Entretanto, não podemos nos limitar a isso. Coaching tem a ver com expansão de possibilidades e não com limitação. Assim, antes de se perguntar qual o seu perfil no MBTI e responder um questionário para isso, pare, silencie e entre em contato com a sua alma e aos poucos descubra qual é o seu projeto de vida? O que te faz sentir vivo? O que faz sentido? Isso fará toda a diferença.
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