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Pessimismo

Mesmo que estejamos preparados e cheios de virtude para lidar com tragédias, é inevitável que, de tempos em tempos, o mundo nos vença e nos deixe tristes. Contudo, devemos sempre evitar uma reação que nos incapacite, nos retire as forças e, em certo ponto, afete aqueles ao nosso redor.

Nesta semana, eu sofri uma tentativa de assalto à mão armada, enquanto estava no carro dos meus avós. O bandido, com uma 38, bateu fortemente no vidro – que não quebrou – e ameaçou meu avô. Este, feliz ou infelizmente, também estava armado, mas com uma 9mm, arma superior à do meliante. Talvez por receio dessa superioridade bélica, ou por julgar erroneamente que o vidro era blindado, ou pelos dois, ou por nenhum deles, o bandido recuou e saiu do nosso caminho. Nada foi roubado e ninguém se feriu.

Comumente, refere-se a isso como sorte. E, quando se analisa os desfechos possíveis, realmente é. No entanto, cabe ainda dizer que, se há sorte nas consequências, há grande azar nas causas: ser assaltado e ter a própria vida, juntamente com a daqueles que você mais ama, à mercê das vontades e (ir)racionalidade de outrem é de uma má-sorte absurda.

Ou não? Ora, primeiramente, eu estava entre duas favelas e, com isso, sujeito ao maior índice de violência nessas áreas. Ademais, segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, houve, na Grande São Paulo, 6.340 roubos em janeiro de 2016. Isso dá, em média, 9 roubos por hora. É muita coisa. Frente a esse volume todo e ao local em que eu estava, não parece ser um evento tão improvável eu ter sido assaltado. Aliás, ao invés de uma “má-sorte absurda”, o assalto, a violência e ameaça à vida eram coisas prováveis e previsíveis de acontecer em algum momento da minha vida, dado o Brasil como é.

Tal pensamento, de que acontecimentos ruins são previsíveis e prováveis, pode ser extrapolado para praticamente todas as áreas de nossas vidas. É o chamado “pessimismo”.


Guernica (1937), de Pablo Picasso e o horror da guerra.

No fundo, você sabe do que estou dizendo, mas prefere não saber. Desculpe, vou ter que cutucar. Veja: eu não te conheço. No entanto, eu conheço o suficiente do mundo e da natureza humana para dizer, com muita certeza, que você, em algum momento da sua vida: ver-se-á em dificuldade financeira e terá insônia por não saber como pagar as contas; terá uma sensação persistente e perturbadora que é medíocre e não atingiu nada que gostaria; decepcionar-se-á com seus filhos; estará em um relacionamento amoroso abusivo e destrutivo; sofrerá alguma abordagem criminosa (!); verá a(s) pessoa(s) mais querida(s) morrer(em); e, por fim, você morrerá. E é isso. Arthur Schopenhauer, filósofo alemão, resumiu tudo no seguinte: “A existência humana deve ser algum tipo de erro. Ela é ruim hoje e a cada dia se tornará pior, até que o pior de tudo ocorrerá”. Difícil.

Frente a afirmações tão pesadas – e, de certa forma, tão francas – não é de esperar que o pessimismo seja associado com depressão, letargia e suicídio e, por isso mesmo, francamente negado. Em seu lugar, prefere-se o otimismo. Nele, tenta-se, comumente, negar que o sofrimento exista ou, de um jeito mais cínico, justificá-lo.

Um bom exemplo do tipo de otimismo a que me refiro são as frases do Seicho-No-Ie, uma religião sincretista japonesa, cujo maior expoente foi Masaharu Taniguchi. Seja uma frase dele: “Nossa verdadeira natureza é o ser humano perfeito”. Não é preciso refletir muito para saber que isso não é verdade. Mas, se você não acredita em mim, busque auxílio em toda a tradição judaica cristã: nela, é dito que, desde o princípio, o homem nasce pecador e, ao longo da vida, não pode evitar aumentar sua lista de pecados: é luxurioso, vingativo, glutão e invejoso – isso no mínimo. É justamente porque nossa natureza é IMPERFEITA que a misericórdia de Deus é tão necessária. Não faz sentido dizer o contrário.

Este otimismo bobo é, na dura opinião do filosofo Friderich Nietzsche, uma espécie de covardia e fraqueza de vontade. Ou seja, aquele que nega as felonias, sujeiras e fedores do mundo nunca estará disposto a enfrentá-las, preferindo viver na negação de que tudo está bem e ficará melhor. Aplicando isto no nosso exemplo do Seicho-No-Ie, o homem que nega os pecados e a escuridão de seu coração jamais terá forças para mudar a si mesmo. Se o alcoólatra continuar dizendo que não tem problema com bebidas, ele continuará a ser alcoólatra, percebe?


Negar a escuridão do mundo é se separa dele.

Assim, se o otimismo leva à covardia e o pessimismo à depressão, qual a saída? Ora, ela é dada pelo mesmo filósofo anterior: Nietzsche. Primeiramente, Friderich não acreditava no pessimismo levando necessariamente à tristeza. Afastando-se disso, o pensador afirmava que, via de regra, as pessoas tristes e depressivas é que eram pessimistas, e não o contrário. Ou seja, os pontos negativos associados com o pessimismo estão NAS PESSOAS e não NA IDEIA EM SI. Então, é possível, para ele, ser um pessimista e alguém ativo e vigoroso.

Como? A fim de praticar esse “pessimismo de força” (“Pessimist of strenght”, no original), algumas dicas são dadas nos aforismos do filósofo:

Espere tragédias e se prepare para elas.

Primeiramente, se você estiver consciente de que sofrimento e tristeza vão aparecer na sua vida em algum momento, o sofrimento será menor. Ora, acostume-se com a ideia de que talvez você não passe no vestibular. Abrace-a, seja amigo dela. Para o caso dela realmente acontecer, a tristeza será menor: você já sabia, afinal.

Ademais, se as tragédias são esperadas, prepare-se o máximo possível para elas. Se os seus amados um dia vão morrer, trate-os bem, passe o máximo de tempo possível. Se um dia você estará em um relacionamento abusivo, prepara-se o máximo possível para identificar quando ele ocorrerá e, assim que possível, termine. Como em “Forever Young”, “Hoping for the best, but expecting the worst.”.

Não enxergue felicidade como satisfação e alegria.

Pode parecer um conselho contraditório, mas tem muito senso. Nietzsche afirma que, sendo o mundo como é, os momentos de satisfação e alegria são muito raros, sendo a vida, antes, tomada por tédio, sofrimento e tristeza. Para o caso de você só identificar como felicidade os bons momentos, certamente acabará com uma vida miserável.

Então, ele nos convida a identificar a felicidade como “virtude”. Ou seja, em uma perspectiva muito estóica, a capacidade de adquirir qualidades positivas, seja em tempos de alegria ou de tristeza.

Como exemplo, para o caso de você ter sofrido uma decepção amorosa, o melhor a se fazer seria transformar isso em arte: um quadro, uma crônica ou um livro, por exemplo. Essa habilidade, de transformar sofrimento em obra, é a chamada “sublimação”, a qual é uma virtude imensa.

Para Nietzsche, o homem feliz está em mundo tão miserável quanto todos nós, mas possui as características necessárias para se manter firme ativo nele.

Conserve a melancolia

Mesmo que estivermos preparados, atentos e cheios de virtude para lidar com tragédias, é inviável que, de tempos em tempos, o mundo nos vença e fiquemos tristes. Contudo, deve-se sempre evitar uma reação explosiva, isto é, aquela que nos incapacita, nos retira as forças e, em certo ponto, afeta aqueles que estamos perto.

Essa “tristeza comedida” que devemos ter é a chamada “melancolia”. Ela é muito bem explicada no seguinte vídeo, do filósofo Alain de Botton:


Link Original: https://www.youtube.com/watch?v=MOdOYyDm4xY

Conseguindo aplicar essas três propriedades, é possível adquirir o “Pessimismo de força”. Ele tanto se afasta da depressão quanto da covardia, o que o faz ser o melhor caminho possível para nossas vidas. Com ele, estou mais atento para os assaltos e, mesmo que ocorram, não vou me afetar tanto. Só ficarei melancólico – o que não é ruim.

Bruno Sales Author
Bruno Sales é Estudante esforçado, entusiasta intelectual e conversador. Estudante de Economia, escritor amador e apreciador de Filosofia e Matemática. Sonha publicar o livro que vem trabalhando faz anos; a médio prazo, adquirir independência financeira e reconhecimento intelectual; a longo prazo, mudar o mundo.
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