Dez anos atrás, quando eu lancei meu livro Paixão de Verão, editado pela Qualitymark, várias pessoas demonstraram surpresa ao ver aquela casa editorial, reconhecida pelas suas publicações afins com negócios e comportamento, estar apostando em tema tão diferente. Em um primeiro instante, é curioso que pessoas envolvidas com a liberdade criativa e a geração de ideias e cenários, algo que um livro sempre se permite apresentar, pudessem ter essa preocupação. E a resposta é simples: que profissional nunca teve sua atividade cotidiana afetada ao viver uma paixão incontrolada?
Os contos do livro Paixão de Verão trabalharam com personagens de diferentes locais, posições sociais e atividades profissionais. Todos eles, envolvidos em tramas emocionais, que tinham suas vidas modificadas quando a paixão ganhava em relevância e prioridade. E ao escrever este artigo para a Cloud Coaching, lembrei-me de trazer algumas referências bem interessantes para reforçar o que afirmei acima.
Quando ocorre a paixão, o corpo e a alma se misturam em uma reação em cadeia, que nos leva à plenitude desejada por qualquer ser humano, mesmo que condenada a ter um fim, cedo ou tarde. Para não viajarmos tão longe na História, um racionalista como René Descartes já percebia a importância de se relacionar a natureza do homem com as paixões, quando citava que uma paixão para a alma se reflete em uma ação para o corpo, sobre a qual não há controle racional.
Ainda que se analise a função do corpo e a da alma separadamente, é no contexto das paixões que ambos se conjugam de maneira profunda. O brilhante pensador, já em sua época, via a alma diferentemente em relação aos estímulos racionais e às paixões. E alguém vai negar que esse cenário se reflete também na vida profissional? Uma posição brilhante de Descartes foi a de discordar que a sede das paixões estava no coração. Ele argumentava que muitos pensavam assim, pois as paixões se fazem sentir no coração, mas, na realidade, resultam de estímulos físicos recebidos do cérebro. Para ele, o corpo e a alma ficam lutando um contra o outro, em estado apavorante que mistura ansiedade, espera, angústia e falta de explicação para o que se passa dentro do ser apaixonado, um mero mortal.
A paixão carregada de desejo é a forma de Descartes definir a agitação da alma, a variação nos fluxos de sangue e ar dentro do corpo. Sua constatação mais precisa é a de que os principais sinais da paixão se refletem nos olhos e nas expressões do rosto, na mudança de cor de nossas faces e nossos lábios, nos tremores e na mudança de respiração, na languidez e solicitude, nos risos e lágrimas, nos gemidos e suspiros. Descartes apontava como remédio para a cura das paixões abster-se de julgamentos e distrair se com outras coisas até que o tempo e o repouso pudessem apaziguar o corpo, trazendo a respiração e a circulação do sangue ao seu ritmo normal.
Para o célebre pensador, seria uma tola imprudência querer enfrentar inimigo desigual, como se mostra a paixão extremada, não sendo desonra efetuar a honesta retirada de cena. E será que o apaixonado consegue abandonar a luta ou prefere arriscar na ousadia? Stendhal, em uma frase brilhante, sintetizou que “a paixão só pode ser evitada no começo, e nela não pode haver ingratidão, pois o prazer atual sempre paga em excesso os sacrifícios maiores”. Com isso, somos levados a entender que, na visão do pensador, viver uma paixão sempre “vale a pena”.
No livro “A loucura e as épocas”, de Isaías Pessotti, as demonstrações de loucura foram analisadas ao longo dos séculos. E mostram como uma pessoa pode perder a autonomia e a racionalidade. De Homero (século V a.C.) até hoje, Pessotti percorre uma estrada que se inicia assim: “Se aceitarmos a loucura como a perda da capacidade ou falência do controle voluntário sobre as paixões, a história da loucura deve começar, praticamente, com a história do ser humano”.
O Carnaval chegou e você vai entrar na folia, cheio de paixão para dar? Fica à consideração de quem lê este texto sobre a paixão, e particularmente associando ideias de Descartes e de Pessotti, imaginar que muitos humanos apaixonados possam ter sido tratados como loucos na história da humanidade. E, certamente, perderam seus empregos por absenteísmo, por abandono ou por absoluta e total falta de produtividade!
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