A criatividade é um dos temas corporativos que dificilmente sai de moda. Nos tempos de bonança, ela é o diferencial competitivo para ultrapassar os concorrentes. Durantes as crises, sua função é oferecer o diferencial que lhe fará perder menos dinheiro. Em um mundo digital e nanotecnológico existe a percepção de que é possível realizar todos os nossos sonhos – pessoais ou de sociedade.
Mas o que significa a “criatividade”? Esse conceito filosófico tem seu primeiro registro no mundo eurocêntrico em um diálogo de Platão chamado Timeu. Para esse filósofo, somente Deus é criativo e só ele cria coisas que não existem. Afinal, criatividade tem origem na palavra criação. Os filósofos e poetas só teriam acesso às ideias perfeitas que esse deus criou e decidiu conceder.
Apesar dessa concepção sacra de criatividade ser muito antiga, ela foi pouco contestada. Mesmos entre os filósofos céticos, a questão da criatividade foi tomada como dogmática e substituída pelo conceito de imaginação. Os modernos afirmavam que a imaginação, formada por meio da associação de imagens obtidas pela experiência com o mundo, não era fruto de uma criatividade divina.
Devemos aos artistas do início do século XX, em especial ao pintor espanhol Salvador Dalí, a presente concepção de criatividade. Ao se comparar a Deus, Dalí passou a empregar o uso do termo criatividade para nomear seu estilo de pintura e justificar a quebra dos paradigmas canonizados pela arte de seu tempo. Assim, também as grandes empresas, dotadas de uma megalomania “divina”, buscam criar produtos e serviços, milagrosos, que subvertam o atual funcionamento no mundo dos negócios e os torne referência em seus respectivos setores.
A obsessão dos profissionais de mercado pela criatividade revela altos níveis de narcisismo e arrogância. Estilistas de moda e os atuais gurus da tecnologia retratam bem este tipo de personalidade.
Todos os seres humanos possuem um potencial criativo. O pensador Lev Vigotski nos mostrou que uma ideia criativa surge em determinados contextos sociais quando uma dificuldade precisa ser superada. Ele também nos mostrou que as grandes ideias criativas da humanidade não pertencem a um único gênio, como Galileu, Freud ou Einstein. As ideias criativas brotam de inúmeras contribuições sociais anônimas que vão tomando forma. A astrologia de Galileu utilizou as ideias de Copérnico, que por sua vez foi inspirado pelo trabalho dos astrônomos árabes, que estudaram os gregos. Freud utilizou os trabalhos de Charcot e Breuer para formular sua teoria do inconsciente, conceito que já existia em filosofias alemãs marginais como as de Schopenhauer.
A busca pela criatividade, na maioria das vezes, aparece como ferramenta de publicidade. Essa estratégia sacraliza pessoas ou empresas, ocultando uma grande dívida de gratidão com seu meio social de origem. A criatividade é um admirável fenômeno coletivo.
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