“Svend Brinkmann, professor da Universidade de Aalborg, na Dinamarca, autor do livro “Stand Firm: Resisting the Self-Improvement Craze” (em tradução livre, “Fique firme: Resistindo à mania do autodesenvolvimento”), é crítico ferrenho da psicologia positiva e da crença de que a felicidade é uma escolha”.
Essa é a introdução da matéria da exame.com intitulada “Por que este professor quer que você demita seu Coach”. A entrevista apresenta a opinião do professor e pontos que valem uma ampla reflexão. A começar pelo titulo, há que se especular as razões que levariam o coachee a demitir seu coach. Obviamente, que num primeiro momento, podemos pensar até que porque a remuneração do coach é alta. Mas, esta não é uma razão sequer cogitada na entrevista. Então, quais seriam as razões?
De acordo com a matéria, “o professor afirma que parte da indústria da autoajuda só contribui para reforçar o problema que ela própria diz combater: a infelicidade causada pelo individualismo e pelo desinteresse em soluções coletivas.” Para o professor, um processo de autoconhecimento e de autodesenvolvimento levam as pessoas para o caminho do individualismo e do egoísmo.
Particularmente, tenho uma certa dificuldade e diria ate resistência com a maioria dos livros de autoajuda porque todos seguem um “gênero” muito particular que é similar a um livro de receitas e de fórmulas milagrosas até porque o próprio termo auto(self) está relacionado a si próprio. Assim, teoricamente, um livro de autoajuda seria algo impossível de ser lido ou capaz de ajudar qualquer outro que não fosse o próprio autor. Mas o tema central da entrevista é a felicidade e a forma como ela é abordada.
Ao ler a entrevista, fico pensando o quanto vários autores, filósofos, escritores e pessoas comuns têm se incomodado e tentado negar a possibilidade de uma verdadeira “felicidade”. Me parece que há uma corrente de pensamento que banaliza a felicidade e ridiculariza as pessoas que se dizem felizes. Se eu me declaro ou demonstro ser feliz, alem de incomodar profundamente as pessoas, passo sempre por ridícula ou boba-alegre e consigo ver até uma interrogação estampada nos rostos das pessoas que questionam: como ela pode ser tão feliz? Ora, vivemos a era dos antidepressivos e ansiolíticos. Para as pessoas que são extremamente tristes ou ansiosas há sempre uma droga que lhes ajuda a controlar os sintomas. Fico imaginando que em breve irão inventar uma droga para as pessoas que são felizes que deve ser um “antifelicidade”.
A grande confusão, ao meu ver, parece estar no fato de a maioria das pessoas, inclusive filósofos, autores, escritores, etc, associarem a felicidade à ausência de problemas. Se fosse assim, todas as pessoas ricas e bem-sucedidas seriam felizes e as pobres de recursos financeiros um poço de infelicidade. Mas, não é bem assim. Não é raro ver estampado nos rostos de pessoas muito pobres sorrisos largos como também não é raro ver os hospitais e clinicas psiquiátricas com seus estacionamentos lotados de carrões importados e madames e colarinhos brancos nas suas recepções. Sendo assim, como não acreditar que a felicidade não possa ser encontrada numa viagem pelo autoconhecimento e autodesenvolvimento? Como não acreditar que é uma escolha individual e até uma questão genética?
O professor também defende que as pessoas que passam por um processo de autodesenvolvimento para se tornarem mais felizes não têm interesses pela coletividade. Em Marcos 12:31, um dos mais conhecido parágrafos da bíblia, diz: “amará a teu próximo como a ti mesmo”, um clássico pensamento de que para amar ao próximo é preciso primeiro amar a ti mesmo. E como amar a ti mesmo sem se conhecer? O aforismo “Conheça a ti mesmo” que é em muitas biografias atribuído a Sócrates, mas que também pode ser de Thales de Mileto, Eráclito ou Pitágoras, é um pensamento filosófico que está ligado ao autoconhecimento que tem como complemento “e conhecerás os deuses e o universo, tornando ainda mais nobre a arte do autoconhecimento que nos faz aproximar até dos deuses”.
Vários estudos da área de psicologia têm demonstrado a importância da autoestima nas relações interpessoais. Ao que tudo indica, as pessoas com autoestima mais elevada tendem a ter melhor qualidade nas suas relações sociais e afetivas. O que vai totalmente contra a teoria do mencionado professor dinamarquês de que as pessoas que buscam e passam por um processo de autoconhecimento e autodesenvolvimento são menos preocupadas com o coletivo. Ele defende que as pessoas deveriam ser mais preocupadas com o coletivo em primeiro lugar mesmo que abdiquem de si mesmas. Ele cita o exemplo das máscaras em caso de despressurização no avião e defende que antes de colocar sua máscara as pessoas deveriam olhar se o piloto está na cabine do avião. Fico aqui imaginando o caos que seria se ao invés de colocarem as suas máscaras, todos os passageiros fizessem um esforço coletivo e invadissem a cabine para pilotar o avião.
Na minha modesta opinião, mas ja com uma prática como coach e uma história de vida que me obrigou a fazer um profundo trabalho de autoajuda, de autoconhecimento e de autodesenvolvimento quando me vi diante do diagnóstico de uma doença grave e incurável que é a Esclerose Múltipla, vejo uma sucessão de equívocos e sou obrigada a discordar de quase a totalidade do pensamento de Svend Brinkmann. Foi a partir de atividades e exercícios que me ajudam a me manter mais saudável e a elevar minha autoestima que consegui desenvolver trabalhos de ajuda a outras pessoas e a grupos. Não são raros os casos de pessoas que conheço que por estarem mais maduras, mais autoconfiantes e mais seguras consigo mesmas conseguem ajudar e desenvolver trabalhos para o coletivo maravilhosos.
O professor continua suas criticas à psicologia positiva, ao “mindfullness” ou “atenção plena” e deve ser critico também à meditação. Os estudos da neurociências e da psicologia têm revelado que as pessoas pensam o tempo todo, ou seja, o cérebro não silencia nem mesmo durante as práticas de meditação. O fato é que os pensamentos que mais ocupam o cérebro e, consequentemente, o dia das pessoas, são os pensamentos negativos, que acabam levando a ansiedade, depressão, pânico, etc. O medo e a insegurança das pessoas é infinitamente maior do que a real probabilidade de uma catástrofe ou “desgraça” acontecer. Entretanto, estudiosos de física quântica preconizam que somos um campo enérgico capaz de atrairmos e cocriarmos a realidade. Assim, o que pensamos, acreditamos e falamos é de alguma forma enviado para o Universo que, na maioria das vezes, diz sim. Pelo sim, pelo não, melhor seria então que trabalhemos as nossas mentes para que ocupemos o nosso cérebro com pensamentos positivos, não é verdade?
O psicólogo inglês, Guy Winch, afirma que precisamos praticar o que ele chama de “higiene emocional” diariamente assim como escovamos os dentes e tomamos banho. Para ele, no que diz respeito às emoções tendemos a não praticar os primeiros socorros como acontece quando nos machucamos. Ao invés de estancarmos as feridas como fazemos fisicamente, quando se trata de feridas emocionais costumamos cutucá-las e dilacerá-las cada vez mais.
Para o professor dinamarquês, as pessoas que pensam em si não são capazes de pensar no coletivo. Minha questão é, como me dizer preocupada com o coletivo se não penso e não me preocupo comigo? Se estou emocionalmente dilacerada não há, a meu ver, a menor possibilidade de ajudar quem quer que seja. Ele diz que o trabalho de Coaching tem a raiz na competitividade esportiva o que me parece uma distorção e um equívoco no seu modo de entender até mesmo a definição de coach. O coach, enquanto técnico ou profissional de liderança de algum esporte, é aquele que muitas vezes, no caso de esportes coletivos, tem que trabalhar focado no resultado coletivo sem momento algum perder a atenção e o cuidado de seu trabalho com cada indivíduo e suas peculiaridades. No caso do futebol, por exemplo, o coach de um time é aquele que precisa potencializar as virtudes do indivíduo. Não dá para desenvolver um trabalho coletivo e treinar todos os jogadores para serem goleiros, por exemplo. A coletividade assim como os estudos de equipes de alta performance mais do que comprovam que é do autodesenvolvimento do indivíduo, cada qual com suas peculiaridades que se chega a resultados altamente satisfatórios para o coletivo e para o indivíduo.
Finalmente, quero ressaltar aqui que um estudo realizado com o monge budista, Matthieu Ricard, por neurocientistas e pesquisadores da Universidade de Wisconsin nos EUA, declara o homem mais feliz do mundo e atribui isso às suas práticas de meditação. Matthieu é PhD em genética e se converteu ao budismo. Ele desenvolve vários projetos humanitários o que reforça a tese de que passar por um intenso e regular processo de autoajuda, de autodesenvolvimento com práticas diárias de meditação não o transformou numa pessoa mais egoísta. Muito pelo contrário, a sua felicidade está também ligada à sua alta compaixão, amor pelo próximo e altruísmo.
Por ser mãe de dois filhos, divorciada e portadora de Esclerose Múltipla seguirei firme nas minhas práticas de autoconhecimento, autoajuda e autodesenvolvimento porque são elas que têm me mantido saudável física, mental e emocionalmente. Como coach, palestrante e professora peço aos meus coachees e clientes que não me demitam, mas que me permitam trabalhar às suas individualidades para que juntos possamos servir à coletividade. Não tenho a menor dúvida de que as pessoas realizadas, felizes e bem sucedidas são aquelas que estão bem consigo mesmas em primeiro lugar, mas tendo sempre o segundo lugar para servir ao outro.
Cristiane Ferreira
Coach e Palestrante
Professora da Fundação Getúlio Vargas
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