“As lágrimas dos velhos são tão terríveis como as das crianças são naturais.” (Honoré de Balzac)
Desde que comecei a ministrar aulas em cursos de pós-graduação, busquei uma forma diferenciada de avaliação. E a alternativa às tradicionais provas formadas por testes e questões discursivas foi a realização de um trabalho coletivo, por meio do qual fosse possível aos alunos exercitar competências como iniciativa, comprometimento, determinação, criatividade, resiliência e liderança.
Tão logo inicio um curso, realizo uma breve pesquisa com os matriculados a fim de melhor conhecê-los, moldando e ajustando o conteúdo da disciplina. E, recorrentemente, tenho observado que a prática de ações de caráter social é rara, embora esteja entre os planos da maioria dos estudantes.
Desta maneira, surgiu a ideia de transformar a atividade em grupo em uma grande ação comunitária. Uma forma de aplicar conhecimento e gerar integração entre os próprios alunos – bem como entre a academia e a sociedade. Nesse contexto, as tarefas consistiam em selecionar instituições assistenciais carentes, visitá-las, identificar suas necessidades, arrecadar doações e organizar um evento para entrega dos produtos coletados.
Uma de minhas últimas turmas fez escolhas diversificadas, atendendo a um grupo de gestantes, uma casa para crianças com câncer e um lar para idosos. E, em que pese a emoção inerente a cada um destes ambientes, foi no evento destinado aos idosos que pude vivenciar uma experiência marcante.
As atividades naquele dia encerraram-se após a realização de um animado bingo. Quando nos despedíamos dos velhinhos, uma das senhoras, assentada em sua cadeira de rodas, disse-me com voz cansada:
– Moço, leva eu…
A frase foi repetida um par de vezes. Até hoje me pergunto o que de fato ela pretendia dizer. Poderia significar o desejo de partida, a procura de um novo lar, a busca pelo reencontro do passado. Poderia simbolizar a exaustão ou até insignificância de sua relação com o companheiro atual, o distanciamento daquele ambiente já não mais tão acolhedor, o desejo de alargar suas fronteiras. Poderia ser tudo isso, um sussurro como grito mais alto de socorro, lágrima seca que não se vê ou percebe. Ou poderia ser nada, apenas uma frase de efeito, repetida como de costume a visitantes inesperados.
Ao relatar este episódio, passei a questionar-me como reproduzir em poucas linhas a intensidade daquele momento e a amplitude de minha inquietação. Escrever, por vezes, é missão árdua, porque as palavras podem parecer frias ou cálidas, tudo por conta de um verbo sem o movimento adequado, um adjetivo sem a plasticidade esperada, um advérbio sem a circunstância prevista.
Assim, pensei em reproduzir a frase finalizada por um ponto de interrogação. Contudo, aquela senhora nada me inquiriu. Passei ao ponto de exclamação. Porém, lembrei-me de que ela não fora imperativa. Então, fiquei com as reticências, estes três pontinhos que parecem suplicar pela manutenção do pensamento, como que nos convidando a refletir, sonhar, duvidar, nunca concluir.
Aquela frase continua latente em minha memória, trazendo-me não apenas a recordação daquele instante, mas o alerta para digressões maiores sobre onde estou e para onde vou. Ou para onde me levo ou me deixo conduzir. Com reticências…
Participe da Conversa