FAMÍLIA (Titãs – A.Belloto/A.Filho)
“Família, família
Papai, mamãe titia
Família, família
Almoça junto todo dia
Nunca perde esta mania
Mas quando a filha quer fugir de casa
Precisa descolar um ganha pão
Filha de família se não casa
Papai, mamãe não dão nenhum tostão…
As relações familiares são as mais instigantes e controversas que existem. Na maioria das vezes cheias de amorosidade e carinhos, mas também de discussões acaloradas, certezas e verdades para todos os lados, onde quase sempre ninguém tem razão.
As famílias frequentemente são aclamadas como a base individual que norteia seus membros pelo transcorrer da vida e o esteio das sociedades e seus modelos familiares. Estamos falando das formações nucleares e das constituídas ao longo do tempo. Neste contexto, existem os que reconhecem tais núcleos como fundamentais e os que alegam que família boa é aquela das fotos das festas de aniversários, batizados, natal e festas de fim de ano. Quanta contradição.
Se, informalmente, no seio do lar, temos estas diferenças e ajustes muitas vezes mal-arranjados e resolvidos, imaginemos quando trazemos este conjunto para trabalhar cotidianamente nas empresas familiares, onde além de permanecerem todos confinados em um “mesmo espaço”, são pressionados por demandas de produtividade, metas e objetivos, necessidade de comunicação assertiva, relações interpessoais efetivas e de atores atuando seus processos de liderança e poder?
Logicamente que existem aspectos positivos na constituição e desenvolvimento empresarial. Diria que o principal deles é a construção de um sonho: o de empreender. Conciliar as atividades profissionais com a proximidade dos filhos, flexibilização da jornada de trabalho e a possibilidade de desenvolver negócios vinculados aos propósitos pessoais são algumas dessas vantagens.
Segundo dados do Sebrae, 90% das empresas formadas no país, são constituídas por famílias empreendedoras. Trata-se então de um desafio a ser vencido. É preciso passar por todas as fases do processo, desde a intimidade do planejamento, mesmo que rústico, às agruras comuns desse ambiente, ao esforço sem medidas, até a consecução final com implantação e início das operações.
A partir dessa etapa, surgem outras adversidades que também costumam ser cruciais e que dificultam enormemente o caminho para a realização empresarial:
– Estender a emoção da jornada de trabalho para casa – A mistura de assuntos domésticos com temas da empresa pode trazer aspectos negativos em ambas as situações pois não se consegue ‘desligar uma chave e ligar a outra”. O problema se agiganta quando as questões financeiras não estão atendendo razoavelmente. A possibilidade de caos vira realidade;
– Caixa único ou misto – Com frequência, o acesso direto ao caixa da empresa, muitas vezes no automático, na pressa, sem formalizações, mistura estações pessoais e organizacionais. É um primeiro passo para o descontrole das contas e não cumprimento de obrigações;
– Não ter regras – Sou o dono, portanto estabeleço as regras e as metas, quase sempre de curto prazo. Ou seja, posso fazer o que não faria em uma empresa de terceiros. Esta condição traz uma instabilidade interna, e uma extrema dependência de pessoas do comando. Os sistemas tendem a serem informais, onde a rigidez não se apresenta nos processos, mas muitas vezes no comportamento do líder que muito reclama do desempenho dos subordinados;
– Centralização do conhecimento – Como sabemos, quanto maior for a centralização, maior será a infantilização, descompromisso e desorientação da equipe. A eficácia e a eficiência ficam comprometidas, pois as informações nascem e morrem na direção da empresa. Sem conhecimento não existem alianças e um clima de confiança sólido estabelecido;
– Eleger pessoas de confiança – Uma prática comum nas empresas familiares é montar um núcleo de “confiança”. Aqueles que nada escondem dos outros para a chefia, insinuam, jogam, sugerem, fazem sub alianças, gostam de demonstrar intimidade com o “alto” e se colocam informalmente, como juízes, muitas vezes. Um agravante, ainda maior, nesta conduta é a colocação de familiares, de segunda linha, em cargos acessórios onde suas habilidades e competências não colocam em risco a instituição;
– Cursos e mais cursos – Nas empresas familiares é muito comum a participação dos dirigentes em workshops, palestras, seminários e cursos das mais diversas formas. Duas questões chamam atenção neste quesito: para a equipe, muitas vezes, são designados apenas aqueles básicos, na linha de ferramentas e planilhas, para os sócios familiares, normalmente, participações das mais variadas, muitas vezes interessantes, mas de quase nenhuma aplicabilidade, pois não existe compartilhamento;
– Conflitos pessoais, conhecimento público – Quando existem divergências pessoais na família empreendedora, o risco de conflito pode ganhar proporções maiores do que as em outro tipo de empresa. Com o envolvimento dos demais participantes do grupo, criam-se ambientes revestidos de emocionalidade que sempre vaza para os corredores, criam-se “partidos” e “torcidas”, situações pouco produtivas, energeticamente negativas e desagregadoras do espírito de equipe;
– Paternalismo em transição – Nas organizações de maior tempo de vida onde os sócios fundadores ainda imprimam sua cultura pessoal, caracterizada, muitas vezes, também pelo conservadorismo e centralização, é comum a infantilização dos subordinados, que idolatram o líder herói, o paizão e recorrem ao “santo nome em vão” para a resolução das mínimas demandas, provocando uma enorme perda de tempo, agilidade e produtividade. Tal situação tende a ser modificada à medida que a assunção dos sucessores se concretiza, trazendo, desde que bem preparados, novas culturas e modelos de gestão;
– Reuniões familiares em casa – Um comportamento recorrente e mortal, nas empresas caracterizadas neste texto, são as destruidoras reuniões sobre estratégias e decisões importantes realizadas ao pé do fogão, na sala das refeições, ou até mesmo na hora de dormir. As emoções comparecem e mudam as percepções e tudo, ou quase tudo, muda. Reflexo? Instabilidade e falta de compromisso da equipe com as decisões acordadas.
Como minimizar os impactos das adversidades acima?
Profissionalizar deve ser a palavra-chave, e isto não quer dizer afastar elementos da família e sim buscar meios que criem uma identidade técnica, indicadores chaves de sucesso, uma despersonalização da gestão, com processos comerciais e administrativos bem definidos. Não é preciso que haja perda do amor pelo negócio, dos valores familiares, aqueles que estavam contidos no sonho, importantíssimos e que norteiam o propósito.
No entanto, é possível que seja necessário buscar atrair talentos no mercado que possam fortalecer a gestão e mantê-los interessados é uma necessidade mandatória para a qualidade na busca dos objetivos empresariais.
Estar em uma empresa familiar pode ser um grande exercício de resiliência, paciência e resistência às adversidades e ao mesmo tempo pertencer a uma organização de sentimentos, propósitos, valores profundos e relações plenamente humanas. É entender as peculiaridades e viver a experiência!
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