Meus amigos leitores, eu quero continuar explorando um assunto que tem me deixado profundamente preocupado, principalmente com relação à juventude que ingressa no mercado de trabalho. Não é novidade para ninguém que temos enfrentado o crescimento vertiginoso da quantidade de pessoas com problemas de ordem neurológica, algo de que tratei na minha postagem anterior (Como está a sua saúde mental?). Se, naquele caso, o conteúdo foi amplo e com diversas formas de abordar a questão, hoje quero agregar mais informações e pedir a atenção das lideranças brasileiras, no país.
Um dos mais respeitados profissionais da área médica, em São Paulo, contatou-me para propor um trabalho em conjunto, orientado a grandes empresas. Em seus estudos e práticas ele confirmou um dado que eu citei naquela postagem: muitos dos problemas emocionais e psicológicos que envolvem as pessoas (e principalmente, os jovens) acabam gerando afastamentos funcionais e apresentam efeitos como fobias, transtorno obsessivo-compulsivo, estresse pós-traumático e ataque de pânico. Não fez parte do meu artigo citado, mas há também vários problemas de ordem física derivados de situações que afetam diretamente o ambiente de trabalho. Também não vou entrar em estatísticas de suicídios, cuja ocorrência tem sido dramática para muitas famílias, as quais sofrem impactos enormes ao verem seus entes queridos sofrendo (ou morrendo) por conta de problemas emocionais e psicológicos.
Por força do projeto citado que eu assumi a responsabilidade de criar, com objetivo de levar conforto aos familiares das pessoas que sofrem de burnout, comecei a pesquisar em detalhes o assunto, sua origem, evolução e o que tem acontecido cotidianamente, principalmente no Brasil. De saída, eu quero afirmar que minha premissa não é (nem será) adentrar na esfera de competências de terapeutas, psicólogos ou psiquiatras. A minha ênfase é avaliar como, em boa parte dos casos, o referencial do Coaching permite (ou não?!) conduzir ação específica que apoie uma pessoa para que, mesmo acompanhando problemas de burnout diretamente relacionados a um familiar, mantenha-se equilibrado no próprio caminho profissional superando o risco de esgotamento emocional, absenteísmo ou presenteísmo.
Acredito que grande parte dos profissionais em intervenção humana tenha a consciência do que significa burnout, algo que para muitos remete à expressão simplificada por “estresse causado pelo trabalho”. A primeira referência ao termo ocorreu na década de 50, mas a sua conceituação pioneira apareceu em uma publicação de 1974 (Staff burn-out, Journal of Social Issues, 1974, vol. 30), escrita pelo psicólogo norte-americano Herbert Freudenberger, estudioso das origens dos diferentes sintomas de esgotamento profissional. Os estudos sobre a síndrome evoluíram e, por bom tempo, assumia-se como sendo um problema característico de profissionais que lidavam com (atendiam o) público. Hoje, há um claro consenso de que todas as profissões, de alguma forma, oferecem riscos para gerar a síndrome de burnout.
Há dez anos, em um estudo publicado no Brasil (TRIGO, T.R. et al. Síndrome de burnout ou estafa profissional e os transtornos psiquiátricos. Revista Psiquiatria Clínica, 2008), os sintomas mais característicos identificavam a exaustão emocional e o distanciamento afetivo. A exaustão emocional abrange sentimentos de desesperança, solidão, depressão, raiva, impaciência, irritabilidade, tensão, diminuição de empatia, aumento da suscetibilidade para doenças, náuseas, tensão muscular, dor lombar ou cervical, dor de cabeça ou distúrbios do sono. O distanciamento afetivo provoca a sensação de alienação em relação aos outros, sendo a presença de amigos e familiares muitas vezes desagradável e, até mesmo, indesejada.
Em 2018, os pesquisadores Noeli Jantsch, Arlete da Costa e Luís Pissaia publicaram estudo com o objetivo de analisar a literatura científica disponível sobre a síndrome de burnout na área de enfermagem (Research, Society and Development, v. 7, n. 1, p. 01-18, 2018 ISSN 2525-3409). Concluíram que essa é uma doença de natureza social e os enfermeiros mais afetados são aqueles que trabalham em ambientes considerados fechados, tendo contato intenso com pacientes e seus familiares. Com objetivo similar, querendo identificar a prevalência de burnout em estudantes brasileiros de medicina (local: Anápolis/Goiás), os cientistas Mariana Barbosa, Bárbara Ferreira, Thaís Vargas, George da Silva, Antonio Nardi, Sergio Machado e Leonardo Caixeta tiveram interessantes conclusões (Clinical Practice amp; Epidemiology in Mental Health, 2018, Vol. 14).
A principal delas foi de que cerca de 12% dos estudantes de medicina entrevistados tiveram burnout e identificaram também que, como contraponto ao problema, uma forma preventiva foi vinculada ao uso positivo da metodologia de ensino PBL (Problem Based Learning), além da proximidade dos estudantes mais jovens com suas famílias. Especificamente, a metodologia PBL apresenta aos alunos uma questão relacionada aos cuidados de saúde ou ao quadro clínico de um paciente e, após a análise inicial, cada aluno define a sua linha de aprendizagem e procura as fontes necessárias que respondem ao problema encontrado. Ou seja, há o estímulo a que o aluno seja ativo em seu próprio processo de aprendizagem, trazendo autoconfiança.
Um estudo voltado a avaliar o burnout e a ansiedade em residentes e anestesiologistas, no Distrito Federal, foi apresentado por Catia Gouvêia, Tiago Cruz, Denismar Miranda, Gabriel Guimarães, Luís Ladeira, Fernanda Tolentino, Marco Amorim e Edno Magalhães, em 2018 (Revista Brasileira de Anestesiologistas, 2018; Vol 68). Concluíram que existe a associação direta entre o estado de ansiedade e as dimensões de exaustão emocional e de despersonalização, o que facilita a identificação dos potenciais casos da síndrome, favorecendo uma atuação precoce na prevenção. A ocorrência de ansiedade, pelo estudo, pode influenciar negativamente na maneira como cada indivíduo enfrenta os fatores cotidianos de estresse (e do burnout).
Saindo do ambiente médico e caminhando para as salas de aula de cursos superiores, Maria de Lourdes Campos e Rita de Lucena publicaram o estudo Qualidade de Vida e Prevalência de Síndrome de Burnout em Professores de Ensino Superior, com foco na cidade de Cajazeiras – Paraíba (International Archives of Medicine Section: Public Health amp; Health Management, ISSN 1755-7682, 2017, Vol. 10 No. 242). A conclusão foi de que professores no ensino superior muitas vezes são afetados pela síndrome de burnout, sugerindo a relação entre esse fenômeno psicossocial e o contexto de trabalho, permeando três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e a falta de realização pessoal. Há inúmeros outros estudos que mostram situações similares para outros tipos profissionais, inclusive de tecnologias, em diferentes cidades brasileiras.
O que todos os estudos sobre burnout têm em comum e que, de certa forma, devem estimular a atenção de coaches e mentores, está em que a pessoa que sofre da doença apresenta exaustão emocional, despersonalização e falta de realização pessoal, bem como distanciamento afetivo. Pense em quantas pessoas você conhece, as quais sofrem pressão profissional por resultados neste cenário disruptivo em grande transformação (acelerado pela digitalização e as mídias sociais), algo que chamamos de mundo VUCA (Volátil, Incerto, Complexo, Ambíguo). Normalmente, essa pessoa demonstra perda de autoconfiança, de autossegurança e necessidade de isolamento. Os jovens, principalmente, cercam-se de celulares, notebooks e fones de ouvido para diminuírem o relacionamento real com os humanos à sua volta, para então viverem em uma bolha do seu mundo virtual, sem certezas, sem amigos reais ou idealizando vãs conquistas.
Se você considerou este artigo como longo, tem toda a razão. Mas a importância de se tratar seriamente de um assunto preocupante, que está presente em todos os ambientes e famílias, exigiu isso de mim (seria leviandade diminuir o texto apenas por estética ou conveniência). O desafio de enfrentar a síndrome do burnout é de todos os profissionais em intervenção humana, havendo um espaço especial para coaches em ajudar na reversão dos seus efeitos. Aliás, devo comentar, todos nós profissionais devemos estar atentos para não cairmos nessa armadilha.
Finalizando, a sugestão é fazer com que seu cliente coachee se liberte da dependência de um mundo virtual, aplique menos tempo na rede social e tenha mais atenção em si próprio. Que compartilhe de um processo (instrumental metodológico) adequado que lhe devolva autoconfiança, foco nos objetivos e agregue competências novas para vencer esse mundo VUCA real. Acreditando que o mundo VUCA será conquistado por aqueles que estiverem conscientes e ativos, empunhando como arma de batalha o aprendizado contínuo, os relacionamentos reais firmes e a autoestima em dia.
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