PTinter é o amor crivado pela política. É algo como um Tinder, mas as pessoas devem ser de esquerda, ou melhor, petistas, para poderem participar. Na Argentina surgiu algo igual, para peronistas. Antes, já havia aparecido coisa semelhante na Europa.
O que se passa? É realmente a politização do amor?
À primeira vista, somos levados a dizer que o amor não poderia ser crivado pela política. Ruim para a política, pior ainda para o amor. Nada substitui a experiência. O amor é a experiência central, a que pode nos transformar. Se a crivamos antes de ocorrer, perdemos chances de ampliar sentimentos e conhecimentos. Podemos estar optando por um empobrecimento. É isso? Criamos uma desgraça a mais?
Ora, se refletimos melhor, se lermos sobre o assunto de rede sociais de encontros, talvez tenhamos de mudar de opinião. Ou ao menos entender que a questão não é exclusivamente sobre política.
Os sites de relacionamento, tanto quando eram menos abruptamente ligados às aparências físicas quanto agora que, enfim, tudo é feito já de início com câmera ao vivo, provocam na maior parte das pessoas um sentimento de decepção. A pesquisas indicavam isso quando eles começaram a aparecer na Internet, e elas continuam do mesmo modo agora. Pode-se ter uma boa noção disso, ao menos quando o Skype e outros mecanismos parecidos não eram usados, pelo livro O amor nos tempos do capitalismo, de Eva Illouz. Pesquisas mais recentes não dão outra indicação. Quando entra a dita vida real, ou seja, quando ocorre o encontro fora do campo virtual, a maior parte das pessoas envolvidas relata posteriormente que ganhou apenas decepção. No entanto, elas não falam em desistência. Elas não abandonam os sites, plataformas e aplicativos de relacionamento amoroso por conta disso.
Bem, se é assim, talvez o crivo pela política não seja algo atinente à politização do amor, mas apenas uma tentativa de criar uma cláusula a mais dentro dos questionários que devemos responder quando participamos de tais instrumentos. É como se as pessoas pudessem dizer: estou a fim de arriscar e ver se meu talvez futuro parceiro tem bafo, mas não estou a fim de ser surpreendida pela conversa de alguém que diz “mito” ao ver a família de milicianos do governo. Para ser sincero, nem sei o que decidir: bolsonarismo e bafo são ambos problemas reais para o amor.
Se uma moça tem bafo, como dizer isso? Se uma moça é bolsonarista, como encarar uma cerveja no bar com ela, supondo que ela não vai só beber, mas também emitir opiniões? O dono da Playboy dizia: é por isso que eu pago as mulheres e pronto! Sim, mas quem procura sites de relacionamento de tipo “namoro”, quer uma imitação de romance, dentro do que isso é possível, ainda, no capitalismo. O número de pessoas que quer parcerias sexuais fixas, namoros duradouros e casamentos, é ainda maior do que o tal sedutor sexo casual. Sim, também há estatísticas sobre isso. Os livros de Gilles Lipovetsky falam disso.
Talvez tenhamos que entender que o mundo virtual já não mais se distancia do real. Não se trata mais de mundo paralelo, como de início pensávamos quando falávamos da Internet. Para a geração que completa agora a sua maioridade, é ridículo e sem sentido falar de dois mundos. Internet e encontro real fazem parte da vida real. Tudo se dá no mesmo plano, sem as diferenciações da minha geração, que chegou a viver muito tempo sem Internet. Desse modo, se evitar bafo ainda não é possível, via Tinder, ao menos podemos evitar aquilo que é pior que o bafo, de ter de aguentar uma mulher que diz que a polícia não tem culpa nenhuma da morte de Ágatha.
Paulo Ghiraldelli, 62, filósofo.
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