Diário de uma quarentena
Este texto está sendo escrito no dia 05 de abril de 2020. Ontem, dia 04, completou três semanas que estou em quarentena por conta do COVID-19 e escrevo como um desabafo, uma visão do que está acontecendo e o que eu acho que vai acontecer daqui pra frente.
Passar pela pandemia do COVID-19 no Brasil tem suas peculiaridades, ainda mais quando temos um presidente que vai contra toda a ciência, razoabilidade e sanidade. E claro, cada pessoa tem suas dificuldades, o que aprofunda mais as particularidades dessa marca histórica.
Quando escutávamos que a doença se espalhava rapidamente pela China com milhares de contaminados e mortos, não estávamos tão incomodados, já que é um país distante, uma cultura tão diferente. Quando a doença chegou na Europa, superando os casos de contaminados e mortes da China, a preocupação começou a bater na porta. E por fim aqui estamos, no Brasil, em São Paulo, o estado que mais tem casos de contaminados e de mortes do país.
Por conta da razão traduzida na matemática e estatística nós sabíamos que a doença iria chegar até aqui. Mas mesmo assim só sentimos e só agimos quando chegou aqui. Digo isso porque é muito comum ouvirmos o que temos que fazer e o que podemos fazer estando em casa. É simples, não é? É só ficar em casa e, além disso, aproveitar ao máximo esse tempo em casa, principalmente para aumentar muito a PRODUTIVIDADE.
Leia mais, trabalhe mais, estude mais e se exercite mais, afinal tantos e tantos meios digitais estão sendo produzidos para que a gente possa produzir mais em casa.
Não, não é simples. Sou só eu que acho isso ridículo e loucura? As pessoas que dizem isso sobre produtividade não percebem que não está tudo bem? Que as pessoas estão morrendo, que mudamos drasticamente o nosso comportamento de forma totalmente forçada?
Não digo isso como se fosse a favor do isolamento vertical ou do não isolamento, fazendo com que as pessoas voltem a trabalhar, isso nunca. Digo sobre a nossa mudança forçada de comportamento justamente por conta das consequências na saúde mental que isso provoca em todas as pessoas e mais profundamente nas pessoas que já têm algum tipo de transtorno, como depressão, ansiedade, bipolaridade e etc.
Também não acho que temos que ter uma visão de fim do mundo e sucumbir ao medo e à agonia. Ainda mais eu que tenho ansiedade e depressão sei bem que tenho que vigiar muito bem os meus pensamentos e comportamentos pela inclinação que tenho de ter visões apocalípticas da minha realidade.
O que eu quero é que sejamos realistas, necessitamos ser realistas mais do que nunca. Realistas para não me submeter a uma expetativa irreal da realidade onde eu posso produzir mais por estar em casa, como se estivesse tudo bem, como se o home office e o isolamento social fossem por uma escolha. E realistas também para lidar apenas com um dia de cada vez, não focar no que tínhamos como rotina nem como possivelmente estaremos daqui a um ou dois meses.
Mas sei que não podemos deixar de perguntar: e quando a quarentena acabar? O que terá restado na antiga rotina? O que terá de novidade, no agir e no sentir? Será que essa mudança forçada irá nos fazer mais vivos?
Parafraseando o teórico Theodor Adorno, haverá arte depois da COVID-19? Depois de idosos e doentes terem sido tratados como números e estáticas? Depois de um sistema assassino por si só é colocado mais uma vez e expressamente acima da vida humana?
Que tudo isso vai passar a gente sabe. O que queremos saber é o que vai ser daqui pra frente e, principalmente, quem nós seremos depois disso tudo.
O que eu desejo e acho que poderia dar certo é viver um dia de cada vez, uma dor e felicidade de cada vez. Conversarmos com nós mesmos, para nos convencermos e, se possível, com nossos amigos e familiares próximos sobre essa agonia diária e conversarmos diariamente, se necessário, pois o exercício de “só por hoje” é diário.
Não estamos sozinhos e não precisamos aguentar tudo sozinhos. Não precisamos. Independentemente de quem diga que é preciso isso ou aquilo agora. Não é.
Espero que após o COVID-19 e a quarentena que vivemos, a gente se torne mais humano, mais sensível, com autoconhecimento, com esperança e menos acomodados. Que assim seja.
Beatriz Alves Ensinas
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