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Covid-19 – Segurança e Liberdade

A liberdade sem segurança não é menos perturbadora e pavorosa do que a segurança sem liberdade. As duas condições são ameaçadoras e impregnadas do medo.

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Covid-19 – Segurança e Liberdade

Há um olhar que sabe discernir o certo errado e o errado certo.

Há um olhar que enxerga quando a obediência significa desrespeito e a desobediência representa respeito.

E há um olhar que reconhece os curtos caminhos longos e os longos caminhos curtos.

(Milton Bonder – A Alma Imoral)

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) acreditava que uma boa vida dependia da harmonia entre segurança e liberdade. Mas que não seria possível ter as duas ao mesmo tempo. Para ele, a modernidade resultou no excesso de ordem e na escassez de liberdade. Já no século 21, nos confrontamos com a desregulamentação das instituições, a crise das ideologias e a ascensão da liberdade individual. Para ele, o sentimento do “excesso de liberdade” geraria uma sensação de caos e por consequência, uma necessidade de maior segurança. “A insegurança e a incerteza, nascem de um sentimento de impotência.”

O medo é seguramente o mais sinistro dos muitos demônios que se aninham nas sociedades abertas de nossa época. Mas é a insegurança do presente e a incerteza do futuro que criam e alimentam o mais aterrador e menos suportável de nossos medos.

Resumidamente, o mundo deste final do século XX (considero, no Brasil, fim do século XX, dia 10 março 2020), foi ficando cada vez menor. Tudo muito próximo. Espacial e temporalmente. Os povos, os países e as culturas interagem e convivem como nunca na nossa história conhecida. Comunicar é fácil e praticamente gratuito, e viajar entre países, democratizou-se a níveis jamais imaginados.

Movimentar capitais e mercadorias é igualmente fácil e barato. Tudo isto gera a ilusão de podermos estar em toda a parte e instantaneamente, a ponto de classificarmos nosso vasto mundo como “aldeia global”. Foi neste ponto que cruzamos o caminho da Covid-19, precisaremos de tempo para entender as implicações individuais e coletivas/planetárias deste evento.

“As escolhas que estamos fazendo para combater a Covid-19 moldarão nosso mundo nos próximos anos”, afirma o historiador Yuval Noah Harari (Autor de “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”, entre outras obras), “Talvez as duas opções mais importantes sejam: se enfrentamos esta crise por meio do isolamento nacionalista ou se enfrentamos através da cooperação e solidariedade internacionais” – “Em segundo lugar, dentro de um país, as opções são tentarmos superar a crise por meio de controle e vigilância totalitário e centralizado, ou por meio da solidariedade social e do empoderamento dos cidadãos”, acrescentou.

Desde o início dos anos 2000 fomos confrontados, com a possibilidade de uma pandemia devastadora – a gripe das aves e a gripe suína (H1N1) –, certo é que, em ambos os casos, o alarme lançado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e a ação preventiva dos Estados, limitou, os efeitos esperados.

A “big thing” (o outro nome da Covid-19) que o mundo enfrenta influenciará fortemente o processo de globalização, com potencial para reduzir a liberdade, a partir dos controles para salvaguardar a segurança de países e pessoas. O protecionismo é a reação óbvia quando a liberdade de circulação de pessoas e mercadorias se apresenta como grande vilão da contaminação.

As tecnologias de vigilância que estão sendo produzidas a uma velocidade vertiginosa podem ser colocadas em prática sem desenvolvimento adequado ou debate público. Nas mãos erradas, diz Harari, essas tecnologias podem ser usadas pelos governos para “instituir regimes de vigilância total que coletam dados de todos e depois tomam decisões de maneira opaca”.

Em São Paulo, os meios de comunicação, todos os dias informam o percentual de adesão a quarentena. Os celulares informam, em silêncio e sem uma autorização formal dada por nós. Mas garantem, não usarão demais informações a partir do seu celular. Até quando? Vamos silenciar?

Na China, que possui uma das operações de vigilância mais sofisticadas do mundo, foi usado reconhecimento facial para multar cidadãos que quebraram a quarentena. No Brasil, já usamos reconhecimento facial nas ruas, trens e metrô, aeroportos, portos etc. Mas é apenas o início de algo muito mais invasivo. O próximo passo, algo como chip subcutâneo, pode estar muito mais próximo do que se imagina.

Na visão de Harari, a vigilância sobre a pele é monitorar o que se faz no mundo exterior: aonde você vai, quem encontra, ao que assiste na TV, que sites visita online. Ela não entra no seu corpo. Vigilância sob a pele é monitorar o que está acontecendo dentro do seu corpo. Começa com coisas como a temperatura, mas aí pode partir para a pressão sanguínea, frequência cardíaca, atividade cerebral. E uma vez que se faça isso, é possível saber muito mais sobre cada indivíduo do que em qualquer outra época: você pode criar um regime totalitário como nunca se viu antes.

Se você sabe o que estou lendo ou ao que assisto na televisão, isso lhe dá alguma ideia sobre meus gostos artísticos, meus pontos de vista políticos, minha personalidade, mas ainda é limitado. Agora, pense se você puder realmente monitorar minha temperatura corporal, minha pressão e frequência cardíaca enquanto leio o artigo ou assisto ao programa online: aí você pode saber o que estou sentindo a cada momento! Isso não é inevitável. Podemos impedir que aconteça. Mas para tal, temos que tomar consciência do perigo, e em segundo lugar tomar cuidado com o que permitimos. ”

O futuro da democracia e da liberdade tem de ser assegurado em escala planetária – ou não o será. A promessa moderna de evitar ou derrotar uma a uma todas as ameaças à segurança humana foi até certo ponto cumprida – embora não a promessa de acabar com elas de uma vez por todas.

O que, no entanto, não conseguimos realizar e agora, em tempos de Covid-19, vemos a possibilidade de não conseguir evitar, é a expectativa de liberdade em relação aos medos nascidos e alimentados pela insegurança provocados pelo, agora real, vírus mortal e planetário.

A liberdade sem segurança não é menos perturbadora e pavorosa do que a segurança sem liberdade. As duas condições são ameaçadoras e impregnadas do medo – as alternativas entre a cruz e a espada.

A mobilidade e a facilidade de relacionamento pessoal, o que significa também a circulação de ideias e de aceitação de pontos de vistas e formas de estar diversas, independentemente da geografia a que os indivíduos pertençam, constituem um dos maiores estabilizadores da paz, da tolerância e da concórdia geral.

A Covid-19 determina mudanças geopolíticas e geoeconômicas de fundo, e o sentido destas mudanças pode muito bem ser um novo pacto negociado entre os todas as classes sociais – agora significando a humanidade em seu conjunto – ou então, não passará de mais um episódio, de circunstância, numa tendência irreversível que é a construção de um mundo único, uma casa comum, de que todos nos beneficiamos, mas que todos somos também responsáveis, para o bem e para o mal. Esperemos que a escolha entre esses as possibilidades de futuros ainda nos pertença.

Sandra Moraes
https:// www.linkedin.com/in/sandra-balbino-moraes

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Sandra Moraes é Jornalista, Publicitária, Relações Públicas, frequentou por mais de 8 anos classes de estudos em Filosofia e Sociologia na USP.É professora no MBA da FIA – USP. Atuou como Executiva no mercado financeiro (Visa International (EUA); Banco Icatu; Fininvest; Unibanco; Itaú e Banco Francês e Brasileiro), por mais de 25 anos. Líder inovadora desenvolveu grandes projetos para o Varejo de moda no país (lojas Marisa – Credi 21), ampliando a sua larga experiência com equipes multidisciplinares, multiculturais, altamente competitivos, inovadores e de alta volatilidade.
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