Suicídio: muito além da pandemia
Enquanto me preparava para escrever este artigo, recebi uma chamada que me fez mudar o tema da conversa. Ainda não sabemos o que será e como será o chamado Novo Normal. Temos alguns indícios e apenas algumas possibilidades para o tema da retomada do convívio social – seja ele em que modelo for possível.
No Dia Mundial da Saúde Mental, em outubro de 2019, a ONU lembrava que em todo o mundo, 800 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano — uma a cada 40 segundos – a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Sucumbiram a dor da existência sem sentido e sem respostas. Onde não é possível traçar um plano. A solidão imposta sem remédio. Como conseguir suportar o vazio da perspectiva de um futuro sem nome.
“25 brasileiros morrem por dia vítimas de suicídio.”
“Em uma sala com 30 pessoas, 5 delas já pensaram em suicídio.”
“A cada 40 segundos uma pessoa se mata no mundo, totalizando quase um milhão de pessoas todos os anos.”
“Estima-se que de 10 a 20 milhões de pessoas tentam o suicídio a cada ano.”
* Todas essas frases foram copiadas e coladas do site do CVV – Centro de Valorização da Vida
Ansiedade, stress e depressão, desencadeados pelo distanciamento físico, desemprego, consumo das reservas financeiras familiares, mas, principalmente a falta de certeza quanto a como será o futuro, faz com que os índices de suicídio e violência contra familiares, reclusos no mesmo ambiente, nos indique que poderemos ter uma epidemia em curso, maior do que a COVID-19.
A pandemia está quebrando certezas, mostrando que muitas das premissas com as quais construímos nossa vida, não se sustentam: “se eu fizer as coisas certas, tudo vai dar certo” ou então “sou uma pessoa do bem e as coisas não vão me atingir”.
A realidade contesta essas premissas sem que tenhamos tempo de refletir e reorganizar nossa vida. Isso faz com que muitos sintam dificuldade de cuidar da própria vida, ou de enxergar uma luz no final do túnel.
As quarentenas, pelo mundo, justificadas pela falta de leitos hospitalares e de uma resposta efetiva, na forma de vacinas ou tratamentos – foram implementadas como a “única” resposta possível. Como qualquer tratamento, para atingir seu objetivo, causa certos efeitos indesejados.
Em levantamento realizado na China, logo na fase inicial da pandemia – 13,8% das pessoas passaram a manifestar sintomas depressivos leves, 12,2% apresentaram sintomas moderados e 4,3%, graves. Nos EUA, o canal de emergência oferecido pelo governo para pessoas com sofrimento emocional registrou um aumento de 1.000% nas ocorrências em abril deste ano,- dado publicado pelo jornal Washington Post – em comparação com o mesmo mês do ano passado.
O Ministério da Saúde aponta “aumento da frequência do comportamento suicida entre jovens com idade de 15 a 25 anos, de ambos os sexos, escolaridades diversas e em todas as camadas sociais”. (Fonte: UNA-SUS)
O consumo de álcool neste período é outro fator agravante. No Brasil, dados publicados pela Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), em maio, apontam crescimento de 38%. A Rússia que havia conseguido, entre 2003 e 2020, 40% de redução no consumo de bebidas alcoólicas – em apenas um mês de quarentena – registrou aumento de 47%.
Estudos realizados por diversos países apontam que 20% das pessoas no mundo que relatam beber mais durante o lockdown são responsáveis, pelo aumento global nas vendas de álcool. Os números nunca, em todos os estudos análogos, retornaram ao patamar anterior. O álcool potencializa vários distúrbios, violência, suicídio, depressão – são alguns dos comportamentos relatados como aqueles que são potencializados pela bebida.
Os estudos mais consistentes que associam economia e suicídios têm como objeto a chamada “Grande Recessão” que atingiu os EUA entre 2007 e 2010. Cada ponto percentual a mais na taxa de desemprego, teria gerado um aumento de 1,6% nas taxas de suicídio.
Embora ainda prematuro, o Instituto Meadows (Texas), estima que ao menos 4.000 pessoas devem cometer suicídio e outras 4,8 mil morrerão por overdose de drogas no país, em consequência do desemprego em massa provocado pela pandemia.
Para além dos impactos econômicos ou do pânico causado pelo vírus, o isolamento físico, por si só, é um dos fatores associados ao suicídio. Também nesse caso, os impactos devem ser mais perceptíveis a longo prazo. O número de suicídios nos Estados Unidos, por exemplo, dobrou após a “Grande Recessão” e segue crescendo, 12 anos depois.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, em 2014, 10.631 pessoas cometeram suicídio, no Brasil. Em cada 10 suicídios, 8 são homens e 2 são mulheres. Conforme levantamento feito pelo ComunicaQueMuda (CQM), plataforma digital da agência nova/sb, focada em propor debates de assuntos polêmicos, após monitorar as redes sociais brasileiras, por 29 dias em maio deste ano, contabilizou 103.923 menções ao tema. Neste número estão depoimentos e relatos. De 6,3% em 2017, passou a 23,5% em 2020.
Entre 2011 e 2018, houve um crescimento de 10% nas taxas de suicídio entre jovens de 15 a 29 anos no país. O maior aumento ocorreu entre 2016 e 2017, conforme Perfil Epidemiológico divulgado em setembro de 2019 pelo Ministério da Saúde.
Ao investigar suicídios entre adolescentes que vivem nas grandes cidades brasileiras, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) constataram que, entre 2006 e 2015, a taxa de suicídio entre jovens de 15 a 19 anos aumentou 24% nas principais cidades brasileiras: Porto Alegre, Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. Nos municípios do interior do país cresceu 13%.
Assim o aumento contrasta com a evolução dos índices de suicídios no resto do mundo, para esta fase sem pandemia – que caíram 17% no mesmo período.
A OMS ressalta que, embora a ligação entre suicídio e transtornos mentais, transtornos relacionados à depressão e ao uso do álcool, esteja bem documentada em países com renda elevadas, muitos suicídios ocorrem impulsivamente durante tempos de crise que minam a capacidade de enfrentar as tensões da vida, como problemas financeiros, quebra de relacionamento ou dor e doença crônica.
Os pesquisadores concluíram que indicadores socioeconômicos, especialmente o desemprego e a desigualdade social, podem estar associados a esse aumento – Fica claro que com a gradual retomada das atividades, neste momento de pandemia, considerando que já vinhamos com números de casos ascendente, possa ser ainda maior face as dificuldades enfrentadas pela nossa sociedade, como um todo.
O primeiro aprendizado: somente identificando nossas emoções será possível gerenciá-las, ou seja, desenvolver reação positiva face às adversidades para nos recuperarmos mais rapidamente e reagirmos melhor em cenários adversos.
Nesse momento é como se estivéssemos numa pausa das nossas vidas… uma interrupção… uma parada momentânea… Nós nos sentimos controlados por fatores externos, alheios às nossas vontades… É como se não pudéssemos planejar nosso futuro para as próximas semanas (e meses, anos?) Quando saímos da nossa zona de conforto somos expostos a outras possibilidades e outros desafios, mas é diferente quando isso não foi uma escolha e, sim, uma imposição.
O desconhecido gera medo e insegurança… A “incerteza” e a falta da possibilidade de planejar podem incomodar bastante algumas pessoas, especialmente aquelas que gostam de organizar tudo. O impedimento de planejar as coisas pode assim gerar ou aumentar a intensidade de transtornos alimentares, de ansiedade, depressão. Pode levar ao desenvolvimento de mecanismos de fuga para suportar o estado da incerteza como vício em drogas ou álcool. A incerteza pode assustar, pode paralisar…
A falta de um futuro conhecido ou ao menos planejado tende a atormentar! É importante que qualquer assunto que incomoda tenha espaço e possibilidade para ser conversado sem julgamentos e com escuta amorosa. É importante procurar ajuda e sempre conversar sobre nossas angústias.
Aos governos será necessário tratar objetivamente os problemas sociais e de saúde pública, severamente agravados com a pandemia. O nosso sistema de saúde deve estar equipado para acolher as pessoas com medo – não apenas as que têm febre. Tratar as dores da alma, que podem ser tão ou mais intensas do que aquelas sentidas pelo corpo, usualmente tratadas com morfina.
Sandra Moraes
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