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Por que vivemos em um mundo pós-verdade?

As notícias falsas, sempre existiram. As más intenções e truques que defendem lados e interesses, também. Então o que muda nesse tal mundo pós-verdade?

pós-verdade

Por que vivemos em um mundo pós-verdade?

O Dicionário Oxford, elegeu “Pós-verdade” como expressão do ano, em 2016. É um substantivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e crenças pessoais”. Portanto, pós-verdade se refere ao momento em que a verdade já não é mais importante.

Em 1835, o jornal New York Sun publicou uma série de reportagens sobre a incrível descoberta de vida na Lua. A novidade, foi falsamente atribuída a um astrônomo chamado Sir John Herschel. O cientista teria usado “lupas de hidrogênio” para identificar diversas espécies de seres vivos lunares. Entre eles, estavam animais fantásticos, como o urso com chifres e o castor bípede. Depois de aumentar seu número de assinantes, o jornal admitiu discretamente que tratava-se de uma mentira (Domínio Público via Wikimedia Commons)

A história e as manchetes brasileiras estão recheadas de falsas atribuições. O chamado Caso Escola Base envolve a cobertura parcial por parte da imprensa e a conduta precipitada por parte do delegado responsável pelo caso, que, teria agido pressionado pela mídia. O caso foi arquivado por falta de provas. As pessoas acusadas no caso adoeceram, além de se isolarem da comunidade e perderem seus empregos. Os proprietários e colaboradores próximos, na Aclimação, em São Paulo, em março de 1984 foram acusados de abuso sexual contra alguns alunos de quatro anos e sofreram as consequências da revoltada opinião pública. A escola foi obrigada a encerrar suas atividades.

Em suma, quem sustenta que as notícias falsas são responsáveis por estarmos vivendo em um mundo pós-verdade acha que antes havia um mundo em que a verdade existia e era objetiva. O real é que tal mundo nunca existiu. A impossível e improvável expectativa de que algum dia as notícias falsas desaparecerão não trará de volta o sonho de uma verdade perdida que nunca houve.

A formação de sociedades complexas fez com que esse tipo de informação e suas consequências se tornassem mais difíceis de serem compreendidas, também. Se antes a fofoca envolvia reputações individuais, os boatos passaram a envolver indivíduos e grupos muito importantes para o funcionamento dessas estruturas sociais. Considero aqui a fofoca um fenômeno restrito a grupos menores enquanto os boatos atingem grupos maiores. O boato seria um “mercado clandestino de informações”, onde haveria a explicação de “fatos não verificados sobre uma questão de interesse público” (BELCHIOR: 2018, p.13).

Até aí, fofoca e boato são basicamente iguais, no entanto, é preciso dizer que com o boato existe um encaixe da informação tendenciosa a uma expectativa social em grupos sociais maiores (uma cidade, por exemplo). As pessoas, coletivamente, estão dispostas a aceitar como verdade aquele boato.

Ou seja, há um encontro entre uma informação tendenciosa e uma expectativa social.

À fofoca e ao boato se soma agora a “fake news”, ou seja, a notícia falsa. Diferente dos boatos e das fofocas, as notícias falsas se caracterizam como “conteúdo deliberadamente falso que mimetiza notícia e é distribuído em rede social (Internet em geral) com o intuito de gerar benefício”. Diferente dos mecanismos informais de transmissão da fofoca e do boato, as notícias falsas se revestem de uma carapaça de informação materialmente comprovável. Se para caracterizar um boato fossem necessárias a junção de informação tendenciosa e a expectativa social, uma notícia falsa agrega expectativa social à informação tendenciosa travestida de informação isenta.

O Termo “Fake News” está, na história muito recente, associado a eventos políticos e sociais relevantes, como no caso das eleições americanas que levaram Trump ao poder e o caso do Brexit, na Inglaterra, onde a situação pode ter sido ainda mais complexa em decorrência dos tabloides. A situação tem apresentado alto grau de complexidade na Europa.

O que impressiona não é a divulgação desse tipo de informação, mas sim como ela ganha aderência. O que interessa em último caso não é a correspondência da informação com a realidade, mas sim como aquela informação responde à expectativa social das pessoas que as validam. A qualidade da notícia é medida pelo grau de correspondência dela com aquilo que eu penso. Se converge, aceito e compartilho, caso contrário apago ou deslegitimo.

Trocando em miúdos, se mais boatos e/ou notícias falsas conseguem atingir mais a reputação de “A” em comparação a “B” é porque existe, de fato, uma maior base social que se inclina contra o “A”. Ou seja, as pessoas “criam” e compartilham boatos e notícias falsas contra “A” porque, muito provavelmente, existe um sentimento prévio de repulsa a ele que foi reforçado ou desenvolvido a partir da divulgação de notícias sem base material real.

As pessoas comuns, que outrora se viam confinadas à posição de vítimas e alvos passivos, atualmente exercem papel ativo em boa parte dos processos que alimentam e dão forma à pós-verdade.

A esse fato somam-se a ascensão e a consolidação da web 2.0: paradigma em que os usuários da rede deixam de ser meros consumidores de informação, adquirindo o status de produtores de conteúdo, graças a uma gama cada vez maior de ferramentas e recursos criativos altamente acessíveis. Assim, atividades que antes eram exclusivamente realizadas por profissionais, tornaram-se disponíveis para as pessoas comuns. Entre os efeitos dessa mudança, destacam-se o aumento exponencial na oferta de informações e a queda inversamente proporcional da qualidade e confiabilidade dos conteúdos em questão, fator que costuma estar intimamente ligado as fake News.

Todas as sociedades bem-sucedidas dependem de um grau relativamente alto de honestidade para preservar a ordem, defender a lei, punir os poderosos e gerar prosperidade: a confiança é fundamental para a sobrevivência humana. Nas últimas décadas, uma série de perturbações conspirou para esgotar as reservas restantes de confiança. Escândalos arrastaram o nome de grandes meios de comunicação para a lama: “quando os supostos fiadores da honestidade vacilam, o mesmo acontece com a verdade” – estamos na era da fragilidade institucional (Matthew D’Ancona).

O próprio Zygmunt Bauman, numa entrevista ao El País, afirma que “estamos em um estado de interregno entre uma etapa em que tínhamos certezas e outra em que a velha forma de atuar já não funciona” – as certezas foram abolidas. São criadas bolhas ideológicas, e com isso deixamos de dialogar com opiniões diferentes das nossas. “Quando alguém publica algo que não nos agrade, simplesmente deletamos essa pessoa. Dessa maneira elas são utilizadas para corroborar nossas próprias opiniões.”

Vivemos uma guerra de ideias, em que tudo passa a valer conforme os interesses, desejos, crenças e convicções pessoais.

As notícias falsas, sempre existiram. As más intenções e truques de indivíduos e organizações que defendem lados e interesses, também. O que, atualmente, é radicalmente diferente é o poder e a influência das plataformas de tecnologia na disseminação de qualquer tipo de notícia que, por razões variadas e muitas vezes inexplicáveis, ganham engajamento e, de uma hora para outra, crescem exponencialmente sua audiência.

São gostadas ou detestadas (likes e similares), compartilhadas e comentadas em um processo de combustão espontânea descontrolada. Em um mundo já fortemente polarizado, o “efeito rede” potencializa a intolerância, a impaciência e o ódio. Escutamos só o que queremos e o que reforça os nossos desejos, pensamentos, inclinações.

Estamos entrando em um mundo em que os conceitos e significados serão revisitados, em todos os âmbitos da vida.

Gostou do artigo? Quer saber mais sobre o mundo pós-verdade? Então entre em contato comigo. Terei o maior prazer em responder.

Sandra Moraes
https:// www.linkedin.com/in/sandra-balbino-moraes

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Sandra Moraes é Jornalista, Publicitária, Relações Públicas, frequentou por mais de 8 anos classes de estudos em Filosofia e Sociologia na USP.É professora no MBA da FIA – USP. Atuou como Executiva no mercado financeiro (Visa International (EUA); Banco Icatu; Fininvest; Unibanco; Itaú e Banco Francês e Brasileiro), por mais de 25 anos. Líder inovadora desenvolveu grandes projetos para o Varejo de moda no país (lojas Marisa – Credi 21), ampliando a sua larga experiência com equipes multidisciplinares, multiculturais, altamente competitivos, inovadores e de alta volatilidade.
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