A solidão da criança em uma sociedade hiperconectada
Hoje de manhã, quando me sentei à frente do computador para redigir o artigo do mês, recebo um link de uma participante de um dos meus grupos de desenvolvimento para mães. No link, a reportagem de sobre uma mãe que havia excluído as redes sociais da filha, adolescente de 14 anos, influencer com quase 2 milhões de seguidores. Tal atitude, por óbvio, causou reboliço entre os pais e seguidores da jovem: pais e adultos aplaudindo a atitude e crianças e adolescentes revoltados.
Achei incrível essa sincronicidade, pois era justamente sobre isso que eu iria escrever… Sobre a solidão da criança, na sociedade hiperconectada da atualidade.
Vamos entender isso?
Até agora e, especialmente nas últimas décadas, as cidades foram pensadas e projetadas tomando como parâmetro o “cidadão médio” que, em geral responde às características de um adulto, homem, trabalhador. Deste modo, a cidade prescindiu de todos os cidadãos não adultos, não homens e não trabalhadores. Aqui encontram-se crianças, mulheres e idosos.
Por isso, o desenvolvimento das cidades aconteceu com a separação e a especialização das funções e das competências e os danos causados por isso, foram compensados com serviços, típicos produtos de bem-estar e da nova dinâmica que se estabeleceu nas últimas décadas. Por exemplo: no centro da cidade estão concentrados o comércio, os bancos, escolas e as pessoas vivem nos bairros. Muitos deles, longe do centro. Mas, para compensar isso, investe-se em meios de transporte cada vez mais eficientes e avenidas mais largas para drenar o fluxo.
O casal trabalha fora o dia todo, 8h a 10h por dia. Se eles decidem ter filhos e não sabem onde deixá-los, existem as creches. Para quem é importante que existam creches? Para a criança? A criança de 6 meses deseja estar 8h por dia na creche aos cuidados de estranhos? Certamente não.
Para quem é importante que existam avenidas largas? Para o adulto, que tem carro, dirige e precisa se deslocar rapidamente. Isso é importante para a criança? Para elas, talvez outras alternativas atenderiam suas necessidades. Que, no nosso modelo atual de cidade e sociedade, estão completamente desconsideradas. Estamos mal. Mas estamos cômodos.
Naturalmente, com uma situação onde todos sofrem de alguma maneira, a criança sofre ainda mais. Porque para a criança, a compensação e a monetização do estrago não funciona. Os serviços pensados para os adultos não são bons para a criança.
Se um parque da cidade é eliminado, para ampliar uma avenida, ou alargam ruas, para que mais carros possam passar e diminuem o espaço do pedestre, isso faz com que a rua fique mais perigosa por algum acidente de trânsito e a criança já não pode mais circular sozinha. Em realidade, um espaço foi roubado da criança.
Se o parque que estava pertinho de casa foi reconstruído longe, a criança somente poderá ir se um adulto a acompanha. Portanto, somente dentro do horário do adulto.
Não bastasse isso, temos ainda a tecnologia. Que foi extremamente necessária nesses tempos pandêmicos, de isolamento social, para manter muitas coisas funcionando e provendo recursos para tantas pessoas. Mas ao mesmo tempo, empurrou as crianças ainda mais para o precipício da solidão: recebendo likes de gente que não conhece, fazendo dancinhas diárias como um babuíno treinado. É divertido. É insuficiente. É triste. Nesta nova sociedade rica, consumista e hiperconectada, a criança está sozinha.
É um paradoxo: no século em que descobriram a criança, sua capacidade, seu desenvolvimento precoce; no século em que foram definidos e promulgados seus direitos fundamentais à vida, à saúde, à educação, ao brincar, ao respeito; um século onde dedicam às crianças estudos, livros, convenções… a criança se encontra com um sofrimento novo, presente do bem-estar e do egoísmo: a SOLIDÃO.
Na solidão, a criança não se sente amada nem segura.
Ela está só. E só, chega à escola. Só ela chega à vida adulta.
Só e vazia. Vazia de si.
Gostou do artigo? Quer saber mais sobre o paradoxo da solidão da criança? Então entre em contato comigo. Terei o maior prazer em responder.
Liz Cunha
https://www.lizcunha.com.br/
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