Segurança Psicológica: No susto e no grito, fazemos bonito!
Era uma vez, em uma dimensão paralela, a Monstros S.A., a maior fábrica de sustos existente. A fábrica constrói portais que levam os monstros para os quartos das crianças, onde podem dar sustos e gerar a fonte de energia necessária para a sobrevivência da fábrica.
Entre todos os monstros que lá trabalham o mais assustador é James P. Sullivan, um grande e intimidador monstro de pelo azul e chifres, que é chamado de Sully por seus amigos. Seu assistente é Mike Wazowski, um pequeno ser de um olho só com quem tem por missão assustar as crianças, que são consideradas tóxicas pelos monstros e cujo contato com eles seria catastrófico para seu mundo.
Contudo, ao visitar o mundo dos humanos a trabalho, Mike e Sully conhecem a garotinha Boo. Ela acaba sem querer indo parar no mundo dos monstros e causando muito pânico e a maior confusão por lá.
A história do filme é uma linda metáfora do ambiente corporativo tradicional. Profissionais competindo para gerar o maior resultado e comprometidos a entregar o melhor de si para a sua organização. A princípio, ninguém questiona o fato de que assustam criancinhas para a geração de energia. Quando uma dessas crianças acidentalmente vai parar no mundo dos monstros, o medo se instala coletivamente entre eles.
Falando em pânico e voltando para a nossa dimensão, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina, desde 2014, organiza o Setembro Amarelo, para disseminar uma campanha nacional de prevenção ao suicídio. Desde 2003, a Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP), em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS), promove no dia 10/09 o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.
Além de ser um momento de conscientização quanto à importância da prevenção ao suicídio, o Setembro Amarelo é uma excelente oportunidade para as empresas falarem e agirem para a promoção da saúde mental. Porque isso impacta diretamente no bem-estar e na qualidade de vida dos colaboradores.
Um estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e publicado pela revista The Lancet revelou que a mudança brusca de rotina que a pandemia causou na vida e no trabalho das pessoas trouxe impactos também para a saúde mental.
De acordo com o artigo, os casos de depressão aumentaram 90%. Além disso, o número de pessoas que relataram sintomas como crise de ansiedade e estresse agudo mais que dobrou entre os meses de março e abril deste ano.
Os problemas de saúde mental no trabalho estão ligados a três pilares: tempo, espaço e condições. Ao analisar o tempo, percebe-se uma ausência de limites entre trabalho e vida pessoal e o entrecruzamento do trabalho com as atividades domésticas. As questões das desigualdades sociais se destacam em que os espaços físicos foram transferidos para redes sociais e plataformas virtuais. O terceiro pilar é a condição de trabalho remoto que tem sido um grande desafio. Além disso a retomada das atividades presenciais e a garantia da convivência segura.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) já aponta aumento dos índices de suicídio, depressão, preocupação, medo, ansiedade. Além disso, aumento dos índices da violência doméstica, fragilidade das redes de proteção e uso abusivo de álcool e outras drogas.
Ao considerar o trabalho como dimensão central na vida humana, cabe refletir sobre a seguinte pergunta:
Como o trabalho pode ser central na vida das pessoas e não lhes prover qualidade de vida, bem-estar e felicidade?
O princípio base de uma organização saudável são o equilíbrio e alinhamento entre qualidade de vida, bem-estar e felicidade, produtividade, qualidade e rentabilidade organizacional (Csikszentmihalyi, 2004). A promoção da qualidade de vida no trabalho é um campo que privilegia o respeito e a valorização da vida individual e coletiva (Sauer & Rodriguez, 2014).
No Brasil compreende-se o bem-estar no trabalho como um constructo psicológico de caráter multidimensional, que está integrado ao mesmo tempo por vínculos afetivos positivos com o trabalho (satisfação e envolvimento) e com a organização (comprometimento organizacional afetivo) (Siqueira & Padovam, 2008).
Outra forma de compreender o bem-estar no trabalho está relacionada com a prevalência de emoções positivas no trabalho, aliada à percepção de que o ser humano expressa e desenvolve potenciais e competências, avançando, desse modo, no alcance de seus propósitos de vida (Paschoal & Tamayo, 2008). Nesta definição, estão inclusos os aspectos afetivos (emoções e humores) e aspectos cognitivos (percepção de expressividade e realização).
O bem-estar no trabalho também pode ser concebido como sinônimo do conjunto de três fatores interligados, afeto positivo, a avaliação subjetiva da qualidade de vida e felicidade (Traldi & Demo, 2012).
“Felicidade é a experiência de contentamento e bem-estar combinada à sensação de que a própria vida possui sentido e vale a pena.” (Sonja Lyubomirsky – Universidade da Califórnia)
Um caminho eficiente que as organizações podem seguir para cuidar do bem-estar dos seus colaboradores é estabelecer uma cultura de segurança psicológica no ambiente de trabalho. Mas, você sabe o que é isso?
A Segurança Psicológica (SP) é a crença compartilhada de que o ambiente permite que se assumam riscos interpessoais. Onde existe uma cultura de SP, as pessoas sentem-se confortáveis para propor novas ideias sem serem julgadas, sentem-se seguras para discordar, mudar de ideia, correr riscos de errar, receber feedbacks e desafiar o status quo.
A segurança psicológica não é sobre ser legal ou apenas sobre confiar. É uma linha tênue entre o paternalismo (muito comum na nossa cultura) e a exploração do colaborador. Ela premia a vulnerabilidade e traz como consequência o aprendizado individual e coletivo.
Em uma equipe com SP as pessoas se sentem incluídas, seguras para aprender, contribuir e para desafiar a forma como as coisas sempre foram feitas. Essa condição de trabalho satisfaz diversas necessidades humanas, tais como: conexão, pertencimento, colaboração, aprendizado, crescimento, entre outras, impactando positivamente o estado psicológico das pessoas.
Como o suicídio está diretamente relacionado ao estado psicológico e à saúde da mente, as empresas podem investir em diagnósticos de cultura de segurança psicológica. E em atividades, momentos e eventos que, além de conscientizar, contribuam para minimizar o estresse, a ansiedade e proporcionar, de fato, bem-estar para os colaboradores.
Sabem a garotinha do início desse texto (spoiler)? No fim da história, os monstros descobrem que a sua risada tem o potencial de gerar muito mais energia do que os gritos de susto. Alguns monstros mais corajosos, desafiam o status quo e comprovam para todos que a felicidade no trabalho é muito mais eficiente para a Monstros S.A.
Da mesma maneira em nossa dimensão, com a saúde mental em dia, as equipes desempenham seu trabalho com mais qualidade, engajamento e motivação. Isso reflete em benefícios para a empresa e se estende para a vida pessoal dos profissionais, para toda a organização e para a sociedade.
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Kaká Rodrigues
https://www.diversidadeagora.com.br
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