Abril Azul: A Importância do Mês de Conscientização do Autismo
“Nunca desistam de seus filhos” (Berenice Piana)
Quando falamos em civilização, da forma como a grande maioria entende o conceito, qual pode ser considerado o seu marco inicial? Para alguns, pode ser a descoberta de como usar o fogo, para outros, a capacidade de desenvolver ferramentas, como machados e lanças. Para a antropóloga Margaret Mead, esse marco inicial pode parecer um pouco inusitado: um fêmur regenerado.
Na natureza, uma perna quebrada equivale a uma sentença de morte, tornando seu portador uma presa fácil para predadores. Por isso, aquele fêmur encontrado em uma escavação arqueológica, indicava que um ou mais indivíduos, cuidaram e protegeram de alguém ferido por tempo suficiente para que a fratura cicatrizasse. Para Mead, essa disposição em se colocar a serviço de alguém com uma fragilidade, é o que marca o começo da nossa civilização.
Mas o cuidado é apenas o primeiro passo, já que é preciso pensar também na integração. Fazer com que uma Pessoa com Deficiência faça realmente parte da sociedade, seja que campo for, é fundamental. No entanto, essa ainda não é uma realidade. Longe disso.
Em meados dos anos 90, Berenice percebeu que Dayan, aos dois anos de idade, começou a involuir. Ele dava novos usos aos seus brinquedos, mas suas ações não eram movidas por criatividade infantil, como muitas mães poderiam ser levadas a crer na época. A situação se agravou e Dayan começou a se isolar, sem estabelecer diálogo com a família ou interação com outras crianças. Até sua alimentação se tornou bem restrita, quando passou a se recusar a comer alimentos que fossem redondos.
O diagnóstico de autismo só veio quando Dayan tinha seis anos. Para isso, Berenice precisou estudar muito, se dedicando quase que exclusivamente a Dayan.
“Infelizmente eu tive que diagnosticar meu filho sozinha. Os médicos não percebiam nada de errado com ele. Naquela época, o autismo era muito desconhecido, não havia profissionais no Brasil capacitados para diagnosticar autismo.”
O diagnóstico não facilitou a vida de Berenice e Dayan. Continuaram a enfrentar a falta de preparo de médicos e do próprio sistema público de saúde. A educação também foi um problema: ele foi expulso de uma escola e não se adaptou a uma outra, com dificuldades para acompanhar as aulas. Só quando Berenice encontrou uma clínica-escola, preparada para acolher crianças como Dayan, é que ele pôde se alfabetizar e avançar nos estudos. Mas não sem dificuldades: a família morava em Itaboraí, e a escola fica na Urca, no Rio de Janeiro, a 40 quilômetros de distância.
A história dessa luta deu origem à primeira lei brasileira criada por iniciativa popular: a Lei 12.764, de 27 de dezembro de 2012.
Berenice foi a primeira pessoa no país a conseguir a aprovação de uma lei a partir do seu esforço. Por isso, com muita justiça, a lei passou a ser conhecida como Lei Berenice Piana, que estabelece o Transtorno do Espectro Autista (TEA) como deficiência e amplia os direitos das pessoas com TEA. Berenice continua sua luta pela causa autista em duas frentes: uma, dedicada à educação de crianças; outra, à inclusão de adultos no mercado de trabalho.
Na primeira frente, foi criada a primeira Clinica-Escola do Autista do Brasil, em Itaboraí, atendendo gratuitamente 200 crianças. De fato, um exemplo a se replicar. Já na segunda, há a lei que garante direitos de inclusão de Pessoas com Deficiência em todas as empresas, mas o seu cumprimento ainda está longe de ser uma realidade. Mesmo quando alguém com TEA consegue uma colocação em uma empresa, o ambiente é pouco ou nada acolhedor. Mas há exceções.
Um ótimo exemplo é a Gabrielle Ramos.
Depois de ser recusada em algumas entrevistas, claramente por ter autismo, ela encontrou uma empresa onde é acolhida e tem suas necessidades compreendidas e respeitadas. Por exemplo, um dia antes de voltar de férias, foi contatada pelo RH, que teve o cuidado de passar para ela todas as mudanças que haviam acontecido enquanto estava fora, incluindo a apresentação de um novo funcionário. Para um autista, mudanças podem ter impactos enormes, daí o RH da empresa ter dado toda essa atenção para a volta de Gabrielle das férias.
Estímulos também podem ser perturbadores, como luzes muito fortes ou conversas muito altas. O caminho de Gabrielle não foi fácil desde o começo, porque, como a maioria, a empresa não estava preparada para ter uma funcionária autista. Gabrielle chegou a pedir demissão cinco vezes em um mês, sendo sempre dissuadida pelo RH, que buscava descobrir o motivo do pedido e fazia as correções necessárias para adaptar o ambiente às necessidades dela. Ela chegou a fazer uma postagem no LinkedIn, falando sobre atenção que recebeu, quando teve uma crise:
“Lembro de “voltar” aos poucos e, sentado no chão, na minha frente, estava um dos donos da empresa. (…) O diretor da empresa parou o que estava fazendo para ficar sentado no chão por alguns minutos, para acalmar uma funcionária autista.”
A postagem teve uma repercussão enorme, gerando várias matérias com Gabrielle e lançando-a como influenciadora. Ela já tem 14 mil seguidores no Instagram e eu tive a oportunidade de conversar com ela, na nossa série Conversas Inspiradoras, onde Gabrielle deixa um recado para empresas que têm a Inclusão como uma meta real a se adotar:
“…se quiser ver na prática como é, como funciona, ela (a empresa) pode procurar pessoas com deficiência. É importante buscar informações diretamente com as pessoas com deficiência, porque a gente tem muito a falar.”
Dois de abril é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo.
Uma data que visa ajudar a tornar toda a população mais esclarecida sobre a questão, mas o mês inteiro denominado Abril Azul dedicado a tornar menos árdua a caminhada de 70 milhões de pessoas em todo o mundo, entre elas, Dayan, Gabrielle e meu neto, Vitor.
Em 2017, Berenice Piana recebeu o título de Embaixadora da Paz pela Organização das Nações Unidas (ONU) e União Europeia. O recado que dá para outras mães é que não se isolem e que “nunca desistam de seus filhos”, e podemos acrescentar: nem de seus funcionários.
Em 2021, Gabrielle, mudou novamente de empresa e hoje é analista de ciência de dados no Banco Itaú.
Berenice Piana é uma militante brasileira, coautora da lei 12.764, sancionada em 28 de dezembro de 2012, que leva seu nome: a Lei Berenice Piana, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtornos do Espectro Autista. Esta lei reconhece o autismo como uma deficiência, estendendo aos autistas, para efeitos legais, todos os direitos previstos para pessoas com algum tipo de deficiência. Berenice é mãe de três filhos, sendo o caçula autista, o que lhe motivou à luta em defesa das pessoas com esse transtorno. Por conta disso, ela idealizou a primeira clínica Escola do Autista do Brasil, implantada em Itaboraí, no Rio de Janeiro, em abril de 2014, além de participar da criação de leis em defesa do autista em vários municípios e estados brasileiros.
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Até o próximo artigo!
Marco Ornellas
https://www.ornellas.com.br/
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