Por que o excesso de paternalismo pode prejudicar a resolução de conflitos?
O excesso de controle estatal pode impedir as partes em um conflito decidirem de forma voluntária os seus conflitos. Não permitir ao cidadão encontrar a solução para aquilo que gerou um embate é negar a capacidade de cada um sobre suas responsabilidades. E, essa decisão individual não pode ser obrigatória, eis que se o indivíduo opta pela decisão de um terceiro, ou seja o juiz, ele está também fazendo sua escolha.
Essa incapacidade justificada pelo Estado “Pai” remonta desde que o homem passou a acreditar que só o “Pai” era o verdadeiro conhecedor da “Verdade” subjetiva. O “Pai” como ser superior não era aquele que compreendia e respeitava a verdade de cada um. Mas o único capaz de resolver e punir qualquer problema, e impor a penalidade.
A incapacidade, incompetência ou inaptidão, justificadas pelo paternalismo como motivo para o contínuo exercício do seu poder vagueia em definições, que se a primeira vista parecem concretas, deixam uma grande interrogação quanto a sua avaliação.
Se considerarmos como incompetente aquele que não avalia suficientemente os riscos da atividade que pratica (o que dizer de um corredor de fórmula um, ou da função de um bombeiro), ou aquele que é incapaz de salvaguardar bens valiosos (o conceito de valioso pode ser subjetivo), também aquele que não avalia de forma adequada o que melhor convém aos seus interesses (a avaliação do interesse também passa pela subjetividade, aquilo que me interessa, pode significar nada para o outro).
No entanto, as medidas paternalistas encontram sua legitimidade na qualificação do indivíduo, como incompetente para decidir segundo seus próprios critérios em determinadas situações de conflito.
Temos como exemplo a guarda do filho, onde a ideia preconcebida sobre a capacidade ou competência de um dos pais para educar o filho leva ao julgamento preconceituoso. Isso porque impede o julgador de conhecer os acontecimentos subjetivos, que ocasionaram o fato. E de acordo com Morin:
“Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega, inconsciente e irresponsável” (2005:15). Morin ainda explica que o “conhecimento pertinente é o capaz de situar qualquer informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está inscrito”. (2005:15)
Desses dois ditos, concluímos que não basta o cidadão decidir sobre o seu conflito. É necessário que assim como estes, aqueles que se julgam capazes de qualificar os indivíduos, também devem refletir sobre o seu real conhecimento dos fatos a ser julgar dentro do contexto.
A capacidade para tomar certas decisões é vista como atributo do indivíduo, porém não faz referência direta à inteligência do indivíduo como algo que o torna capaz ou incapaz de agir. Os indivíduos de maior QI não são necessariamente aqueles que realizam melhor determinadas tarefas. Deparar com motivos outros, que não são aqueles tratados diariamente faz com que as pessoas se sintam incompetentes diante do inesperado, e a busca pela tutela do Estado se torna prioridade, face ao medo do desconhecido.
Reconhecer o próprio protagonismo é um problema de foro íntimo e enseja um período de tempo para que os cidadãos se acostumem a ser os “atores” principais. Também reconhecer compreendendo o outro, resvala no que diz Morin (1921:91) sobre a compreensão que assusta, eis que significa desculpar, e a desculpa tem uma conotação de fraqueza e abdicação. Decorrentes disso, as medidas paternalistas suprem essa necessidade frente às dificuldades na tomada de decisões não cotidianas para a resolução dos conflitos.
As medidas paternalistas intervencionistas são adotadas para impor a norma legal ao indivíduo descumpridor de regra. E fixada de acordo com o caso em questão, na medida da compulsão interna ou externa que ocasionou seu comportamento.
A compulsão causadora do dano subjetivo a alguém é frequentemente inexequível, pois só pode se valorar por quem a sofreu. E na maioria das vezes sua valoração não se traduz em números, enquanto que a causa do dano objetivo pode se aferir num valor determinado.
A imposição paternalista sofrida pelas partes e imposta pelos detentores do conhecimento jurídico é incompreensível, para aqueles que reconhecem que poderão optar por uma alternativa pessoal de solução, onde o reconhecimento do dano subjetivo sofrido por ambos se reverterá numa solução tão legal quanto a fixada pelo Estado. A imposição legal em certos casos, “transforma” aqueles que buscam o bem das partes, sem contar com esses. E, como alerta Morin:
“O bem singular de nossos próximos é certamente concreto, mas podemos, mesmo assim, nos enganar sobre seus verdadeiros interesses” (MORIN;2002: 103).
Essa singularidade se traduz na vontade soberana de cada indivíduo, que é fonte da ordem moral. Em princípio supõe-se que o ser humano é livre para dispor de suas necessidades configuradas no litígio. De acordo com o seu querer e a anuência do outro envolvido, sem que dependam de terceiro para a solução do impasse. Ou que o terceiro seja tão somente um auxiliar no deslinde da questão.
O respeito à autonomia das partes implica num intercâmbio de informações entre os envolvidos, que levam ao reconhecimento recíproco.
Por outro lado, as medidas paternalistas são justificáveis para as populações. Porque a proteção inserida na norma os aquece moralmente tanto quanto o seio do lar. As ações vigiadas são de certa forma o que os isenta de culpa caso não ajam de acordo com a regra legal. Uma vez que a imposição paternalista é a determinadora do comportamento, propiciando-lhes o direito à crítica pelo resultado.
Portanto, considero que a importância da mediação de conflitos passa pela compreensão daqueles que a utilizam, como uma maneira responsável de tratar aquilo que causou o litígio.
Gostou do artigo? Quer saber mais por que o excesso de paternalismo pode prejudicar a resolução de conflitos? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em orientar.
Luísa Santo
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FONTES: MORIN, Edgar. A Cabeça Bem Feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. Meus Demônios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002 e Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo.
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