Consumo Consciente Por que consumir é um Ato Político?
Você já assistiu ao filme A Pequena Loja dos Horrores, lançado em 1986? O filme pode ser entendido como uma metáfora de um capitalismo nada consciente. Em uma floricultura muito modesta, os negócios vão muito mal até que aparece uma planta que vira a atração da loja. E que transforma o lugar em um sucesso, com filas na porta. O único detalhe, mantido em segredo, é que a planta é carnívora e se alimenta de seres humanos. Parece estranho, né?
Mas vamos lá!
Consumir sempre é um ato político. O que varia, é a consciência com que essa ação é realizada. Toda compra é um endosso – consciente ou não – para uma marca, um produtor ou uma rede que a comercializa.
Quando você compra uma lata de refrigerante, está contribuindo para a demanda desse produto e, consequentemente, para o sucesso financeiro de uma indústria que tem, como carro-chefe, um líquido que pode viciar, causar hipertensão, fazer mal aos dentes, ter algum elo com o câncer e aumentar a gordura em circulação.
Mas sempre fica mais difícil fazer uma escolha consciente quando o dia está quente e você está acostumado, desde a infância, com um produto que você acredita que vai só matar a sua sede e dar uma sensação agradável. Lembra um pouco o cigarro, como apontam todos os especialistas em saúde, que dizem que em pouco tempo, vamos olhar para os refrigerantes como olhamos hoje para produtos como tabaco e nicotina.
Mas com tudo com o que sabemos hoje sobre os seus efeitos, o consumo de cigarros continua. Ainda que mais conscientemente do que no passado, quando recomendados até por médicos. A Marlboro, como marca, vale mais de 34 bilhões de dólares e, no mundo todo, mais de 5 trilhões de cigarros são consumidos por ano. Esses números vêm caindo, ok, mas os de cigarros eletrônicos estão crescendo.
Tanto refrigerantes quanto cigarros são péssimos não apenas para a saúde, mas também para a economia. O impacto dos males que causam é muito maior que os benefícios que podem trazer, através de geração de empregos e de impostos.
Mas para isso ficar claro, é preciso estudos sérios e, principalmente, a atenção da parte mais interessada, os consumidores, o que não acontece. Em defesa deles – de nós mesmos – podemos dizer que a roda do consumo gira rápido, muito rápido mesmo, para nos deixar cada vez mais longe da consciência.
Agimos no automático, pegando as embalagens nas gôndolas e colocando nos carrinhos, sem ler rótulos, sem questionar os produtos, sem levar em conta o que está por trás das marcas. Fugir daquela roda e fazer tudo isso dá trabalho e pode te transformar em um chato, sempre questionando tudo. Ou, em outras palavras, em um consumidor consciente.
Em outro filme, Mensagem para Você, uma pequena livraria de rua que está correndo o risco de fechar as portas por conta da concorrência com uma megalivraria, que ameaça roubar seus clientes.
O filme é de 1999, quando essa situação era uma realidade. Isso piorou muito com a chegada da Amazon, vendendo livros por preços mais baixos e uma facilidade de entrega enorme. Curiosamente, ela também se tornou a ruína das megalivrarias, como Saraiva e Cultura, ainda que se possa colocar a culpa também na má gestão.
Na contramão disso, um fenômeno vem acontecendo aqui em São Paulo: a volta das pequenas livrarias de rua. Elas se tornam também pequenos centros culturais, realizando lançamentos de livros de pequenas editoras. E funcionam como pontos de encontro, geralmente com a presença de um pequeno café.
Quem opta por ir a uma dessas livrarias e fazer uma compra, ao invés de fazer um pedido online, está se posicionando politicamente. A pessoa até pode estar sendo atraída pela presença de um autor ou por um bate-papo com café, mas certamente, sabe o que está fazendo. Isso porque conscientemente está provavelmente pagando mais caro e abrindo mão de um certo conforto para realizar aquele consumo.
Aliás, esse é outro problema do consumo consciente: você geralmente paga mais caro por ele. Uma vez que uma loja pequena não tem o mesmo poder de negociação que uma Amazon.
Deveria ter, mas não é como as coisas funcionam na nossa sociedade, a gente sabe disso. Por isso, essas pequenas livrarias tentam trazer itens que possam ser vistos como valor agregado, como o contato presencial, se contrapondo à frieza e impessoalidade de uma loja online. Seus consumidores sabem que, para manter aquele negócio funcionando, precisam consumir nele, precisam estar presentes.
Comprar ali passa a ter um significado maior do que apenas adquirir um produto. É um patrocínio, um endosso, só que dessa vez, algo muito consciente. É diferente de quando se compra um Marlboro. Uma situação em que você está ajudando a manter aquela indústria de pé, mas talvez não encare dessa forma. Isso porque você não vê a sua própria importância para aquela empresa, que parece tão grande que não precisa de você. Ainda que, na realidade, precise.
Um caso parecido com a extinção das pequenas livrarias vem acontecendo com a chegada da rede OXXO ao Brasil. Seus supermercados têm brotado em esquinas, contando com 325 unidades e prometendo abrir outras 210 até o fim do ano.
A rede pertence à FEMSA, uma empresa mexicana que é responsável pelo engarrafamento de produtos da Coca-Cola no mundo todo. Pertencer também à Raízen, que é dona dos postos Shell no Brasil. Ou seja, aquela que se pronuncia “ô-qui-sô” tem um poder de fogo enorme para negociar preços e acabar com pequenos mercados de bairro, o que já acontece no México e começa a acontecer por aqui.
E por que isso é um problema?
Como indicou João Paulo Pacífico em seu artigo sobre o tema, quando você faz compras em uma das lojas do grupo, “parte do lucro vai para fora do país e parte para um grupo bilionário.” E, enquanto isso, mercadinhos, padarias e outros comércios locais vão fechando as portas. Com isso, o dinheiro deixa de ter uma maior circulação, indo para empresas que já concentram bilhões com a venda de produtos que fazem mal para a saúde e para o clima.
Sempre podemos fazer escolhas na hora de consumir, levando tudo isso em conta. E é muita coisa para levar em conta, quando começamos a pensar em tudo o que consumimos.
Nunca é demais dizer que esse processo pode ser chato, trabalhoso e pode ser até mais caro. Mas também é uma forma de caminharmos para uma sociedade melhor, uma cultura de consumo mais consciente, um planeta e uma sociedade melhor. Esse, aliás, deveria ser o maior valor para nos guiar.
Gostou do artigo? Quer conversar mais sobre o consumo como um ato político e o consumo consciente? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em conversar a respeito.
Até o próximo artigo!
Marco Ornellas
https://www.ornellas.com.br/
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