Saúde Mental: O que dá para fazer de diferente?
O mundo corporativo é doido para criar novos jargões, enquanto outros vão caindo em desuso com o tempo. Inúmeros clichês são praticados e falados, deixando de cumprir sua função inicial e todo esse cenário vai deixando um rastro de falta de transparência e verdade nos ambientes organizacionais.
Quantas vezes pedimos para que algum funcionário “seja a sua melhor versão, pensando fora da caixa para encontrar soluções disruptivas“? Ou então, que sejam mais proativos, tenham senso de dono e toda essa baboseira do linguajar empresarial que estamos acostumados a ouvir?
É verdade que novos jargões surgem buscando dar conta de novas situações ou, simplesmente, de colocar outras mais antigas em novas roupagens. Palavras como “absenteísmo” ou “presenteísmo” podem ganhar destaque em breve.
Isso porque uma nova lei, aprovada neste começo de ano, já está em vigor, a Lei 14.831, que criou o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental. Isso mesmo, você leu corretamente.
Segundo a Agência Senado:
“Trata-se de uma honraria a ser dada pelo governo federal a empresas que adotem critérios de promoção da saúde mental e do bem-estar de seus colaboradores.”
É muito interessante como uma questão colocada por um órgão governamental deixa claro como ela é vista: algo que deveria ser uma obrigação, a essência e razão de ser de uma organização – cuidar de todos os stakeholders e principalmente da saúde de seus colaboradores – ganha caráter de exceção, fazendo com que uma empresa ganhe uma “honraria” pela prática de criar um ambiente organizacional mais humano.
Claro que temos que reconhecer que todo incentivo é muito bem-vindo no campo da saúde mental. Olhem isso: dados recentes mostram que em um país como a Holanda, 58% dos casos de afastamento do trabalho se relacionam à questão de saúde mental.
Quando se olha os dados disponíveis no que se refere ao mundo, o quadro fica ainda pior: uma estimativa do Fórum Econômico Mundial projeta que, entre 2010 e 2030, as perdas globais causadas por transtornos mentais, neurológicos e por uso de substâncias, chegarão a incríveis 16 trilhões de dólares. Sim, trilhões.
O Brasil contribui com a sua cota para esses números, onde pesquisas apontam que perdemos 78 bilhões de dólares com a queda de produtividade relacionada a casos de saúde mental.
Existem muitos outros dados, todos alarmantes e todos disponíveis em qualquer pesquisa rápida na internet. Com toda essa questão evidenciada e com a comprovação de imensos prejuízos, faz sentido pensarmos, criarmos e promulgarmos uma lei para incentivar as empresas a tratar seriamente a questão.
Pode ser bizarro quando se olha assim, mas uma matéria da semana passada no site da revista Piauí, chamada Começa no banheiro, termina na justiça, trouxe várias denúncias de empresas que limitam as idas ao banheiro de colaboradores, inclusive grávidas, gerando danos físicos e morais. E, consequentemente, processos.
Alguns relatos:
“Os desafios de Bruna durante a gravidez iam além das suas atribuições de operadora de telemarketing: ela tinha de se deslocar com barrigão e pés inchados até o banheiro e usar o espaço em até cinco minutos, cronometrados no relógio. Raíssa, atendente de uma rede varejista de roupas, não conseguiu se segurar e molhou as calças enquanto trabalhava porque não foi autorizada a ir ao lavabo. Janaína, atendente de uma empresa de telefonia, usava fraldas para não molhar a cadeira, diante do controle da chefia para uso do espaço. Um ferroviário recorria a sacos ou garrafas por falta de latrinas nos vagões. José Luiz, trabalhador da construção, preferia ir ao ‘mato’ a usar a tenda sanitária oferecida no canteiro de obras, ‘um buraco no chão que fedia e juntava insetos’”.
Enquanto discussões cotidianas passam por temas como boas práticas de ESG, Qualidade de Vida no Trabalho e se estamos ou não na lista das melhores empresas para se trabalhar, o dia-a-dia real de algumas empresas dão uma boa amostra da mesquinharia corporativa, ou como diz minha amiga Vania Ferrari: bizarro mundinho corporativo, que acabam por ser coroadas com uma série de condenações na Justiça.
Depois de ler esses relatos e pensar na saúde mental, o caminho parece ser mais longo e os resultados que queremos ainda mais inalcançáveis. Por isso, voltamos a pergunta: o que fazer de diferente? O que fazer para melhorar essa situação?
O novo jargão para velhos problemas já está criado. Absenteísmo, aquele temido afastamento do trabalho por doença, é um problema conhecido por empresas de todos os portes. Mas existe outro vilão da produtividade, menos falado, porém com consequências igualmente sérias: o presenteísmo.
Presenteísmo descreve a situação em que o funcionário está fisicamente presente no trabalho, mas mentalmente e emocionalmente ausente. Devido a questões como estresse, ansiedade ou depressão, ele não consegue ter foco, desempenhando suas tarefas com baixa qualidade e produtividade reduzida.
Nesse momento em que o trabalho híbrido é repensado, algumas organizações buscam atrair colaboradores de volta ao escritório. Para isso usam recompensas e benefícios como comida gratuita, concertos e aulas de ioga. Outras, mais radicais, vinculam a presença física às avaliações de desempenho. Mas será que tais medidas garantem a presença integral dos colaboradores, com “corpo e alma”, como se costuma dizer?
Talvez ainda não seja possível medir quanto se perde em produtividade com o presenteísmo, sem contar que ele pode ser um sintoma de uma cultura com problemas imensos. Afinal, estar apenas de corpo presente em um escritório, é porque não se trata de um grande lugar para se trabalhar. Ainda que certificações que existem no mercado possam dizer o contrário.
O investimento na saúde mental de funcionários não é apenas um ato humanitário, que precisa receber “honrarias” quando realizado, mas também uma decisão e uma escolha estratégica e de alinhamento de cultura para as empresas.
Promover um ambiente de trabalho saudável, em um sistema em que ainda se pauta por metas, é um desafio. Pede mudanças grandes, enormes. Se forem bem-sucedidas, ganham trabalhadores, ganha a sociedade e ganham as empresas. Parece algo óbvio a se fazer, mas ainda estamos longe disso e nos movendo muito lentamente para alcançar esse cenário. Por isso, vamos nos perguntar sempre: o que dá para fazer de diferente?
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Quer saber mais sobre a importância da saúde mental e como promover um ambiente de trabalho saudável e seguro? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em conversar a respeito.
Marco Ornellas
https://www.ornellas.com.br/
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