Burnon, Quiet Vacation, Quiet Quitting, Quiet Ambition… Afinal, o que está acontecendo?
As palavras acima são apenas algumas das novas expressões que têm aparecido para tentar retratar estados de ânimo e atitudes que têm sido tomadas no trabalho. Depressão, ansiedade, síndrome do pânico, burnout já não dão conta da realidade de um mundo complexo, em constante mudança. A pandemia de Covid-19 apenas acelerou o processo.
Historicamente o vocabulário da humanidade aumentou gradativamente ao longo dos séculos, à medida que surgiam novas necessidades, conceitos e invenções. Da mesma forma que palavras estrangeiras foram sendo incorporadas com o contato entre culturas e línguas diferentes, enriquecendo a comunicação. Natural, por suposto.
Os avanços tecnológicos e a globalização, o uso de tecnologias digitais e da Internet, intensificaram a troca cultural e linguística, criando palavras para descrever novas realidades – como é o caso de home office, fake news, por exemplo. Isso aconteceu, e segue acontecendo, em todas as áreas de conhecimento: reflexo da complexidade e da dinâmica crescente da sociedade contemporânea que apenas mostra como a linguagem molda a cultura e a sociedade, e é moldada por ela.
O que causa um certo assombro, no entanto, é a falta de palavras para definir nossos estados internos, até então desconhecidos.
Palavras do século XX já não atendem à nossa necessidade de comunicar o que está acontecendo conosco, a perplexidade que nos assombra, nossas emoções e sentimentos. Não é novidade que fomos – e continuamos a ser – afetados pelos eventos extremos que vivemos.
Situações similares existiram, sim, em toda a história. Mas a Pandemia de Covid19 foi a primeira a ultrapassar todas as fronteiras e alcançar o planeta todo. Não há, na história conhecida, nada parecido. E há os sinais de uma crise climática nos deixando alertas.
Mas o que significam essas expressões?
Antes de tudo, vamos tentar entender algumas expressões novas. Algumas, porque não daremos conta de tudo que surge a cada dia.
Burnout, ou Síndrome do Esgotamento Profissional, você conhece: é a exaustão extrema e o esgotamento que resultam do excesso de trabalho, de situações que exigem responsabilidade e competitividade além da conta. Literalmente, é como se a pessoa entrasse em combustão.
Mas e Burnon?
Ao invés de out (fora) – on (dentro). Criado pelos alemães Timo Schiele, psiquiatra, e Bert Wild, psicoterapeuta, em 2021, seria um estado constante de fadiga e sofrimento, mas sem entrar em combustão – ou sem colapsar. Geralmente as pessoas continuam produtivas e idealizam o trabalho, negando os problemas. O que, a médio-longo prazo, pode trazer consequências negativas para a saúde física e mental.
Já Quiet Vacation ou Hush-cations, necessariamente não seriam má ideia se não envolvessem atitudes que refletem um imenso mal-estar.
Em princípio seria a liberdade de trabalhar de qualquer lugar, remotamente, como se estivesse de férias…
…o que muita gente fez na pandemia, viajando. Ou buscando um lugar silencioso onde seja possível relaxar a qualquer hora. O que há por trás, no entanto, é a decisão de “se dar folga” sem o conhecimento da empresa.
Pesquisa da The Harris Poll mostra que 37% dos trabalhadores, nos USA, tiram pausas aleatórias e, se a empresa tem um grau maior de vigilância, chegam a usar programas para teclar ou mexer o mouse mostrando que estão online.
Quiet Quitting começou durante a Pandemia de Covid-19. Traduzido como demissão silenciosa, vai um pouco além, pois nem sempre leva à saída voluntária, mas a trabalhar apenas o necessário: não há engajamento e o limite é não fazer mais do que é esperado.
Este pode ser um aspecto bastante positivo ao estabelecer os limites entre o trabalho e a vida pessoal para evitar sobrecarga.
Mas o que provoca o movimento são sentimentos bastante acentuados de angústia com a falta de reconhecimento, busca de algum propósito no trabalho, insatisfação com o ambiente.
Quiet Quitting pode levar à demissão voluntária, sim, e está relacionado a uma outra tendência que tem preocupado as empresas: o Great Resignation, ou grande renúncia, onde as pessoas deixam seus empregos voluntariamente, em grande volume ou grupos.
Finalmente, o intrigante movimento do Quiet Ambition, que leva os profissionais a recusarem cargos de gestão, liderança e maiores responsabilidades para terem mais qualidade de vida vivendo com menos pressão – o que muda profundamente a relação com o trabalho como a conhecemos. Trata-se, afinal, de uma questão de propósito.
Hiperprodutividade e Autoexploração
Estamos chegando no limite?
Já disse Nietzsche que “sendo novos, sem nome e, difíceis de entender, nós, filhos prematuros de um futuro ainda não provado, precisamos de uma nova meta e também de um novo meio”. Não dá para negar que pensar uma nova meta e um novo meio talvez nos leve a um caminho diferente do que estamos trilhando. Principalmente nas relações com o trabalho.
Nunca me canso de citar Domenico De Masi como referência nesse assunto, mas como ignorar seus estudos de anos sobre o tema? Um assunto, aliás, que me incomoda muito, porque passamos quase dois terços de nosso tempo fazendo isso. Ou pensando nisso.
“O trabalho deve ser um meio para a realização pessoal e coletiva, e não um fim em si mesmo. Precisamos repensar nossas prioridades e valorizar o tempo livre.” (Masi)
Trabalhar há anos com desenvolvimento profissional e pessoal nos coloca na posição privilegiada de observadores – a desvantagem é que podemos educar e influenciar, mas não mudar o status quo. E o que temos visto reflete bem o pensamento do filósofo sul coreano Byung-Chul Han, autor de muitos livros, os mais conhecidos, Sociedade do Cansaço e Sociedade Paliativa.
Quando li o primeiro, por volta de 2012, meu olhar não alcançava 12 anos à frente. Han desafia a crença de que um potencial ilimitado somado à mais liberdade, levam a uma vida melhor: podem, sim, levar ao esgotamento psíquico e tipos diferentes de opressão.
“Cada um é senhor e escravo de si mesmo, e é ao mesmo tempo vítima e algoz.” (Han)
Como assim?
Pois é! Para ele, a pressão constante da sociedade contemporânea por produtividade e desempenho nos leva a ver a falha como culpa e não consequência de um sistema que exaure. O “eu”, diz ele, torna-se um projeto contínuo de autoaperfeiçoamento – é imperativo “poder e ser capaz de fazer tudo”.
É preciso ser o mais inteligente, o mais produtivo, culto, bonito, magro, engraçado, rico, popular nas redes, bom esportista… o mais, mais… O que leva ao que ele chama de hiperprodutividade e auto exploração.
Como diz Han:
“Na corrida incessante por mais desempenho e mais resultados, perdemos o sentido da nossa própria existência. A verdadeira felicidade não pode ser encontrada na aceleração constante, mas na capacidade de parar e refletir.”
É só parar e pensar: quantos cursos você faz por mês? Quantos assuntos se obriga a aprender para não ficar para trás? Quanto lê? Quanto entra nas redes? E os amigos? Os esportes? Compromissos? Etecetera, etecetera……
E seus momentos de silêncio e introspecção?
“Estamos todos exaustos, mas não sabemos realmente do quê. O cansaço que experimentamos não é mais o cansaço do corpo, mas um cansaço da alma.” (Han)
Será esse o fenômeno que está nos levando a não encontrar palavras para explicar o que sentimos? Expressar o que queremos? Preferimos fazer as coisas no modo “Quiet”? É o nosso vocabulário ou a nossa vontade que está vazia? Ou talvez estejamos apenas em busca de significados por sermos “filhos prematuros de um futuro ainda não provado” que nos assusta mas não nos deixa sequer indignados. Just quiet.
Como afirma Han, a sociedade do cansaço é caracterizada por uma hiperatividade que não nos leva a lugar nenhum. Estamos sempre ocupados, mas sem um propósito verdadeiro. Considerando que o livro é de 2010, parece mais uma previsão.
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Isabel C Franchon
https://www.q3agencia.com.br
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