Vivam as Bruxas: A Contínua Luta das Mulheres por Autonomia e Liberdade ao Longo da História
Parece que os brasileiros realmente adoram a cultura norte-americana do Halloween. Como acontece com muitas festividades, muita gente não sabe exatamente a origem e o porquê dessas celebrações.
Há os que se fantasiam, decoram suas casas, fazem festas, entram no clima. Há os que abominam por motivos religiosos e acreditam que o Halloween é uma manifestação satânica e do “mal”.
Embora o Halloween tenha tido muita força nos EUA, a festa é comemorada em vários países e tem origens pagãs e raízes na festa celta de Samhain.
Ao contrário do que muitos imaginam, o fato das pessoas se fantasiarem e colocarem imagens de caveiras, fantasmas, bruxas, máscaras … tem a ver com proteção contra espíritos malignos, celebração da morte e do além.
Uma festa semelhante é o Día de Los Muertos, no México, realizada nos dias 1º e 2 de novembro para honrar a vida dos ancestrais. Essa celebração, muito tradicional no México, regada a comidas, bebidas e músicas, utiliza figuras de caveiras e esqueletos para simbolizar a transitoriedade da vida.
No Brasil, o Dia de Finados, em 2 de novembro, tem origem na tradição católica, que celebra o Dia de Todos os Fiéis Defuntos. A data, influenciada pela cultura portuguesa e pela religião católica, é um dia para homenagear e lembrar dos entes queridos que partiram.
As cerimônias são muito mais reservadas. Elas se resumem a visitas aos cemitérios, onde parentes e amigos levam velas e flores até os túmulos de entes queridos que já partiram. Ao contrário do Halloween e do Día de Los Muertos, no Dia de Finados as pessoas ficam mais tristes e reclusas. Em geral, elas se reúnem com alguns poucos amigos e familiares para, por exemplo, um almoço, sem músicas altas ou alegres.
E as bruxas? Por que se tornaram também símbolos do Halloween?
Além de ser uma figura que está no imaginário coletivo e de ser inspiração para as fantasias, a história das bruxas é igualmente pouco conhecida e mal interpretada quando o viés passa a ser religioso e não cultural.
Nesse sentido, essa é a oportunidade de viajarmos no tempo e conhecermos a verdadeira jornada das bruxas desde as antigas civilizações.
Na antiguidade, as bruxas eram as curadoras e sacerdotisas na Grécia Antiga e em Roma. Por outro lado, nas culturas africanas e ameríndias, elas eram vistas como divindades femininas associadas à magia, poder, cura, adivinhações… eram líderes espirituais.
Na Idade Média, com imenso poder em vários países, a igreja Católica inicia então uma perseguição a essas mulheres no que veio a ser a Inquisição e a caça às bruxas. Um longo e dos mais sombrios períodos da história da humanidade entre os séculos XII e XVIII que realizava julgamentos secretos sem direito a defesa, torturava e matava, principalmente mulheres solteiras e idosas, inclusive queimando-as vivas em praça pública.
Já durante o Renascimento e Iluminismo, a partir do século XIV até o XVIII, a Inquisição vai perdendo força. A razão baseada em ciência começa então a ganhar adeptos e figuras importantes, como Heinrich Cornelius Agrippa, autor de De Occulta Philosophia, Paracelso, com De Natura Rerum, Balthasar Bekker, com O Mundo Encantado, e Voltaire, com Dicionário Filosófico.
Seus livros e argumentos são fundamentais na percepção do que seria bruxaria, no questionamento da autoridade eclesiástica, nas duras críticas à Inquisição, na mudança de compreensão daquilo que seria maligno para algo entendido como natural e no papel da mulher na sociedade.
Nos dias de hoje, embora haja uma percepção bem mais ampla sobre magia e espiritualidade, o desafio passa a ser a manutenção do estado laico que garanta o respeito a todas as manifestações culturais e religiosas.
No mesmo dia, 31 de outubro de 2024, quando muitos comemoram o Halloween e o dia das Bruxas, leio a devastadora notícia de que o Talibã proíbe as mulheres afegãs de estudarem além do primeiro grau, de trabalharem fora de casa, de saírem à rua sem ter o corpo e o rosto inteiramente encobertos pela burca, além de acompanhadas … agora, as proíbem de falarem.
É isso mesmo. As mulheres afegãs estão proibidas de terem suas vozes ouvidas por outras mulheres. Elas estão proibidas até de fazerem suas orações em voz alta e parteiras proibidas de falarem.
A história das bruxas é uma jornada complexa e multifacetada. Ela reflete as mudanças culturais e sociais ao longo do tempo. É fundamental que compreendamos o papel importante das mulheres. Muitas consideradas “bruxas” por questionarem o status quo, por lutarem pela sua independência, autonomia e liberdade. E por não se curvarem aos preconceitos, por defenderem suas próprias ideias e convicções.
Mulheres “bruxas” que têm a magia de curar o mundo dos males causados por aqueles que pregam a intolerância, que negam a ciência, que espalham mentiras, que ameaçam a democracia, que desrespeitam o estado laico e de direto.
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Quer conversar mais sobre a relação entre a perseguição histórica às bruxas e a contínua luta das mulheres por autonomia e liberdade? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em responder.
Cris Ferreira
https://soucrisferreira.com.br/
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Fontes adicionais: • "A História das Bruxas" de Brian Levack • "O Livro das Sombras" de Gerald Gardner • "A Bruxaria: Uma História" de Ronald Hutton
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