“Brasil, qual é o teu negócio?”
(Cazuza)
A cena é velha conhecida de todos nós. O semáforo fecha, os carros param e uma pessoa, jovem ou idosa, circula pelo corredor formado por entre os veículos depositando objetos de toda ordem sobre o espelho retrovisor: balas, canetas, flanelas, adesivos. Enfim, qualquer coisa que possa receber o valor de um ou dois reais estampado num pedaço de papel xerocopiado com mensagens como “estou desempregado”, “garantir o sustento de minha família” e “Deus lhe abençoe”.
Dia destes flagrei-me conversando com meu lado mais cartesiano, aquele que sublima a matemática existente por trás das notas musicais e da geometria das construções. Os números, quando não manipulados, mentem jamais. O cálculo dispensou uso de máquina: observei um garoto percorrer dez veículos. Considerando-se uma extensão média de dois metros e meio por automóvel (seu comprimento acrescido da distância mantida para o carro seguinte), temos um total percorrido em torno de 25 metros. Porém, o jovem caminhava, a cada semáforo fechado, quatro vezes esta distância para distribuir, retornar, recolher e reposicionar-se no ponto de partida. Ou seja, cem metros por semáforo fechado. Tomando-se um intervalo de dois minutos entre paradas, o trajeto era cumprido trinta vezes em uma hora. Fazendo-o por seis horas ao longo do dia, temos a surpreendente marca de 18 quilômetros diários. Uma meia maratona!
Sem preciosismos, podemos julgar o garoto do exemplo acima muito lépido e arguir que, na verdade, o total percorrido seria metade do exposto. Continuamos com nove quilômetros diários, sob sol e chuva, descaso e arrogância, medo e intolerância.
Este é um exemplo cristalino da economia informal que toma conta deste país. Há toda uma indústria paralela por trás desta mendicância: do fornecedor de balas, canetas, flanelas e adesivos, ao fornecedor do papel xerografado e da embalagem plástica que compõe o tal kit.
É evidente que sempre haverá quem alegue que tais pessoas gostam de exercer esta “profissão”, que na verdade não querem procurar um “emprego” legítimo. Ainda que isso seja um fato, em meu entender não generalizado, a resposta a asserções deste gênero fica estampada em eventos como um concurso público realizado tempos atrás no Rio para seleção de 1.400 garis, que atraiu 110 mil inscritos, entre eles 22 mestres e 45 doutores, para auferir uma remuneração da ordem de dois salários mínimos.
Diante deste quadro, pode parecer contestação filosófica ou bravata pseudointelectual, mas não há como deixar de se questionar: Que diabos de país nós estamos construindo?
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