Acho que hoje “o bicho vai pegar”, como se diz na gíria. E para o leitor entender bem esta minha postagem, eu preciso fazer pequena introdução. Sempre que viajo, procuro reservar algum tempo para encontrar amigos sem uma agenda especificamente profissional, mas pelo contrário, quanto mais a conversa ficar só nas amenidades que reforçam os elos cristalizados pelo tempo, tanto melhor. E foi isso que me aconteceu na semana passada.
Em São Paulo, estabeleci uma agenda com várias pessoas, misturando interesses profissionais e pessoais. Um dos momentos especiais foi reservado a um amigo com quem eu não tinha contato há anos, ele um dos mais respeitados executivos em Marketing do Brasil, hoje próspero investidor em pequenas empresas. Em meio às nossas conversas, surgiu a questão do Coaching e, com a naturalidade típica de quem já tem cabelos brancos e não se preocupa com a opinião alheia, ele confirmou que é cliente antigo do processo, mas tem experiência muito negativa com o Coaching.
Experiência essa que foi tão negativa, que até apelidou de “lado perverso do Coaching”. Claro que por conta dessa experiência ele não invalida o processo como um todo, e continua sendo um Coachee, porém o problema lhe pareceu crítico. Resumiu dizendo que o Coaching aplicado a uma pessoa que não tem caráter, é antiética e exploradora de sua condição de liderança acabará por ajudá-la em seus criticáveis propósitos. Ou seja, a pessoa usará o aprendizado a seu favor e, por consequência, sua aplicação prejudicará outros (até sua equipe). O pior de tudo é quando a pessoa é a dona da empresa.
Nem preciso dizer que essa nossa conversa (mesclando ideologia, filosofia, psicologia, teoria organizacional e ciência) durou horas. Não havia o interesse de nenhum dos dois em convencer o outro de algo, mas o foco estabelecido era de que há pessoas que utilizam o Coaching para tirar proveito próprio e crescer as suas habilidades que, de alguma forma, são eticamente questionáveis. Em outras palavras, as metas definidas não seriam as mais dignas para um CEO de grande empresa.
Vale então aqui lembrar que o Coach é contratado para contribuir com o cliente no alcance de suas metas e na melhoria de desempenho em habilidades que lhe são demandadas. O Coach não é obrigado a fechar os olhos e simplesmente aderir a qualquer tipo de atendimento que possa gerar conflitos íntimos ou ferir seus valores. Porém, o Coach também não pode partir para as sessões colocando-se na condição de quem deve fazer juízo de valor sobre tudo o que ouve ou vê no cotidiano da relação profissional-cliente.
Esse problema que meu amigo levantou é real e mais presente na sociedade do que seria desejável. Cabe ao Coach se perguntar até que ponto aquele processo e aquele Coachee colocam em risco seus valores e princípios pessoais. Não vale a pena prostituir-se apenas para manter um cliente, assim como não vale a pena querer ser o juiz do mundo. A situação é bastante delicada, e esse certamente pode ser tratado como o lado perverso do Coaching, Eu tenho a mais absoluta certeza de que cada Coach que me lê saberá decidir pelo melhor caminho, quando (e se) ocorrer algo assim em suas vidas.
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