Num lugar não muito longe dali, havia um poço profundo e escuro onde, desde os tempos imemoriais, uma sociedade de rãs se estabelecera. Tão fundo era o poço que nenhuma delas jamais havia visitado o mundo lá de fora.
As rãs estavam convencidas de que o universo era do tamanho daquele espaço, nada além dele. Havia evidências científicas que corroboravam essa teoria trazida dos mais velhos para os mais novos e somente um louco, privado dos sentidos e da razão, afirmaria o contrário.
Certo dia, um passarinho que voava por perto viu o poço, ficou curioso, e então resolveu investigar melhor as profundezas. E qual não foi sua surpresa ao descobrir aquelas rãs. Porém, bem mais perplexas ficaram elas, pois aquela estranha criatura de penas colocava em dúvida todas as verdades secularmente comprovadas pelos sábios daquela sociedade de rãs.
Claro que a ideia de sair dali era absurda para os batráquios pois, se o buraco sabidamente era o universo, não poderia haver um “lugar lá fora”. E o passarinho se pôs a cantar, contando para as rãs sobre a brisa, o sol, as flores e os campos, os rios, as nuvens, as estrelas…enfim, muitas coisas que colocaram em polvorosa a sociedade de rãs. E estas passaram a dividir opiniões.
Algumas acreditaram existir esse “lá fora” e começaram a imaginar como seria. Outras fecharam a cara, pois afirmações não confirmadas pelas rãs cientistas não deveriam ser merecedoras de crédito. E muitas começaram a analisar o fato com base na teoria da conspiração!
A serviço de quem estaria aquela criatura estranha, cheia de penas e com um bico esquisito? Seria representante de alguma classe dominante? Ou ela faria parte de um plano de libertação das classes dominadas? Existiria efeito manipulador naquele som estridente que a criatura emitia? Seria um ser louco? Ou quem sabe tudo aquilo não era uma alucinação coletiva?
A única certeza do grupo de rãs é que aquela criatura, certamente, tinha trazido problemas com a presença e seu canto. Tanto as rãs da classe dominante como as da classe dominada não estavam gostando das conversas que circulavam em volume crescente. Conseguiram prender o passarinho, acusaram-no de grande ameaça às rãs, mataram o bichinho e assumiram que o perigo estava eliminado. O universo era aquele, o das rãs, e as futuras gerações ficaram proibidas de comentar esse fato acontecido um dia.
Esse texto, adaptado de um belo trabalho do excelente escritor Ruben Alves, serve para lembrar que a evolução da vida depende daqueles que se arriscam a enfrentar um estado de coisas que o tempo cristalizou. E, na história da humanidade, são incontáveis os exemplos de pessoas que arriscaram suas existências para tentar contestar conceitos e outros paradigmas estabelecidos!
A vida nos leva a desenvolver uma carreira profissional que fica, frente a frente, convivendo com paradigmas, cercada de conceitos pré-estabelecidos e pressões de toda ordem, bem como muito próxima da mais ampla gama de meia-verdades e interrogações morais ou sociais. E, em todos esses momentos, é essencial ficar ancorado no princípio de harmonia com a própria consciência, mesmo quando interesses contrariados tentam nos transformar em atores da fábula das rãs.
Verdades cristalizadas ou teses antigas, com embalagem moderna, poderão motivar um debate como o das rãs. Que se olhe para o mundo atual e se perceba como os desafios crescem perante a intolerância associada às diferenças, de qualquer tipo e a qualquer título. Uma forma atualizada de separar os “votos” contra ou a “favor” de algo novo e desafiador, é estimular a reflexão a respeito de todas as ideias e preconceitos que cada leitor carrega e pedir, humildemente, que sempre olhe primeiro para o bem-estar das pessoas, sem egoísmos, compartilhando muito amor.
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