Beatriz Ensinas, autora desta coluna, necessitou de mais tempo para seus estudos. Ela, aluna dedicada, visa fazer direito na tradicional Faculdade do Largo São Francisco, que possui grande concorrência para o ingresso.
Então, confiou a mim, seu colega de sala e amigo, a função de substituí-la por oito meses na realização dos textos! Possuo meu estilo próprio e assuntos de grande interesse, mas prometo tentar ser tão agradável nos assuntos e claro na escrita como ela, por mais de um ano, tem sido em seus textos.
E é isso! Espero que apreciem esta transição!
Uma Visão sobre a Friendzone!
A Internet, como qualquer meio de comunicação, tem uma cultura e expressões próprias. Muitas vezes, tais componentes explicam e descrevem uma relação social já existente antes dela, mas que, com a Internet, acabam por ganhar novos ares. É exatamente o caso da friendzone. A definição é simples: você possui interesse romântico/sexual por uma pessoa; entretanto, dada as inconstâncias sentimentais e biológicas, ela não as tem por você, vendo-o como uma entidade assexuada e tendo para você os mesmos olhos que ela possui para um irmão, um cachorro ou um abajur. No que tange ao amor erótico, você é inexistente, um “não-ser”.
Nutro a certeza de que meu pai e meu avô já estiveram, em algum momento, na friendzone de alguma guria. Embora não soubessem o que era ela, frustraram-se com a situação. A dor de ser rejeitado é atemporal, à despeito das definições.
A maravilha da Internet é poder condensar e criar uma rede de compartilhamento de frustrações. Afinal, dado a universalidade da coisa, certamente existem histórias que podem consolá-lo e pessoas dispostas a ouvir as tristezas pelas quais você passou. E eis que da expressão ”friendzone” advém a ”cultura da friendzone”: uma série de pensamentos aceitos e condutas praticadas e difundidas sobre a invisibilidade erótica. Toda ideologia ao se consolidar acaba por podar ou obstaculizar as críticas a ela. Sendo assim, muito é dito sobre a friendzone com pouca reflexão, levando a alguns pensamentos questionáveis.
Talvez a base mais estranha do conceito da friendzone seja a culpabilização do parceiro almejado. Oh, você certamente sabe do que falo: o guri, indignado, narra sobre como tratou a menina de forma exemplar, esbanjando cavalheirismo, falando dos assuntos que ela tinha interesse, sendo amoroso e prestativo e, veja só, até dando presentes, para, depois de todo esse esforço, ela estar com um cara, um alguém sem carinho, que será sempre um espinho dentro do seu coração.
Como ela ousa, né? Deve achar você que, indubitavelmente, os bonzinhos só se dão mal e as pessoas que angariam parceiros são as mais vis e cruéis. Se é este seu pensamento, parabenizo por estar totalmente inserido na tal cultura da friendzone e te convido a refletir um pouco sobre essa questão.
Certamente é algo imoral quando, em resposta aos nossos cafunés e carinhos, alguém nos devolve escarros e patadas. A lei social mais óbvia é que gentileza se paga com gentileza. É a lei da reciprocidade. Disto não se pode, no entanto, derivar que ser gentil com alguém implique em escravizar moralmente a outra pessoa: a pessoa que você foi. Gente boa não tem a obrigação de lhe devolver beijos ou sexo, apenas atenção e sensibilidade, a qual pode muito bem ser dada em uma relação de amizade. Ela não está sendo injusta com você, apenas está adequando a lei da reciprocidade às intenções que possui contigo. Se você demanda que suas gentilezas sejam pagas com sexo, talvez devesse procurar uma prostituta.
Ademais, é para se questionar se, de fato, você estava sendo gente boa. Uma vez que julgamos ações por suas consequências e pessoas por suas intenções, é inegável que seus agrados foram boas coisas, mas… E suas intenções? É seriamente questionável se ser gentil buscando unicamente o sexo é algo nobre e louvável. Pelo contrário, muitas pessoas ficariam extremamente ofendidas ao descobrir que este era o dínamo da bondade daquele suposto bom samaritano.
A boa intenção, aqui, orbitaria em torno da educação pela educação: tratar bem o próximo em decorrência da sua humanidade e para aumentar sua felicidade. Note que isso pode ser aplicado AINDA que você sinta atração: pode-se ser gentil com base principal no altruísmo, ainda que, de forma periférica e talvez inconsciente, haja o desejo romântico/sexual. Em suma, talvez a sua posição de autocomiseração, em que você se sente triste por, apesar de sua benevolência, ter sido maltratado, seja uma grande mentira e, de forma abismante, o injusto seja você! Deixe de lado esta síndrome de artista incompreendido: por vezes, sua arte é só ruim mesmo e por isso as pessoas não entendem.
Por fim, há de pensar também se a friendzone é um lugar tão nefasto. Claro que é uma tristeza ter que recuar nossos desejos amorosos e, em algumas vezes, observar a pessoa amar outrem. Não dá para negar. Mas, hey, felizmente, o amor fraterno, aquele de amigo para amigo, também é uma forma maravilhosa de criar relações e, em alguns casos, pode ser até superior ao erótico, porquanto não sofre das rachaduras e inconsistências próprias do namoro.
Eu, pessoalmente, não sou uma pessoa com uma tonelada de amigos verdadeiros. Talvez ninguém seja. É, eu sei que você tem 5.000 amigos no Facebook, mas o que isso realmente quer dizer? Você consegue ter conversas profundas e fúteis? Contar e ouvir paranoias sem ser julgado? Ficar realmente feliz – e não com inveja – do sucesso alcançado por eles? De verdade? Sobre isso, T.S Elliot, em uma época em que a maior tecnologia de comunicação era o telefone, afirmou que, apesar de a tecnologia nos permitir falar com muitas pessoas, ela também, paradoxalmente, deixa-nos mais solitários.
Então, em última análise, talvez seja benéfico para nossa felicidade se, ao invés de sairmos por aí acusando pessoas de insensíveis e imorais e olhando para nós como coitadinhos, nós soubéssemos aproveitar mais as oportunidades de relacionamentos que nossa convivência proporciona.
Quer dizer, vamos lá: é realmente tão triste assim possuir um amigo?
Participe da Conversa