Há no ser humano uma necessidade primária de categorizar e segregar. Um gosto por extremos e ojeriza por elementos mistos. Azul ou rosa. Esquerda ou Direta. Palmeiras ou Corinthians. Humanas ou exatas.
Sim, mesmo meio acadêmico isto é verdadeiro. Iniciando geralmente no Ensino Médio, momento em que os assuntos se tornam mais aprofundados e complicados, os alunos percebem seus gostos e habilidades e inabilidades em cada matéria: alguns observam em si gosto por leitura histórica e bom desempenho em debates, enquanto outros notam facilidade com lógica e contas. Inserindo-se em grupos, acabam por se definir como “de humanas” ou “de exatas”.
Muitas vezes, escolhem suas profissões com base nesta divisão. Com isso, reproduzem uma lógica muito nociva atualmente: a da especialização, acabando por conhecer muito de pouco. Julgam o mundo apenas por um lado.
Obviamente, ter apenas uma visão de qualquer assunto é limitador: grandes descobertas são partilhadas a partir da união de campos aparentemente conflitantes. E é desta criatividade que nosso mundo, repleto de problemas, duvida?
Veja dois exemplos históricos, entre vários, de pessoas que uniram “exatas” e “humanas” e suas realizações:
René Descartes era um grandioso matemático e físico, tendo idealizado, dentre outras coisas, o plano cartesiano (sim, o nome vem daí!), a noção de quantidade de movimento e leis da óptica. Além disso, aplicando a lógica matemática no pensamento filosófico, foi o precursor do método científico, exposto no Discurso sobre o Método.
Marcel Duchamp, artista expoente do movimento dadaísta, cubista e futurista, era ávido leitor de matemática. Ao ler o livro “Tratado elementar sobre geometria quadrimensional e introdução à geometria de n dimensões” de Henri Poincaré, que tratava sobre geometria não euclidiana, achou fascinante a ideia que uma figura quadrimensional no nosso espaço é uma sombra tridimensional. Aplicou o pensamento como uma maneira de incluir a quarta dimensão em suas pinturas, dando-lhes dinamismo:
Apesar de imersos em mundo repleto de exemplos do tipo, muitos preferem, ao invés de aproveitar o melhor das duas áreas, esforçar-se para se adequar no estereótipo do grupo: o cara “de humanas” nunca analisará com atenção os dados estatísticos ou observará a lógica interna de um argumento, já que isso é “de exatas” e impede o pensamento livre; já o cara “de exatas” nunca pensará sobre conceitos sociológicos e políticos, afinal isso é coisa “de humanas” e não leva a lugar nenhum.
Não defendo que todos devem ser grandes matemáticos ou artistas, mas sim entender a base de todas as ciências e tentar aplicar os conceitos de cada uma delas em nossa visão de mundo: a conversa entre o rigor do matemático e a liberdade do artista. E, definitivamente, o caminho não é chamando historiadores de maconheiros e sentindo orgulho de dizer que odeia e é horrível em matemática. Longe de serem posições defensáveis, são apenas mediocridades intelectuais.
A via para uma boa mente é, pois, holística: entender que não sabemos equações e, ao invés de estar acomodado, buscar melhorar neste tópico, da mesma forma que, ao identificar dificuldades na escrita, substituiremos a inércia por prática ativa.
Não sejamos “humanas” ou “exatas” e não enxerguemos o mundo como binário, mas sim nos tornemos humanos plenos viventes em mundo misto e heterogêneo:
Homem Vitruviano, o ser humano com as proporções ideais e símbolo da ideia renascentista de desenvolvimento pleno, algo perdido atualmente.
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