Imaginem uma casa térrea, dessas que vocês só veem em desenhos infantis ou em papéis que avós usaram para entreter seus netos. É, é assim mesmo a casa onde nasci e vivi até os 21 anos.
Parecia feita de bolacha champanhe e chocolate e seu portão de bolacha palito, mas pintado de verde.
Quanta magia havia neste lugar. No quintal, uma parreira, uma figueira e uma cerejeira compunham juntamente com os gramados laterais (sim porque entre eles havia um cimentado), um verdadeiro quadro.
Aqui, aos sete anos de idade, trouxe recolhida da rua, com um mês de vida, Dolly, uma fêmea vira lata que sobreviveu tomando mamadeira e sendo aquecida com panos quentes. Preta, com peito e patas brancas nos ensinou a persistência.
O amor por animais fazia com que minha família tivesse também dois pássaros. Infelizmente, na gaiola.
Ao lado de nossa residência, muro a muro, estava a Vila Matarazzo com oito casas. Essas também com aparência de desenhos infantis. Apesar de termos quintal grande em nossa casa, a Vila Matarazzo era nosso quintal estendido. Todos os jogos eram feitos ali, futebol, vôlei, pula corda etc.
Em um dia nublado, meus amigos estavam jogando futebol e eu em casa. Uma bola chegou com velocidade, bateu na gaiola, esta caiu e senti pela primeira vez a dor da perda. O canário que nos encantava com sua beleza e canto, estava ali inerte no chão da gaiola.
Como era possível? Uma bola atravessar um muro alto e bater justamente na gaiola do meu canário.
Ele me ensinou a imprevisibilidade.
Neste mesmo cenário convivia com amiguinhos, ora subindo nas árvores, ora imitando professores, ora cozinhando.
Sim, nosso fogão era feito de tijolos. Portanto, às vezes tínhamos o fogão, outras vezes, o quadro negro.
A comida era saborosíssima (sempre arroz e batata). Nada era melhor, mesmo estando sem sal ou grudenta.
Assim, partilhávamos o que fazíamos. Era um ritual. Como sobremesa, tínhamos as cerejas ou figo, apanhados na hora, Éramos ágeis, pois subíamos e ficávamos na árvore, muitas vezes, durante muito tempo.
Da cerejeira para o telhado da fábrica à esquerda era um pulo. E dávamos. Com isto a experiência de andar sobre o telhado nos deu agilidade, segurança e destemor.
Como a fantasia, muitas vezes, torna-se realidade. Anos mais tarde, estava eu dando aulas para a pré-escola e em casa aprimorando-me na culinária. Aos dezesseis anos vivi momentos de incerteza e coragem. Minha mãe, viúva, costurava e eu estudava. Nosso silêncio foi interrompido. Ouvimos: Fogo, Fogo. Era a fábrica ao lado que incendiava.
Não tive dúvidas. Saí correndo para encontrar meu irmão que trabalhava a seis quarteirões. Dei a notícia e ao voltar, policiais estavam tirando minha mãe de casa, pois uma possível explosão era eminente. Entrei correndo, tentaram à força me parar. Mas eu tinha que ir buscar a Dolly que estava lá dentro. Sai com ela. Em uma das casas vizinhas, da janela superior víamos as chamas vindo em direção à nossa casa. Todos rezavam, e muito. Pedia muito a Deus por todos. Como num milagre, o vento mudou de direção e as chamas foram redirecionadas. Os bombeiros, aos poucos, foram controlando o fogo até que se extinguisse. Horas mais tarde pudemos entrar em casa. As paredes estavam muito, muito quentes.
Nesta noite, reunidos minha família, meu namorado e eu pudemos desfrutar do milagre recebido.
Tínhamos uma casa, nossa casa. Nossa casa de sonhos.
Conversávamos sobre o ocorrido, mas não deixávamos que o fato virasse tragédia e sim vitória. Unimo-nos, nos fortalecemos.
Escrevo um pouco da minha história para relembrar o que aprendi em curto espaço de tempo.
Que este artigo a inspire a reviver e elencar as suas aprendizagens!
Um abraço fraterno,
Suely Novoa
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