Em meio a tantas “delações premiadas” que aparecem a todo o instante no noticiário jornalístico brasileiro, estimulando que os “delatores” venham a falar a “verdade”, fiz uma abordagem sobre esse tema para uma pequena (limitada) plateia e, na preparação das minhas palavras, apliquei parte dos comentários de uma brilhante escritora, cujas ideias já passearam aqui por este fórum. Motivei-me, então, a reeditar aquela postagem que, para mim, é muito atual.
No ano passado, fui convidado a um evento internacional sobre Liderança e Inteligência Emocional que, entre as conferências programadas, tinha uma em especial sobre “o poder da verdade”. À época, o Brasil acompanhava o fato de que uma funcionária de conhecida empresa de telefonia foi perseguida pela gerência por não querer mentir aos clientes, o que gerou um processo dela contra a empresa e a indenização por assédio e danos morais (se você não se lembra do caso, leia mais, clique aqui).
A palestra “O poder da verdade” foi dada pela renomada Yaël Farber, uma das artistas mais importantes no cenário mundial e premiada diretora de obras teatrais controversas e de alto padrão artístico. Por exemplo, sua peça Miss Julie ganhou vários prêmios internacionais e foi apontada como Top Ten, pelo The New York Times, e Top 5, pelo The Guardian, em 2012. Yaël é autora de textos que exploram a capacidade de as pessoas mostrarem “a verdade” em sociedades modernas, principalmente aquelas em que valores antigos passam por grandes mudanças (casos do Brasil e da África do Sul, por exemplo).
A apresentação mostrou como lideranças constroem organizações sólidas ao estimularem a “verdade” (entre aspas, pois se questiona a existência da verdade universal) como resultante do “poder”. Ao reeditar o assunto, fica minha sugestão para que os leitores avancem com essa questão em seu cotidiano, principalmente aqueles profissionais envolvidos com a capacitação de talentos em suas empresas. Um dos mais importantes filósofos do século XX, Michel Foucault (1926-1984), trabalhou a temática, incluindo como a relação Poder-Verdade é fundamental na construção do “conhecimento”.
Para ele, é o “poder” que tem a capacidade de construir a “verdade”, não o contrário. Simplificando a linha de pensamento de Foucault para o ambiente organizacional, no mundo dos tempos passados, a “verdade” e o “conhecimento” eram dados pelas figuras religiosas e políticas. Muitos já leram ou viram em filmes que, como justificativa para fazer valer determinada “verdade”, a expressão poderia ser “isso sempre foi assim”, ou então, “é como os Deuses querem que seja”.
Nos tempos mais presentes, quanto mais educada e preparada for determinada coletividade (social ou mesmo empresarial), suas lideranças não conseguem mais se estabelecer apenas pelo “poder” circunstancialmente delegado, mas devem exercer esse “poder” para que a “verdade” e o “conhecimento” sejam disponíveis e acessíveis a todos. O assunto não é totalmente novo, pois “poder” é algo que gera lutas e conflitos desde o mais remoto dos tempos. O meu interesse está na construção da “verdade” e do “conhecimento” como possibilidade para as novas lideranças no exercício do “poder”. O paradigma atual é de que a legitimidade do “poder” está na competência de o líder fazer aflorar a “verdade” para todos, levando a coletividade à ação positiva.
Nas organizações modernas e globais, cada vez fica mais difícil o “poder” ser exercido com base na submissão, intimidação ou assédio. Hoje, o líder deve entender o significado do que cada pessoa ao seu lado está construindo como ser humano, deve inferir quais as intenções e desejos que essa pessoa carrega, precisa avaliar como o grupo interpreta sua forma de exercer o “poder” e, mais do que isso, deve ter a capacidade de fazer o “poder” circular através de delegação e processos participativos.
De forma simplória, essa é uma receita que leva o grupo a melhores e mais consistentes resultados, inclusive ao aprender a superar dificuldades em conjunto. Muitos autores de sucesso têm se inspirado em filósofos antigos para tratar do “poder” e da “verdade”, bem como da geração de “conhecimento”. Pois então, que o “poder” possa contribuir na construção da “verdade” para o grupo e que, eticamente, esteja em harmonia com os valores sociais praticados por esse grupo. Enfim, se admitirmos que o “poder” da nossa Justiça pode adotar a delação premiada como caminho para a sociedade chegar mais perto da “verdade” e do “conhecimento” sobre os atuais processos de corrupção tão evidentes, por que não?
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