Existir é equivalente a viver em sociedade. E ser social é igual a ser julgado. Portanto, enquanto seres humanos, nós não temos opção entre ser ou não ser conceituado pelos outros, nossa única escolha é o que faremos a respeito disso.
Comumente, o expressado sobre esta situação é: “não se importe com o que falam de você”. De fato, se você perguntar para dez pessoas, onze lhe dirão não ligar para a opinião alheia. No entanto, qualquer observador minimamente perspicaz pode notar certa dissonância entre o discurso proferido e as ações realizadas: as mesmas almas que pregam a independência e o rejeito aos julgamentos de fora são aquelas ansiosas por terem um carro mais brilhante que o do vizinho, primorosas em esconder os fracassos ao mesmo tempo em que aumentam os sucessos e loucas por receberem alguns “likes” a mais no Facebook. O senso comum, diz-se, é pavimentado com hipocrisia. O jovem em formação, então, fica carente de exemplos e imerso em discursos vazios. Desta forma, faz-se necessário um papo sincero e não maniqueísta sobre os julgamentos que sofremos. Nada é preto no branco e este assunto não é exceção.
Em primeiro lugar, o conselho clichê de “não se importar” tem seu viés de verdade. Realmente, o mundo não é um lugar amigável e, frequentemente, cruzaremos com pessoas dispostas a nos rebaixar. Seja por invejarem nossas aquisições, por enxergarem em nós uma forma de ascender em suas vidas ou por pura e simples maldade, elas não pouparão esforços em apontar defeitos inexistentes em nós e em nossas obras, fazendo-nos inseguros.
Ademais, mesmo que as opiniões não provenham de pessoas mal intencionadas, cabe notar que, ainda assim, elas podem ser prejudiciais. Isto ocorre, pois quem julga nossa vida fora geralmente não possui informações suficientes para um bom prognóstico. Eles não conhecem nossos pensamentos íntimos durante o banho, nem as lembranças perturbadoras que nos atingem no ocaso da tarde e muito menos as intenções sinceras que embasam as nossas ações. E, no entanto, estas características únicas e privadas são essenciais para o entendimento de nosso caráter. Se eles não a possuem, o que poderiam nos falar de útil? É como contratar um cego para descrever as cores da capela sistina. Frente à grandeza do nosso universo anterior, o alheio se apequena.
No entanto, embora isso pareça evidente, não há nada mais comum do que a visão de pessoas sensíveis e inteligentes guiando a própria vida pela opinião alheia. Em paráfrase do filósofo Schopenhauer, substituem a própria pele, família, sonhos e visões por palavras vazias de desconhecidos. Os resultados disto são bem ilustrados pela peça clássica “Macbeth”, de Shakespeare: nesta, Macbeth, general que visa ascender ao trono inglês após uma profecia, segue cegamente as opiniões da esposa, desgostosa com a posição social do marido e da própria e visando se tornar rainha, aconselha-o às maiores perfídias a fim de ganhar a coroa. Assim, ele finda por matar o rei e esconder a culpa do resto do reino. O resultado, conhecido na literatura inglesa, é a desgraça do personagem, cujo destino é a decapitação e a desonra. Quem sabe se Macbeth não tivesse optado por colocar a vida nas mãos dos outros, tivesse um final mais romântico.
Podemos não ser decapitados como o nobre Macbeth, mas, com certeza, as consequências não serão amenas. Entre elas, há o comentário do filósofo Michel de Montaigne, o qual nos convida a considerar a perda de tranquilidade oriunda de não se desprender da opinião dos alheios. Não mais teremos metas internas para nossos feitos, mas sim sempre nos compararemos com os resultados de outrem. Não mais teremos essência, mas sim espelharemos o que esperam de nós. Não mais procuraremos felicidade aqui, sempre lá.
Isto posto, ficam claros os aspectos negativos de ter como firmamento da vida os outros. No entanto, o contrário, fiar-se apenas em si mesmo e nas próprias visões, não é muito melhor. A melhor forma de exemplificar isto é a mais simples possível: um espelho. De fato, o instrumento milenar nos permite uma boa visão de nossa própria face e, supostamente, essência. Contudo, também revela uma verdade inconveniente: não nos conhecemos na totalidade. Pelas leis básicas da óptica, a imagem que vemos no espelho é simétrica ao objeto real e, portanto, invertida. Somos nós, mas não somos.
Se o que sabemos de nós mesmos não é uma verdade absoluta, mas mutável como imagens em um espelho, quais seriam as consequências de nos seguir cegamente? É simples: caímos na arrogância. Inexpugnáveis a opiniões dos outros, perdemos a oportunidade de aprender com a experiência alheia e checar falhas que não havíamos percebido. Assim, somos menos propícios a apreciar boas relações e a crescer com elas. Em outro exemplo literário, se Mr. Darcy, de Orgulho e Preconceito, livro clássico de Jane Austen, ignorasse quando Elizabeth lhe atacou por ser arrogante e obtuso, ele nunca teria melhorado enquanto ser humano e, em última análise, findado em um bom casamento com uma mulher fantástica.
Assim sendo, se os dois caminhos não nos levam a flores, qual seria o mais sensato a fazer? Ora, o de sempre: o justo meio. Se não é saudável ser uma folha a ser levada pelo vento das opiniões, também não é, como bichos do mato, manter-se afastado de todo e qualquer julgamentos. O correto é, tal qual o sommelier que escolhe e degusta seus vinhos com delicadeza, saber bem de quem vamos levar em consideração as palavras e de quem não. Por exemplo: amigos de infância e família, com quem convivemos desde tenra infância e dividimos nossas profundezas, comumente possuirão tanto o conhecimento necessário sobre nós quanto à vontade de nos ver felizes; portanto, merecem nossa maior consideração e atenção, com suas opiniões sendo confrontadas com as nossas experiências. Por outro lado, ao colega de trabalho que trava contato conosco três dias por semana e aspira ao nosso cargo enquanto conspira com a secretária, cabe o solene silêncio e afastamento.
Nós, jovens inexperientes, teremos, tanto dias de Macbeth, sendo decapitados pela visão dos mal intencionados e ignorantes, quanto de Mr. Darcy, ascendendo enquanto seres humanos por meio da boa intenção alheia. Neste assunto, a maturidade, que vem com o tempo, repousa em diferenciar um caso do outro, sabendo evitar o pior do primeiro caso e aproveitar o melhor do segundo. Assim, consegue-se evitar a hipocrisia e inocuidade de discurso hoje reinantes nestas discussões.
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