Na lista das virtudes evidentes, a humildade sempre figura no topo. Parece ser uma das características engrandecedoras do gênero humano, que nos faz admirar seus portadores e almejar possuí-la. De fato, é tão explícita e evidente que nem tomamos tempo para refletir sobre o real significado e implicações da palavra. Para o jovem, ingressante na vida adulta, com suas nuances, tomar contato com algumas reflexões sobre o conteúdo e a importância da humildade, bem como os meios para atingi-la, pode ser um diferencial na vida profissional e, sobretudo, pessoal.
Assim sendo, começa-se com a pergunta óbvia: o que é humildade? Na minha visão é a conduta individual que leva em consideração as próprias limitações. Uma ilustração gostosa para esta definição tão abstrata é o quadro romântico “O peregrino sobre o mar de névoa” do pintor alemão Caspar David Friederich, que mostra um homem visualizando um imenso, muito maior do que ele próprio, mar bravo. O homem humilde, tal qual o peregrino em relação ao mar, sabe assentir respeitosamente frente à vastidão do Universo e embasar todas as suas ações na certeza da própria pequenez.
Como exemplo, um exímio jogador de futebol se revela humilde quando, ainda que reconheça possuir conhecimentos e capacidades esportivas acima da maioria das pessoas, não faz da sua excelência motivo para rebaixar os outros. Sabe que, se é habilidoso, não é meramente por mérito próprio, mas sim pela benção de ter tido a oportunidade de treinar, um bom ambiente e a sorte de ter nascido com bom físico. Muitos outros, meramente por não possuir uma dessas três características, não se tornaram excelentes jogadores, independentemente do quanto treinaram ou desejaram. Ademais, reconhece que a habilidade esportiva que possui, frente às milhares de coisas que não é bom, não é superior ou mais desejável: ao encontrar um grande escritor, um dançarino ou pintor, abaixa a cabeça, recolhe as chuteiras e admira, com olhos bem abertos, aquilo que não sabe. Reconhece, portanto, que o sucesso não é apenas seu e que é apenas um entre os muitos possíveis e valiosos. Nem único e nem mais importante.
Tendo uma boa definição, passemos para as consequências: o que se ganha por ser humilde? A fim de responder isso, é interessante afirmar, antes, o que NÃO SE GANHA: resultados. De fato, você pode ser o mais humilde jogador de futebol e ainda ser o maior perna de pau, enquanto outro pode ser intensamente arrogante (e, geralmente, são) e ter ganho mil títulos. Humildade não lhe dá ganhos diretos. Visto isto, e sendo o espírito humano ávido por tirar proveito rápido de tudo, os benefícios da humildade podem nos parecer um pouco distantes demais. Então, a fim de solidificar um pouco tais benefícios, lanço mão de citar um dos melhores filmes já feitos, o “Touro Indomável”, com Robert De Niro e dirigido por Martin Scorsese.
Esse narra a história de Jake La Motta, boxeador excelente que ganha o título mundial e, após isso, entra em decadência profissional e pessoal, terminando seus dias como comediante falido em um bar sujo e pobre. Dentre as características de Jake, nota-se que ele desrespeita os adversários, nunca ouve conselhos de ninguém, sente que todos conspiram contra ele e, ainda, recusa-se a mudar. Um perfeito arrogante, portanto. Tal característica traz ao personagem uma série de problemas.
Em primeiro lugar, perde a admiração daqueles que o cercam: em cena icônica, sua esposa, Vikki, antes apoiadora incansável, assiste indiferente ao ganho do título mundial; ela, vítima de incontáveis surras por simplesmente discordar dele, não vê mais sentido nos sucessos do marido, percebendo-os como meros produtos de um homem violento e arrogante; quando ele começa a fracassar, Vikki o abandona. Aqui, observa-se o primeiro ganho da humildade: tornamo-nos dignos de nosso sucesso e não associados ao nosso fracasso.
Sendo humildes, colocando os resultados abaixo do respeito ao ser humano e do bom convívio, aqueles que convivem conosco nos veem como iguais e julgam qualquer resultado nosso, seja positivo ou negativo, como nobre: se ganhamos, festejam e nos admiram; se perdemos, consolam-nos e permanecem ao nosso lado, pois reconhecem que somos seres humanos elevados, independentemente do que realizamos.
Além disso, o homem arrogante encontra muitos obstáculos para aprender algo novo. A abertura do filme mostra Jake, em uniforme de luta, zanzando em um ringue vazio, lutando com o vento. Eis uma metáfora para a única ação de toda a sua vida: lutar. No ringue, com a sua esposa, com o seu irmão, com seus fãs… até afastar a todos. Agora sozinho, tenta algo novo, a comédia, vai à falência. Isso ocorre, pois pedante como era, nunca se abriu a novas experiências, acomodando-se e tentando moldar todo o Universo à moda da própria vida. Eis o segundo ganho da humildade: abrimo-nos ao novo. O indivíduo humilde, já que reconhece o próprio talento como algo pequeno em relação ao tanto que tem para aprender, está em constante busca por conhecimento e auto aperfeiçoamento. Molda-se a cada oportunidade, tal qual uma escultura a esculpir a si própria, tendo uma nova virtude a cada contexto.
Então, conclui-se: com a humildade, somos dignos frente aos outros e em constante melhoramento frente a nós mesmos, duas características essenciais para um ser humano feliz. No entanto, como adquirimos humildade? Claramente, porquanto mais de 99% da humanidade não a possui, ela não é algo natural. Para além disso, deve ser algo que, no mínimo, demande alguma dedicação. Assim sendo, apresento duas pequenas ações que, praticadas diariamente, com o mesmo amor que um jardineiro presta a suas flores, podem ajudar a humildade a florescer:
* Manter um caderno de agradecimentos. Se ser humilde envolve saber o papel da sorte, nada mais digno do que um caderno para anotar tudo aquilo que precisamos agradecer. Ao fazer isso diariamente, impregnamos em nossa mente que muito do que conseguimos advém do acaso. Agradeça sua casa, seu conforto, sua aparência, sua lucidez, o amor de seus pais… Tudo poderia ser diferente e, se algo fosse, você não estaria onde está.
* Colocar-se em situações em que não se é bom. Caso seja um intelectual, vá jogar futebol com atletas. Caso seja um atleta, debata com um intelectual. Sair da zona de conforto permite uma perspectiva de quanto somos limitados, o que é um alicerce da humildade. Será desconfortável, mas se souber aproveitar, também será engrandecedor.
Em última análise, sabendo o que é, para que serve e como alcançar, a humildade deixa de ser algo etéreo e cabalístico, passando ao campo prático e útil. Com isso, qualquer um, seja jovem ou adulto, pode praticá-la e gozar de seus frutos, melhorando a própria vida e, no processo, a vida em sociedade.
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