A diversão e os jovens!
Os tablets e os smartphones são o maior exemplo de diversão já disponíveis para a humanidade. Com eles, podemos, ao mesmo tempo em que mantemos outros afazeres, acessar o mundo infinito da Internet. Dali pode-se jogar, conversar, interagir, compartilhar, enfim, uma miríade de opções. Junte isso ao fato de, desde 2010, os preços dessas ferramentas terem ficado acessíveis à maioria das pessoas e terá o cenário atual: é extremamente raro achar uma criança ou adolescente que não use o celular. Mais do que isso, não é incomum ver um jovem viciado nele, ao ponto de não conseguir mais dormir ou estudar. De fato, é um problema tão sério que até já ganhou um nome médico: “nomofobia” (do inglês “”no mobile”).
Aqueles de gerações passadas podem esbravejar que a geração atual “não quer saber de nada” e “só pensar em ficar no celular”. No entanto, a má relação da humanidade com a diversão não é exclusiva dos jovens atuais, estando, ao contrário, presente em toda a história da humanidade: basta pensar em como a geração de nossos pais era fixada em TVs, ou a de nossos avós nos rádios; ou ainda, como, desde os primórdios da raça humana, a bebedeira, o sexo e a procrastinação eram constantes nos jovens. Abusamos da diversão de forma atemporal, afetando nossa saúde e produtividade.
Assim, faz-se necessária uma reflexão mais séria sobre este tema tão esquecido nos livros de filosofia, a fim de promover diretrizes para os jovens e os impedir de serem consumidos pela diversão. Ou seja, qual a função da diversão? Por que os jovens abusam dela? Como podemos impedir?
A fim de responder a primeira pergunta, a da função, cabe um exemplo literário: o personagem Brás Cubas, protagonista do clássico romance realista “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis.
Neste, como o título sugere, o narrador-personagem é o falecido Brás Cubas e que depois de morto, conta-nos toda a sua vida. Assim, uma das primeiras cenas do romance é justamente o momento da morte do protagonista. O diagnóstico do médico foi o de pneumonia, doença muito comum no século XIX. No entanto, Brás afirma que a causa da morte foi outra: a ideia fixa de criar um remédio, o Emplasto Brás Cubas. Explico: ideia fixa é aquela que aparece na nossa mente e nos impede de pensar em qualquer outra, monopolizando nossa atenção e vigor. O empresário consumido pelo trabalho e que abandona o convívio com a família sofre de ideia fixa, bem como a esposa que não consegue superar a recente viuvez. “Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa! Antes um arqueiro ou uma trave no olho!”
Aqui surge a função da diversão, portanto: afastar as ideias fixas. A diversão nos permite desviar a atenção de um tema específico, possibilitando que foquemos nossas forças em outros assuntos e ações. Com isso, podemos crescer como seres humanos, porquanto aumentamos nossa gama de interesses e habilidades. Vê-se que ela tão importante quanto o próprio ar que respiramos, porquanto serve para promover a felicidade nos momentos em que nos impede de sermos afogados pelo prazer e também quando nos levanta frente à melancolia.
A exemplo do primeiro caso, o prazer que nos afoga, imagine que você possui uma pessoa amada e que lhe faz muito bem. O seu desejo é ficar com ela o tempo todo, faltando ao trabalho e a compromissos familiares com o propósito de se deliciar com beijos e carícias. No entanto, sabe você, não se deve abdicar de toda nossa vida apenas por um amor erótico! Para afastar essa ideia fixa, você se diverte: reflete sobre os defeitos dela e ri, sozinho, dos mesmos; vê filmes sobre o absurdo dos relacionamentos, como 500 Dias com Ela; enfim, a fim de salvaguardar sua força para outras tarefas igualmente relevantes, coloca-se em situações prazerosas fazem seu pensamento se desviar da perfeição dela (ao menos até o próximo encontro!).
Já no caso da melancolia, a história nos promove uma ilustração muito bela: durante certo momento da Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra corria um sério risco de ser invadida e ocupada pela Alemanha. Caso isso realmente ocorresse, seriam tempos sombrios, de opressão e privamentos. A população, justificadamente, sentia muito medo, o qual, caso persistisse, enfraqueceria a economia do país e o próprio exército. Mas, felizmente, houve uma salvação: a diversão. Disseminaram-se muitas marchinhas zombando de Hitler e dos Nazistas, todas ao som da clássica música “Colonel Bogey” (aquela do filme “A ponte do Rio que Cai”). Rindo na face do perigo, a população inglesa conseguiu se motivar e domar o próprio medo, mantendo o país forte (e, inclusive, auxiliando a vencer os nazistas!).
Por meio desses dois casos, nota-se um elemento importante da diversão, além da sua óbvia necessidade: ela não é justificada por si mesma, mas em relação com outro elemento, nomeadamente, o dever, a boa diversão só persiste frente a existência da responsabilidade. Note: no primeiro exemplo, a diversão só foi importante porque permitiu que o dever do trabalho e do convívio com a família fossem cumpridos; da mesma forma, no segundo caso, as marchinhas permitiram o fortalecimento do espírito inglês e o cumprimento da responsabilidade de auxiliar o país frente à guerra. Diversão sem dever é luz sem sombra. Um paradoxo, portanto.
Todavia, veja só, é justamente este paradoxo que ocorre na vida do jovem. Por excelência, a adolescência e a infância são períodos da vida com ausência de muitos deveres: não se paga Imposto de renda, não há preocupação com o seguro do carro ou qualquer um desses problemas de adulto. Por isso, nesta vida sem grandes deveres, tudo aquilo prazeroso – como o videogame, o álcool ou o sexo – e que deveria ser uma distração, logo toma conta de toda a alma do jovem. A diversão se transfigura no seu inimigo: vira ideia fixa. “Pouca coisa basta para nos distrair, porque poucas coisas nos retêm”, diz o filósofo Michel de Montaigne.
Então, claro, deixar os mais novos a esmo, apenas imersos na diversão, é algo extremamente negativo. Nada mais triste do que chegar aos trinta e ser um indivíduo inconsequente, dependente de outrem e com algum vício debilitante, que só vive para o hoje. No entanto, a solução para isto é mais complicada do que parece. O mais óbvio seria, para contrabalancear a diversão, preencher a vida dos jovens com deveres. Porém isto pode, como tentar se levantar puxando os cabelos para baixo, piorar a situação: não é incomum o relato de adolescentes que, imersos em lares repressores e que lhes incutiram muitas responsabilidades, desenvolveram severas crises-de-meia idade, tornando-se inconsequentes justamente no momento em que mais precisam honrar as responsabilidades. No caso de crianças, o problema pode ser ainda maior. É conhecida a história do filósofo, sociólogo e economista John Stuart Mill, que desde criança foi treinado por seu pai para ser um grande intelectual: quando atingiu a idade de 20 anos, teve uma grande crise depressiva, tentado, inclusive, o suicídio.
Assim, a primeira forma de ação é reconhecer a naturalidade de, em certos períodos, haver o abuso da diversão: talvez um dia a criança deixe de realizar o dever de casa ou o adolescente chegue atrasado em casa. Não é o fim do mundo. Apenas a expressão necessária de uma fase não amadurecida. Como diz Ferris Bueller, do ótimo “Curtindo a Vida Adoidado”: “A vida passa muito rápido. Se você não olhar para o lado, talvez a perca.” É isto que o jovem seguirá, vez ou outra sendo, como o próprio Ferris, inconsequente e improdutivo.
Além disso, uma forma de ação que impede, tanto que a juventude seja consumida por deveres, quanto arruinada por diversão é, com a mesma delicadeza que um ourives trabalha uma joia, progressivamente introduzir na vida do indivíduo algumas responsabilidades específicas e significativas para ele. Então, se um pai identifica que seu filho tem gosto por música, talvez seja interessante matriculá-lo em uma escola de instrumentos e o fiscalizar para cumprir horários e praticar em casa: neste caso, a criança entre em contato com a noção de “proatividade”, “agenda” e “programação”, deveres extremamente relevantes para qualquer adulto bem-sucedido e que se relacionam com algo significativo para ela (a música). Após o treino, o pai pode incentivar uma atividade prazerosa e não relacionada: talvez uma partida de futebol. Vê-se, com esse equilíbrio, a diversão protegendo o dever e o dever protegendo a diversão.
E, ufa, eis tudo o que tenho pra dizer! Depois deste mui formal, grande e referenciado texto, vou jogar um pouco de Playstation. Afinal, depois dos deveres, sempre é necessária a diversão, não é? ^-^
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