Como vimos nos artigos anteriores, Shackleton e sua tripulação já estavam presos no gelo há 16 meses. O moral da equipe continuava alto, mas agora seria necessário que o “Chefe” colocasse em prática a sua arte de formar equipes para grandes desafios: Seria necessário abandonar o banco de gelo e se aventurar ao mar com três pequenos barcos salva vidas, pois a época do degelo se aproximava.
Seria uma tarefa dificílima, um grande desafio àqueles homens já bastante debilitados. Estavam fora de qualquer rota conhecida de navios baleeiros, longe de qualquer civilização e sem meios de comunicação e, ainda pior, a busca por socorro seria feita em um mar revolto e apenas utilizando os remos como propulsão. Quaisquer erros de navegação estariam definitivamente perdidos na imensidão do oceano.
O primeiro grande desafio seria dividir os 27 homens entre os três barcos salva vidas, acomodar as personalidades afins e o nível de experiência de cada um. Cada barco deveria ser autosuficiente, deveriam chegar a alguma ilhota e de preferência junto com os demais, o que era dificultado pelas características diferentes dos três barcos.
A divisão do pessoal era crítica. Cada tripulação enfrentaria um desafio extraordinário e diferente, tanto físico quanto mental. Tarefa muito mais difícil que dividir as pessoas entre as barracas no acampamento no gelo, onde o objetivo era abafar as divergências e manter o moral elevado, agora precisava destas características e mais as habilidades necessárias à navegação e ao grande esforço compatível com cada tipo de barco.
Os relatos dos membros da tripulação obtidos através dos diários e das declarações posteriores são quase unânimes no talento magistral do “Chefe” para combinar experiência, talento e temperamento em unidades eficientes, levando em conta posto e posição.
De um modo geral colocou em cada barco um núcleo sólido de tripulantes: um navegador competente, dois bons marinheiros e alguém para ministrar cuidados médicos, as outras vagas foram preenchidas em função das personalidades.
Shackleton ficou com o barco maior e melhor, porém escolheu os tripulantes mais fracos, problemáticos e pessimistas para acompanhá-lo.
O “Chefe” confiava plenamente nos líderes de suas equipes, mas nunca perdia nenhum deles de vista. Há um século já utilizava a liderança situacional e mesmo nas circunstâncias em que estavam, elogiava, comemorava e premiava a cada meta atingida. O prêmio ia desde uma ração extra de carne de foca até um leite quente, o que era um luxo naquele momento. Por sorte conseguiram tirar do navio uma boa quantidade de leite em pó.
Logo após embarcarem nas frágeis embarcações, como se fosse para enervá-los ainda mais, o mar ficou extremamente agitado e receberam a companhia de orcas com seus sopros de gelar o sangue, ocasionando o temor de terem os barcos virados e servirem de refeição às baleias assassinas.
Finalmente, após quase um mês chegaram a um pequeno rochedo, que por ser “terra firme” foi motivo de muita festa, mas ainda longe de qualquer possibilidade de socorro.
Uma nova decisão precisava ser tomada e Shackleton preparou o pessoal para a que tomaria: Deixaria parte dos homens naquele rochedo e buscaria socorro em uma estação baleeira distante pouco mais de 1.500 km. Vale lembrar que é aproximadamente esta a distância entre os portos do Rio de Janeiro e Salvador e ele deveria fazer o percurso em um barco salva vidas.
O grande desafio agora seria formar duas equipes; A primeira composta por 21 homens que deveriam ficar em um rochedo esperando que o “Chefe” voltasse com o socorro prometido e a segunda, composta de cinco homens que o acompanhariam. Não poderia deixar os pessimistas no rochedo para não contaminar o ambiente e ao mesmo tempo precisava de cinco homens que tivessem a força e competência necessária para percorrer aquela imensa distância e suportar todas as dificuldades que já sabiam que encontrariam.
Mais uma vez, Shackleton colocou em prática a arte de formar equipes para grandes desafios.
O livro de Alfred Lansing – A incrível Viagem de Shackleton narra com detalhes a epopeia de quase três meses, vivida pelos cinco homens, em busca de socorro para eles próprios e para os companheiros que ficaram sobre uma rocha na imensidão do mar Antártico.
Esta fase da expedição de Shackleton me deu dicas importantes que passei a incorporar em meus treinamentos de Gestão de Pessoas e em programas de Coaching de Liderança:
- A melhor maneira de lidar com tarefas muito difíceis é dividir o pessoal em equipes menores que sejam autosuficientes. É mais fácil para você administrar;
- Conheça cada membro da equipe muito bem, de modo a poder reorganizar o pessoal em caso de necessidade;
- Dê autoridade e poder aos líderes das equipes para que possam agir com liberdade, mas fique atento aos detalhes. Deixe que todos saibam que você avaliza suas ações;
- Fique sempre atento ao desenvolvimento do processo, não se deixe surpreender por problemas a meio do caminho;
- Se necessário mude o rumo. Nestas situações ser flexível é muito útil;
- Faça sacrifícios pessoais, isto faz com que todos percebam o seu comprometimento com a situação;
- Sempre, sempre mesmo, demonstre confiança naqueles que estão agindo em seu lugar;
- Nunca chame a atenção para os pontos fracos de alguém na frente dos outros, mas reforce os pontos fortes na presença de todos;
- Mantenha perto de você os que têm personalidade difícil ou que sejam pessimistas.
Na próxima semana, em nosso último artigo sobre a expedição Transantártica de Ernest Shackleton abordaremos seu estilo em Superar Obstáculos com sua equipe.
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