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A educação de qualidade e a luta dos jovens

Jovens em atos de desobediência civil pacíficos, ocuparam escolas a fim de impedirem seus fechamentos e de exigir uma educação pública de qualidade, mas o que exatamente quer dizer “educação de qualidade”?

Em 2015 viram-se jovens em atos de desobediência civil pacíficos, ocuparem escolas a fim de impedirem seus fechamentos e exigir uma educação pública de qualidade. São nobres por razões inquestionáveis na forma do procedimento e exemplos elevados na arte de agir, mas o que exatamente se quer dizer com “educação de qualidade”? Ou seja, qual deve ser o destino da caminhada iniciada neste 2015?

Estas perguntas são cabíveis em decorrência do infinito potencial de desordem que uma multidão motivada pode ocasionar. As Revoluções Francesa, Russa e Puritana, por exemplo, apesar de terem alcançado os objetivos propostos, pavimentaram suas marchas com corpos e pintaram suas casas com o sangue dos opositores, em épocas de inexprimível terror. Embora tamanha violência não tenha chance de ser replicada pelo movimento estudantil, não é absurdo imaginar que a mobilização possa perder o foco e acabar aceitando como “educação de qualidade” qualquer conceito vago, superficial e nocivo empurrado por empresas e pelo governo. Em suma, para evitar piorar a situação ou mantê-la inalterada, faz-se necessário bom embasamento teórico.

E como ele vem? Primeiramente, perguntando-se: para o que deveria servir a educação? A resposta, na minha visão, tem duas partes: A primeira advém diretamente da pesquisa histórica: a educação pública como concebida no sentido moderno tem por base o modelo prussiano, implantado na Prússia no século XVIII. Neste, a função da escola era preparar a criança para ser inserida na cultura militarizada e estatizada da época, servindo aos interesses do nascente Estado alemão.

Deixando de lado o aspecto negativo de ter sido usado como arma de alienação, analisar a origem da educação pública nos dá uma dica de sua função ideal: servir, por meio da transmissão do conhecimento teórico, a sociedade civil, ao coletivo, a nós. Esta missão é cumprida quando o governo identifica corretamente as necessidades e emprega as matérias do currículo para supri-las.

Por exemplo, o Brasil é um estado pouquíssimo desenvolvido cientificamente, quando comparado com países desenvolvidos. Assim, cabe à escola corrigir isto ao injetar nos alunos o contato com o método científico, suas descobertas e a própria história da ciência, os quais serão plenamente desenvolvidos na faculdade. É neste contexto que matérias formais como física, química, biologia e matemática se justificam. Para ilustrar, não é aprender as equações de Newton o mais relevante, mas sim entender o contexto científico mais geral circunscrito a elas: a possibilidade de descrever o mundo matematicamente.

Lavoisier e sua esposa, pródigos no método científico. Gênios que seriam muito úteis ao desenvolvimento brasileiro atual.

A segunda parte da visão, na minha opinião, é uma necessidade social contemporânea: o pleno desenvolvimento do indivíduo. Atualmente, em um mundo em que Deus é cada vez mais afastado do cotidiano e as relações sociais estão cada vez mais fracas, o vazio existencial deixado por esses fatores DEVE ser preenchido pelo indivíduo virtuoso e holístico. Como a escola é o local que idealmente o jovem mais passa seu tempo faz-se necessário que ela colabore ativamente para isto. Então, em ilustração, deve haver incentivos para o autoconhecimento, debates sobre as condições sociais atuais, exercícios para boa relação com o corpo e a mente, aulas visando o aprofundamento nas mais variadas formas de arte e expressões e, em suma, uma apresentação de todas as virtudes necessárias para o preenchimento humano. Embasando esta ideia, Alain de Botton, filósofo suíço, nos diz que a educação, em especial a humana, deveria nos instruir para entendermos como “retirar de uma história narrativa uma instrução moral, de uma pintura um senso de empatia e da filosofia uma consolação e remédio para nossas ansiedades.” Do conhecimento, a felicidade, em suma.

Johannes Vermeer, pintor holandês, usa sua arte para lembrar que mesmo as posições cotidianas tem seu valor.

Então, sabendo agora o que a educação deveria focar, vem a segunda pergunta alicerce: a educação atual está focando ambas as diretrizes? A réplica a isto é, sem delongas, um sonoro não. Na sua primeira função, suprir as necessidades econômicas e sociais brasileiras com material humano, a falha é notável, quaisquer que sejam essas necessidades. Primeiramente, há uma enxurrada de dados demonstrando o caos educacional vigente.

Segundo a Revista Superinteressante, com base em pesquisas estatais e de entidades privadas (Itaú e Fundação Lemman), o prognóstico é horrendo: só metade de quem ingressa em escola pública termina o Ensino Médio; 65% dos alunos de 5° ano não diferenciam formas geométricas como círculos, triângulos e retângulos; 70% do Ensino Médio não identificam a informação principal de uma notícia curta. Além disso, há uma constatação um pouco mais subjetiva sobre a educação atual, que serve também como uma causa para o baixo nível: ninguém gosta de estar na escola. Pense: quantas crianças/adolescentes você conhece que, depois da aula (momento em que não há mais a obrigação formal de estudar), pegam o livro didático e o analisam? Pois é, nem eu. Sem a identificação entre o aluno e o ambiente escolar, o conteúdo passado será extremamente menos efetivo, porquanto é visto como imposto e o ambiente como opressivo. Quando tal pensamento que estereotipa a escola como algo negativo é generalizado, cabe a reflexão se o problema não estaria em como o sistema é apresentado. Sem isso, é impossível ter bons resultados formais.

Já na sua segunda função, a de melhorar a vida individual, o fracasso é ainda mais retumbante. O absurdo é tão grande que esta questão praticamente nem é levantada em discussões educacionais oficiais. Sir Ken Robison, famoso ativista educacional britânico, nos convida a pensar como o sistema escolar atual, que preza SOMENTE testes padronizados tende a matar individualidade do estudante, porquanto não busca desvendar seus talentos. Em um belo exemplo, nos cita o caso de uma menina que, em seus primeiros anos escolares, foi considerada “inepta”, por não conseguir resultados acadêmicos. Sua mãe, descrente e percebendo que o talento de sua filha era musical, colocou-a em uma escola de dança, a qual foi o primeiro passo para a pródiga e virtuosa carreira como bailarina. Ao depender apenas do sistema educacional, este talento musical seria desperdiçado em um oceano de notas vermelhas e julgamento social. Sem valorizar, em conjunto com os testes, as habilidades individuais, matamos nosso artistas, oradores, atletas e, junto deles, em um genocídio de diversidade, a possibilidade do estudante florescer seu potencial não desenvolvido.

Com esses fracassos em mente, qual seria uma possível linha de ação? Quais reivindicações os jovens poderiam fazer? Como em todo campo intelectual, há muita celeuma entre educadores sobre a linha de mudança. No entanto, também como é constante nos debates, há alguns consensos. O primeiro, evidente, é que o puro e simples investimento do governo na educação – como parecer ser a proposta atual em todas as esferas – não remedia o problema. Em ilustrações mais do que claras sobre este assunto, a já citada Revista Superinteressante percorreu vários Estados brasileiros para analisar as escolas “públicas, pobres e excelentes”, provando o ponto aqui sustentado de que o dinheiro é menos condição necessária ou suficiente e mais atenuador de problemas. O que se encontrou, no lugar de estruturas super modernas, foram locais que perpetuavam uma cultura educacional lindíssima, a qual pode nos dar muitas diretrizes de como podemos construir uma educação melhor. As escolas, bem apresentadas na série de vídeos produzidas pela revista (assista ao vídeo abaixo), possuem muitos pontos em comum: tem uma relação próxima entre estudantes, professores e pais; currículos diferenciados, cujo foco, além dos testes, é o já citado desenvolvimento do indivíduo, com inclusive, disciplinas eletivas; acompanhamento da frequência dos alunos, em uma política que demonstra a ela a importância da escola.


Link original: https://www.youtube.com/watch?v=aAHaZgheQvk

Com estas práticas, todas as escolas mencionadas conseguiram notas no IDEB maiores do que a média nacional, demonstrando excelência no estudo acadêmico e, ademais, como se pode notar pelos vídeos, possui uma comunidade estudantil bem motivada e feliz, já que cada aluno tem o reconhecimento necessário.

Em última análise, se os estudantes hoje ocupando escolas se mobilizarem por ideias embasadas e realistas como as aqui apresentadas, podem, com a colaboração ativa da sociedade civil e não interrupção do Estado, realizar uma verdadeira Revolução Social nunca antes feita pela classe política dominante, pavimentando o caminho não com sangue ou injustiças, mas com perspectivas e virtudes.

Posto isso, acredito e apoio meus companheiros secundaristas em sua luta tão árdua quanto relevante. O primeiro passo, o coração e a boa intenção no lugar certo, já foi dado. Anteriormente, da parte do governo, nem isso havia. Parabéns, estudantes!

Bruno Sales Author
Bruno Sales é Estudante esforçado, entusiasta intelectual e conversador. Estudante de Economia, escritor amador e apreciador de Filosofia e Matemática. Sonha publicar o livro que vem trabalhando faz anos; a médio prazo, adquirir independência financeira e reconhecimento intelectual; a longo prazo, mudar o mundo.
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