Essa semana um post com o titulo “A geração que encontrou o sucesso no pedido de demissão” viralizou nas redes sociais. Muitos amigos meus compartilharam como “o melhor texto dos últimos tempos”. Eu mesma teria publicado assim algum tempo atrás. O texto é realmente bom e traz excelentes reflexões, mas, na minha opinião, reforça uma visão romântica e estereotipada de uma geração. Quando fiz a pesquisa para construção da dissertação de mestrado e publicação do livro sobre a geração Y, um dos motivos para pesquisar o tema era justamente minha própria inquietação como jovem Y. Realmente encontrei sucesso pedindo demissão de uma empresa multinacional, mas o que vem depois não é exatamente o que o texto traça como cenário.
O perigo é que quando esse tipo de mensagem ganha grande repercussão nas redes vivemos o fenômeno denominado “Espiral do Silêncio” desenvolvido pela cientista alemã Elisabeth Noelle-Neumann. A espiral do silêncio se dá quando um pensamento que inicialmente é consenso para uma minoria ganha amplitude pelos meios de comunicação (mass media) e, por um movimento constante e ascensional, tende a ampliar-se. Neste modelo de opinião pública, a ideia central é que os indivíduos omitem sua opinião quando conflitantes com a opinião dominante devido ao medo do isolamento. Esse é o grande problema das redes sociais, compartilhar textos sem refletir e sem ponderar: repete-se mais do mesmo. Como resultado, criamos “verdades” vazias.
Bom, mas vamos lá, porque acredito que o texto apresenta uma visão romântica. O primeiro ponto é que a visão do texto não retrata a realidade do jovem brasileiro como um todo, e sim de jovens da classes A/B. Quando fiz a dissertação, o meu grupo de contato eram jovens da classes A/B, mas a minha experiência como professora universitária me colocou ao lado de jovens da classes C/D/E. Diferente dos jovens da classes A/B que podem experimentar o mundo, largar tudo e, se não rolar, podem voltar para casa dos pais e vender seu carro. Os jovens de classes C/D/E já vivem com o dinheiro contadinho, não tem carro para vender e não tem uma estrutura familiar para dar apoio financeiro.
Assim, enquanto existe uma jovem, advogada que jogou escritório, carrão e namoro longo pro alto para voltar a ser estudante. Existe também uma jovem que acorda 04 horas da manhã para fazer trufas e assim conseguir aumentar sua renda, vai para seu emprego de jovem aprendiz via transporte público e chega na faculdade exausta para voltar para casa depois das 23h00 e muitas vezes dormir 4 horas por noite. Quais as escolhas disponíveis e nível de liberdade que existem entre esses dois mundos?
É uma visão romântica porque essa liberdade de se tornar “qualquer um” não gera sempre uma tranquilidade, mas sim uma angústia. Com a queda dos referenciais clássicos de sentido (família, trabalho, etc..), o jovem torna-se responsável por construir a sua identidade sozinho num contexto de modernidade que é complexo. Hoje, o jovem tem muita escolha (vale lembrar que o leque de escolhas muda substancialmente de uma classe social para outra), ele pode escolher: entre casar ou seguir a vida de solteiro, entre trabalhar numa multinacional, construir uma startup, prestar concurso, seguir a vida de estudante e por aí vai.
Contudo como Bauman diz em seu retrato da modernidade liquida ou como Barry Schwartz elucida no conceito de “paradoxo da escolha”, ter muitas opções gera paralisia ao invés de liberdade. E além disso, quando o individuo escolhe algo dentro de tantas opções, a satisfação rapidamente é substituída por uma sensação de frustração com o seguinte pensamento: “a outra opção deveria ser melhor, e escolhi errado, então a culpa é minha!” Aliás, o psicólogo Barry Schwartz, acredita que o crescente diagnóstico de depressão está relacionado com as grandes expectativas que os jovens trazem. A mídia traz exemplos de trabalhos fantásticos, de empresas que possuem sala com videogames, benefícios que vão muito além de VR e VT e isso tudo cria um imaginário nos jovens que muitas vezes é inalcançável. Afinal, quantos escritórios do Google existem no Brasil? Quantos jovens conseguem efetivamente fazer somente o que ama?
O texto é romântico na medida em que diz que tudo bem para o jovem não saber qual é a sua missão. Será que realmente as coisas são assim na prática? Se casar tudo bem, se separar tudo bem? Se decidir não ter filhos tudo bem? Essas são questões complexas e existenciais que lá no fundo nos inquietam. Quem dera que fosse simples assim. Hoje, posso dizer que boa parte dos atendimentos de Coaching está ligada ao processo de busca de sentido e propósito. É muito difícil tocar a vida sem uma missão, um projeto de vida, algo de longo prazo para nos comprometermos. Como dizia Viktor Frankl: a verdade é que o ser humano não vive apenas de bem-estar, é preciso que a vida faça sentido para o sujeito.
O grande perigo da visão geracional é pensarmos de forma dualista com uma geração indo contra a outra. Nesse cenário, parece que temos que escolher sempre entre uma coisa OU outra e perdemos a capacidade de pensar de forma mais integrada. Será que realmente só existe a possibilidade entre ter dinheiro sobrando e tempo faltando OU dinheiro curto e cerveja gelada? Não seria possível ter dinheiro suficiente E tempo adequado E cerveja gelada para comemorar o equilíbrio? Posso afirmar pelo convívio que tenho com jovens que da mesma forma que existem alguns que invejam os amigos loucos que “jogaram diploma e carreira no lixo” existem também aqueles que invejam os que conseguiram construir uma família e ter uma casa própria. Conheço jovens que largaram tudo para viajar e se realizaram, mas também conheço aqueles que voltaram para o Brasil e passaram dificuldades para se estabelecer novamente.
Maslow já sabia disso quando fez sua pirâmide da hierarquia das necessidades humanas. O individuo precisa de liberdade para a sua autorrealização, mas também precisa de segurança por meio de um conforto físico, estabilidade no emprego, boa remuneração e plano de saúde. O ponto é descobrirmos o nosso equilíbrio entre a base e o topo da pirâmide. Afinal, como diz Cortella, equilíbrio significa ser capaz de ir aos extremos sem se perder neles.
O maior aprendizado está em absorvermos o que há de melhor em cada geração para evoluirmos e não lutarmos com o objetivo de mostrar que nossa versão é melhor que a anterior. Vale a pena aprendermos com o conceito de família ensinado pelos nossos avós, mas obviamente saber que hoje novos formatos são possíveis. Vale a pena aprendermos com a dedicação e comprometimento ao trabalho dos nossos pais, porém saber que a vida também não é só trabalho.
A questão central é não comprarmos um estilo de vida geracional, mas sim refletirmos quais são nossos valores e criarmos algo individual. Somos únicos e irrepetíveis para seguir um modelo de vida geracional. Apesar de ser da geração Y e escrever um livro sobre ela, procuro não me rotular como parte dela. Talvez, porque hoje consegui olhar isso tudo de forma mais ampla. Encontrei sucesso pedindo demissão de uma multinacional em 2009 para seguir um caminho que fizesse sentido para mim. Contudo, aprendi que para construir algo com sentido muitas vezes tive que aguentar e não pedir demissão, tive que trabalhar mais do que gostaria, entender que trabalho tem prazer, mas também tem muita coisa chata. E isso aprendi com a geração dos meus pais.
Aprendi que o que importa não é ser feliz, mas sim encontrar sentido. Aprendi que o segredo na busca por sentido é não focarmos apenas num trabalho com sentido, mas numa vida com sentido e isso envolve outras esferas como amigos, família e espiritualidade. E isso aprendi com a geração dos meus avós. Então, sou um pouco disso tudo. Da mesma forma que atuar num trabalho com sentido é minha meta, também me preocupo em minha filha ter um bom plano de saúde e boa escola (que não necessariamente tem que ser a melhor, mas uma coerente com os meus valores e isso geralmente tem um preço). Da mesma forma que adoro curtir um boteco com os meus amigos, também amo um churrasco no domingo ao lado da minha família. São anseios de gerações distintas, será mesmo?
Enfim, o homem é livre e pode decidir sua forma de ser, independentemente de geração. Precisamos olhar o contexto atual de forma realista e não idealizada. Caso contrário, viveremos uma ilusão. O que não podemos esquecer é que liberdade gera responsabilidade. A minha impressão é que essa geração comprou bem a ideia de que é a geração da liberdade, mas ainda não entendeu a segunda parte disso tudo. Liberdade gera responsabilidade. Se não acordarem, será uma geração de jovens livres, mas sem saber o que fazer com essa liberdade. E isso gera angústia. Um pedido de demissão pode ser um primeiro passo para a construção de um projeto de vida, contudo também pode ser um primeiro passo para um período de angústia e de sensação de não estar construindo nada. Tudo depende da responsabilidade envolvida no processo. Será que lá no fundo, na nossa essência, o que realmente importa é somente ser feliz?
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