Você já reparou no símbolo que representa a Medicina? Não? Dê uma olhada:
Ele é composto do bastão de Asclépio, o Deus da medicina, e por duas serpentes, que se enrolam no bastão. À primeira vista, nota-se um paradoxo: por que a medicina, que dá a vida, é representada por cobras, que a tiram? A resposta é para lá de elegante: o remédio, a principal ferramenta da medicina, pode, a depender da forma que é administrado, dar ou tirar a vida. Se ponderado, vitaliza-nos. Se em excesso ou exiguidade, fada-nos. As cobras em comunhão bastão são uma constante lembrança disso.
Apesar desta imagem só ser usada na Medicina, ela pode ser muito bem aplicada em outras áreas de nossa vida, com o mesmíssimo propósito: lembrar-nos de que a diferença entre a virtude e o vício reside, comumente, na forma que usamos nossas ferramentas. É exatamente isto que ocorre com uma área essencial da vida de todo adulto: o sexo.
De fato, transar não é algo bom ou ruim em si mesmo. A prova disso é a facilidade com que se encontra, tanto depoimentos em que o sexo proporcionou imensa felicidade e satisfação, quanto situações nas quais ele só gerou tristeza e sofrimento. Se relações sexuais têm uma qualidade tão pendular assim, deve-se analisar os contextos de benefícios e os de malefícios, a fim de estabelecer os motivos para cada um e, em última análise, controlar melhor suas consequências.
Quanto a situações de sofrimento, o primeiro caso que vem à mente é, claro, o mais extremo dele: o estupro. No entanto, como é desnecessário – e até um pouco cínico – dissertar sobre o porquê de o estupro prejudicar a vida de alguém, passemos para um caso menos óbvio: a vida sexual frustrada. Com o propósito de exemplificar bem o que quero dizer, pensemos em um filme clássico: Beleza Americana.
No filme, o casal principal, Lester e Carolyn Burnham não transam, segundo a trama, por vários meses e, mais do que isso, evitam severamente falar sobre o assunto. O silêncio só é quebrado quando Lester é pego se masturbando e Carolyn o confronta, expondo suas frustrações. Apesar disso, ambos, com o desenrolar do enredo, acabam por ter, fora do casamento, affairs, os quais, ainda que momentaneamente os supram, acabam por destruir com o relacionamento, no longo prazo. Entendeu o que é uma vida sexualmente frustrada? Para além do óbvio terror fisiológico gerado pela abstinência, tem-se os desejos reprimidos e as problemáticas dele oriundo – como adultério. O sexo ruim, aliado com outras problemáticas, deveras acabou com a vida do casal.
Embora o exemplo acima se foque em uma vida a dois, não há obstáculo algum para a frustração também uma vida solteira. Neste caso, eleva-se o caso daquele que é promíscuo, realizando sexo de forma constante e descompromissada. Embora considerado pela posteridade como o melhor governador português em décadas, D. Pedro de Alcântara era reconhecidíssmo por sua promiscuidade inveterada. Os frutos são notórios: uma dúzia e meia de filhos bastardos, duas esposas traídas, dezenas de mulheres abandonadas, bem como abortos.
Apesar de nossas aventuras promíscuas não serem tão intensas quanto essas, é notório que, em alguns casos, a libertinagem pode levar ao ferimento daqueles que nos relacionamos e, em conjunto, de nós mesmos. O próprio imperador, em cartas referentes à instrução do filho D. Pedro II, foi enfático em afirmar que o garoto deveria ser criado longe das “roupas íntimas femininas”. O imperador temia que seu filho sofresse da mesma sina que tanto prejudicou seu reinado e sua vida: a promiscuidade.
D. Pedro I, o promíscuo, com Domitila. Esta foi abandonada nos anos finais do imperador no Brasil.
Com essas situações em mente, qual seria o caminho para evitar esses vícios? Ou seja, como transformar o sexo no casamento em estimulante e a promiscuidade em segura? Estas questões, grandes demais, não podem ser respondidas de forma definitiva. No entanto, no mar de discussões, há uma ilha de algumas virtudes básicas a fim de se buscar o bom sexo.
Entre elas, está a confiança. Mais própria dos casais, ela consiste em duas frontes: a tolerância do companheiro e, de forma mais basal, no próprio corpo. Em respeito a esta, cabe dizer que o conforto em relação à nudez é algo criado de forma praticamente natural ao longo do relacionamento, como o arreganhar de uma flor. A certeza na tolerância, no entanto, tende a ser mais complicada. Permita-me destrinchar: comumente, todo indivíduo tem desejos sexuais pouco convencionais e que, em um momento outro, tem vontade de satisfazê-los: sexo anal, sadomasoquismo, ménage ou qualquer fetiche que o valha. Porém, pela própria natureza luxuriosa dos desejos, eles geralmente ficam guardados em nossas mentes, jamais sendo expostos para o companheiro, por medo de julgamento. Assim, o sexo tende a cair na rotina e, para além disso, os fetiches frustrados nos preenchem.
Ter a certeza de que o companheiro não nos julgará é uma condição necessária para evitar isso. Alain de Botton, filósofo austríaco, vai ao extremo de dizer que, ao menos duas vezes ao ano, um casal deve, em um papel singelo, escrever suas vontades sexuais mais profundas e, na noite, trocá-los.
Porque o sexo é, acima de tudo, um ato romântico.
Além disso, cabe demonstrar a ponderação e a honestidade como virtudes. Especialmente para os promíscuos, é importante notar que o sexo é apenas uma parte de nossos relacionamentos com as pessoas, não sendo nem a única e nem a mais essencial. Sendo assim, sempre que quisermos transar com alguém livremente se faz necessário expor, de forma cristalina, que esta é nossa única intenção. Ao fazer isso, evita-se apegos e sofrimentos desnecessários, como aqueles que atingiam as amantes de D. Pedro I. Aliado a isso, o promíscuo, que tem mais oportunidades de fazer um sexo diferenciado do que o casado, deve-se manter a preocupação para não se viciar. Como disse Paulo, “Tudo me é permitido, mas nem tudo convém”. Transe, mas sempre sabendo que isso não deve tomar um tempo diferenciado.
Por fim, a última virtude base, essencial tanto para casais quanto para promíscuos, é a dedicação. Muitas vezes foi dito que sexo é uma arte, mas o que isso quer dizer? Segundo Eric Fromm, em a “Arte de Amar”, afirma que arte é aquilo que necessita de prática, consciência e tempo investido. Ou seja, sendo sexo arte, faz-se necessário pesquisar posições, brinquedos e formas de demonstrar carinho e desejo: dedicar-se, enfim. Se nos acomodarmos, o bom sexo não nascerá do solo, ele precisa, ao contrário, ser esculpido.
Realizando essas três virtudes, temos mais chances de alcançar uma vida sexual satisfatória. Isto é, na encruzilhada entre o bastão de Alcépio e as duas serpentes, optar pelo primeiro. Conseguir o remédio ao invés do veneno.
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