Acabou minha zona de conforto… e agora?!
Eu me acostumei a dizer que o mundo sempre foi VUCA. Entretanto agora em dinâmica muito mais veloz e complexa, exigindo constantes mudanças e adaptações simultâneas em várias áreas de nossa vida. E abordar a questão de “mudanças” em relação ao ser humano é sempre grande desafio, pois muitas perguntas serão feitas, conceitos levam a debates, critérios de análise ficam em choque e, ao final, ainda sobram respostas a serem dadas. Interessante também é pensar que o contexto, a época e os hábitos de cada local interferem no que chamamos de “mudança” (ou o que muitos também chamam de transformação).
Se formos viajar a um passado longínquo, encontraremos as leis herméticas associadas ao egípcio Hermes Trimegisto. Lendário legislador, sacerdote e filósofo, que viveu por volta de vinte séculos antes de Cristo, está relacionado às ciências ocultas, sendo considerado patrono dos alquimistas. Ele criou uma síntese da Sabedoria do antigo Egito em proposições gravadas em uma tábua (em latim, a Tábula Smaragdina).
Resumindo e adaptando trechos do que muitos sítios e textos especializados afirmam sobre Hermes Trimegisto:
“Cada pessoa carrega uma luz no coração e é portadora de sublimes potenciais a serem despertados… Cada pessoa tem asas espirituais, mas precisa aprender a abri-las. Leva tempo para transformar-se em anjo completamente, leva vidas e muita paciência…”.
Isso me lembra da famosa frase de Sócrates, que estipula “conhece-te a ti mesmo”.
Dos sete princípios fundamentais que Hermes deixou registrados para a posteridade: Mentalismo, Correspondência, Vibração, Polaridade, Causa e Efeito, Ritmo e Gênero; um deles quero destacar no que se refere à “mudança”:
“O sábio comanda os ciclos da vida sendo flexível, não enfrentando com violência. Tudo tem fluxo e refluxo, o ritmo é o equilíbrio e, por essa razão, o sábio terá equilíbrio em seus passos”.
Na viagem de volta à nossa época atual, encontraremos pelos séculos muitos estudiosos que procuraram criar leis de sucesso, de felicidade, de transformação plena e de aproximação com o Divino.
Um nome contemporâneo famoso é do médico indiano Deepak Chopra. Com suas publicações inspiradas no hinduísmo, pelas quais ele associa felicidade, conquistas, sucesso e espiritualidade a partir de também sete leis:
- Potencialidade Pura;
- Doação;
- Causa e Efeito;
- Mínimo Esforço;
- Intenção e Desejo;
- Distanciamento;
- Propósito de Vida.
Uma comparação mais aprofundada entre o que foi proposto por Hermes e o que está nos compêndios de Chopra (para citar apenas estes dois extremos no tempo) leva a uma conclusão:
“Ninguém está no mundo por acaso e todos nós devemos realizar um serviço digno, dedicado e com grande contribuição em relação aos demais seres humanos, sempre operando na frequência do amor e da compaixão. O segredo estará em entender que somos parte de uma Natureza que tem regras e ciclos para tudo e todos que nela vivem (ou estão)”.
Em síntese, podemos postular para que as pessoas identifiquem e explorem suas competências especiais para, então, serem agentes positivos de transformação para a humanidade.
E agora trago um pensamento associado a tudo o que foi escrito até aqui, mas bastante desafiador e intrigante.
Como podemos lidar com a nossa própria mudança quando pretendemos evoluir e colocar nossos talentos a serviço da humanidade? Como entender e administrar a nossa própria ansiedade em um mundo VUCA? E como ajustar o ciclo natural de mudanças físicas, que ocorrem com a idade, ao ciclo também natural do autoconhecimento e da capacidade de administrar conflitos internos?
Então decidi tratar desta questão em uma palestra, no ano passado. O tema gerou uma curiosidade grande até pelo ineditismo, motivando-me a abordar o assunto nesta postagem de hoje.
Assim como Hermes, Sócrates, Foucault, Deepak e tantos outros que se embrenharam por estudar (e formatar) um conhecimento que explica o comportamento social e as buscas do ser humano (cada qual em um grau de relacionamento com a ciência e até com o ocultismo), vou agora convidar para fazer parte deste espaço Claes Fredrik Janssen, um psicólogo sueco. Seu trabalho de pesquisa começou em 1964, para a Universidade de Estocolmo, cujo tema foi “explorar a vontade que o ser humano tem de censurar”. A pesquisa continuou até 1975, quando a tese de doutorado dele foi publicada. Ela incluía um teste para avaliar a vontade (ou a falta de vontade) de uma pessoa em censurar algo (censurar a si mesmo e suas necessidades, censurar os outros, censurar os relacionamentos à sua volta ou os da sociedade).
The four rooms of change
Janssen continuou seu trabalho de desenvolvimento de uma teoria que chamou de “The four rooms of change (As quatro salas de mudança)”, tendo publicado muitos livros sobre o assunto. A teoria identifica e descreve concepções polarizadoras e potencialmente prejudiciais que, caso não administradas convenientemente, podem tornar quase impossível o crescimento, o desenvolvimento e a resolução de conflitos. Janssen chamou esse fenômeno psicológico de “conflito entre o NÃO e o SIM”. No centro há duas perspectivas bem diferentes e que, em conjunto, direcionam a pessoa em todas as situações para:
- estar feliz e se sentir atendida na realidade presente (zona de conforto) OU;
- ir “fora da caixa” para entender os desafios que exigem mudanças (e mudar).
De certa forma, há uma grande similaridade conceitual entre essa teoria e a teoria da Axiologia (Valores e Competências, de que já tratei em postagens anteriores); em que uma pessoa assume significado para si, para o grupo à sua volta e para o mundo (contexto) que a cerca.
Jansenn cientificamente comprovou haver aquelas duas perspectivas distintas na vida do ser humano, e conseguiu construir praticidade de aplicação da teoria no cotidiano pessoal e empresarial. “The four rooms of change” lida com mudanças, com o que acontece com pessoas e organizações em transição. E, mais ainda, de como as pessoas e profissionais podem influenciar o processo de mudanças, assumindo a responsabilidade por suas emoções e ações.
No gráfico a seguir, tentarei esclarecer como funciona o modelo (já aplicado em centenas de milhares de pessoas, grupos de trabalho e lideranças empresarias – e fica a dica para coaches e mentores estudarem bem e aplicarem esse conceito, quando em algum trabalho com seus clientes). E lembro que a essência desta abordagem envolve uma premissa histórica, indiscutível e insofismável: a vida de cada pessoa tem e sempre terá ciclos dos mais diversos tipos e intensidades, quando será necessário enfrentar desafios e promover mudanças necessárias.
Pela teoria de Jansenn, temos quatro salas contíguas (Contentamento, Negação, Confusão e Renovação), que se comunicam entre si.
Contentamento
Como é o mais frequente de acontecer, vamos assumir que, para um determinado aspecto de sua vida, você (meu leitor) esteja em sua zona de conforto, feliz e contente. Se eu pedir que me relacione palavras-chave para descrever esse seu momento, eu apostaria que estas teriam grande possibilidade de aparecer: confiante, calmo, eficaz, eficiente, amor próprio em alta, relaxado, disposto a ser criativo, sem querer complicações, descansado, espírito coletivo (social), útil, diligente, pertencente, confortável, otimista e satisfeito.
Negação
Eis então que surge um desafio ou um problema que mexe em sua zona de conforto.
Antes você sabia responder, tranquilamente, perguntas como: Quem sou eu? O que me faz estar satisfeito e feliz? Agora, você terá uma primeira reação em que tende a negar a mudança de sala, no sentido de sair de sua zona de conforto, e passa a viver momentos descritos por estas outras palavras-chave na sala de Negação: irritado, tenso, entediado, resistente, explorando fatos, sentimento de ainda ser superior, impostor, abstrato, contexto difícil, recolhido, congelado, hesitante, prisioneiro da necessidade, severo consigo, cínico, crítico, hostil e contestador.
E agora, você precisa responder outras perguntas: No que fui ou sou ruim? Que conhecimento me falta ou faltou? O que de pior pode acontecer nessa mudança? Qual minha melhor postura para enfrentar isso?
Confusão
Superando esse momento de negar a mudança, havendo como saída apenas “trocar de sala”, ainda haverá um quadro de Confusão que precisa ser resolvido. Há uma necessidade urgente de conseguir responder estas perguntas: O que então eu quero com esta mudança? Quais são os meus sentimentos e carências? O que eu vou perder com a mudança? O que eu não quero encontrar nessa mudança? De que eu posso abrir mão sem receio ou dor?
E nesse processo de autorreflexão, nessa sala “confusa” você conviverá com um contexto descrito por estas palavras-chave: incomodado, sozinho, frustrado, dividido, ansioso, diferente, confuso, sem autoconfiança, inquieto, sem valor, desamparado, fracassado, furioso, ambivalente, sem raízes, inferior, duvidoso, com medo, triste, esgotado, paralisado, perdido, fragmentado, a vida está um caos.
Vale perceber que, em alguns momentos, a vida lhe dará a chance de chegar à sala da Negação e conseguir se ajeitar em uma sutil mudança que o(a) devolva para a zona de conforto e Contentamento. Ou mesmo estando na sala da Confusão, haverá situações em que será possível superar-se e fazer o caminho para uma zona de conforto que não será a anterior, mas que mesmo assim lhe dá satisfação. Entretanto, segundo a teoria, o mais comum e frequente é que você supere essa Confusão, responda adequadamente as perguntas e caminhe para a sala da Renovação (onde você cria ambiente e condições plenas para a futura “zona de conforto” e Contentamento).
Renovação
A sala de Renovação se caracteriza por estas palavras-chave envolverem você a todo o tempo: ansioso, forte, aberto, vivo, autoconfiança, leve, inteligente, independente, em crescimento, brilhante, vibrante, criativo, perspicaz, esperança e amor, corajoso, rico e viajante do infinito. Concomitantemente, ocorrerão novas e desafiadoras perguntas a exigirem respostas bem pensadas: Como entender o novo desafio? Quais as minhas alternativas? O que eu fiz de certo em situações passadas? Quais os meus talentos que posso usar para este caso? Quem pode me ajudar? Então se você seguiu o processo e fez toda a sua lição direitinho, terá voltado à sala de Contentamento. Mas lembre-se, novamente: não é a mesma sala que você deixou para trás, pois de igual só terá o nome e um aparente conforto.
Por fim, eu darei aqui dicas de estratégias simples a serem adotadas em cada momento de transição, em cada sala, sempre que for necessário:
- Nunca fique absolutamente tranquilo na sala Contentamento mas, pelo contrário, faça análises regulares e benchmarking externo para garantir que você esteja no topo do seu jogo;
- Se entrou na sala da Negação, trabalhe na criação do ambiente certo para você e seu grupo se sentirem confortáveis para opinar e dar sugestões, mantendo assim a calma, sem forçar o ritmo;
- A sala da Confusão será sempre um ambiente tumultuado. Muito barulho, ritmo acelerado e areias movediças, exigindo que a mudança seja dividida em objetivos de curto prazo (protótipos/modelos-piloto), celebrando cada um dos pequenos “sucessos de mudança”, e;
- Haveria então algo de errado em visitar regularmente a sala de Renovação, mesmo se estivermos na zona de conforto? Certamente que não e a estratégia certa é dedicar algum tempo para “fazer um voo de reconhecimento” dos negócios e não “mergulhar dentro” dos negócios.
Haverá quem adore pautar sua vida pelos ensinamentos históricos de Hermes Trimegisto ou pela forma mais atual de Deepak Chopra. Ou mesmo de algum outro estudioso que tenha suas leis de sucesso e felicidade. Mas se quiser adotar uma forma científica de trabalhar seus processos pessoais de mudanças, pense nessa teoria das quatro salas, pois é uma excelente opção, por ser simples e poderosa.
Como último alerta, em nossas vidas não existe uma única mudança de cada vez. Podemos nos encontrar em todos os quatro ambientes a qualquer momento, para os aspectos do cotidiano. Portanto isso exigirá movimentos em ritmos e de maneiras diferentes, aplicando as estratégias certas nos campos psicológicos, racionais, criativos e comportamentais. Então que tal pensar nisso?
Mario Divo
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