As regras sobre assédio ou constrangimento de funcionários é produto da sensibilidade moral de nossos tempos. Também tem a ver com as necessidades de disciplina no trabalho, expediente que visa a maior produtividade. Isso é racional?
Sim, de certo modo é racional. Mas não é razoável. No limite, pode ser uma tolice. As pessoas passam o dia todo no trabalho. Não raro, marcam alguma ida a barzinhos, baladas e aniversários com os mesmos colegas de trabalho. Pedir para que elas, na plena juventude e solteiras, não se relacionem amorosamente nos locais de trabalho é o mesmo que pedir que elas que se tornem celibatárias, avessas ao namoro e ao sexo. Pois onde encontrariam tempo e lugar senão no trabalho para ter parceiros eróticos?
Isso vale para empresas de todo tipo, e mais ainda para a escola. Que professores e alunos são esses que não se envolvem em namoros? De que planeta vieram? Onde está o chefe que nunca cantou a sua secretária? Cadê a secretária que não se insinuou nunca para ao menos um de seus chefes? Como são os colegas de departamento empresarial (mesmo em uma linha de produção rígida) que não se olham com interesse estético ou sexual? Solicitar que as pessoas venham para o trabalho como robôs é, sem dúvida, descabido. Nossa sociedade moderna caiu nessa. Mas vai ter de sair disso. E isso porque as pessoas vão insistir em continuar pessoas! Afinal, essas mesmas pessoas, cuja libido pode estar baixa, são bombardeadas por todo tipo de marketing no sentido de se fazerem bonitas, atraentes e só serem felizes se capazes de ter orgasmos regulares e explosivos! E inclusive são incentivadas em se fazerem bonitas exatamente no local de trabalho, para aumentarem suas chances no emprego.
Os gregos antigos introduziram a pederastia, o par amoroso entre um homem mais velho e um rapaz, como algo que garantiu sucesso pedagógico, social e guerreiro. Descobriram que tanto na escola quanto na sociedade e na batalha, quem tivesse coletivos formados por pares amorosos iria obter sucesso, e quem tivesse homens vivendo o “cada um por si” acabaria no insucesso. Nossas empresas atuais e nossas escolas incentivam o trabalho conjunto, mas querem que cada funcionário entre castrado nessa dinâmica. Castrado de todas as maneiras. Uma contradição tonta.
Se tenho lá meus 28 anos e estou trabalhando com uma mulher brilhante em uma empresa, e se um belo dia o brilhantismo dela ainda vem de cabelos longos e encaracolados, começo a vê-la como um crush! E a cada dia de trabalho é um dia de felicidade. A empresa começa a ir melhor. Um chefe que encontra todos os dias a secretária com um batom vermelho escuro, de boca sensual, produz mais. E vice-versa. Mulheres paqueradas no trabalho esquecem que possuem casa. Mulheres e homens proibidos de paquera no serviço, acabam gastando mais tempo no celular, paquerando fora do serviço e prejudicando a dinâmica da empresa! Tudo isso é conhecido da psicologia social. Mas as regras morais e os conselhos errados sobre produtividade atuais vão contra tudo isso. É um retrocesso. É um retrocesso de convívio e é um retrocesso no capitalismo.
As leis contra assédio devem proteger as pessoas, mas não torná-las despidas dos cinco sentidos. As leis contra o assédio devem evitar a brutalidade, mas não podem coibir o flerte, o que há de vivo nas relações humanas. É claro que, para a minha geração, que bebeu no “Maio de 68”, Reich ensinou que o capitalismo tem uma face asséptica, e Marcuse completou dizendo que qualquer socialismo faria o mesmo. Nosso industrialismo parece querer uma moral vitoriana a qualquer preço, mesmo quando tudo que a produção pede, efetivamente, vá no sentido contrário.
Nós vamos ter que encontrar o meio termo entre essas tendências que se retroalimentam, mas que no momento estão sendo postas em divergência. Nós vamos ter, querendo ou não, que ver o erótico se reintroduzir na cena do trabalho. Expulso pela porta, ele tende a voltar pulando a janela.
Paulo Ghiraldelli Jr., 60, filósofo.
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