Agora é que são elas?
Desafios para a equidade de gênero nas organizações
Ainda serão precisos 132 anos para que homens e mulheres estejam em condições iguais no mundo. O diagnóstico é do Relatório Global de Desigualdade de Gênero, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial em 12 de julho de 2002. Para o estudo, foram analisadas 146 economias diferentes, incluindo o Brasil. Segundo o relatório, pelo 13º ano consecutivo a Islândia é o país em que há a maior igualdade de gênero no mundo. Na sequência, estão a Finlândia, Noruega, Nova Zelândia e Suécia. O Brasil ocupa a 94ª posição no ranking geral global.
Quando falamos de mulheres no mercado de trabalho, até 2020 a desigualdade de gênero vinha diminuindo em todo o mundo. No entanto, com a pandemia de Covid-19, essa tendência se inverteu – embora os homens também sofram com a falta de trabalho (6,1%), as mulheres seguem liderando o ranking do desemprego (6,4%).
Foram as mulheres que assumiram os trabalhos de assistência após o fechamento de escolas e creches, e já eram elas que já sofriam com o trabalho de cuidado não remunerado, uma questão intensificada com a pandemia.
E isso não acontece apenas no Brasil. As mulheres são quase 60% dos bacharéis e mestres nas universidades americanas. Representam 47% da força de trabalho e quase 52% dos empregos em nível superior.
No entanto, representam menos de 25% dos cargos executivos e em nível sênior, e apenas 6% dos CEOs. Para mulheres negras, os números são ainda mais baixos. E em certos setores, como financeiro, jurídico e tecnológico, mais homens ocupam os cargos executivos. Como explicar essa defasagem na liderança e como resolvê-la?
Um equívoco é achar que as mulheres não têm condições de liderar. Por exemplo, líderes podem pensar que elas não são tão motivadas no trabalho ou não querem o poder. Outro equívoco é achar que as mulheres são tão colaborativas ou compreensivas que lhes falta a ambição, confiança ou visão para liderar. E, por último, alguns acreditam que as mulheres não querem liderar por razões familiares.
Muitas pesquisas derrubam esses mitos que culpam as mulheres por não estarem em funções de liderança. Mas os mitos e preconceitos persistem. Há outro modo de analisar esse problema. É chamado de viés de gênero de segunda geração.
Se o viés de gênero de primeira geração trata da discriminação evidente, como as ações trabalhistas, o viés de gênero de segunda geração identifica as políticas e práticas em organizações que parecem neutras e naturais, mas afetam muito as mulheres.
Por exemplo, as pessoas tendem a contratar e promover quem é parecido com elas. Chamamos isso de contratar semelhantes. Se os homens são a maioria na liderança e, portanto, decidem a maior parte das contratações, então, as mulheres são deixadas de fora.
Do mesmo modo, se atribuições especiais ou projetos interessantes são dados ao círculo dos tomadores de decisão, e as mulheres não participam dele, então, é provável que fiquem de fora. Existem inúmeros exemplos de mulheres que enfrentam obstáculos sutis, mas predominantes, que não impactam os homens ou que eles nem notam.
Outro problema está na autoestima das mulheres. Pesquisas mostram que, mesmo que uma mulher acredite ter a maioria dos requisitos para uma função, ela foca no que não tem. Ela evita competir. Nem sempre reflete sobre como fazer dar certo. Se são convidadas a assumir outras responsabilidades e não veem como teriam tempo, dizem não, sem explorar as opções.
As mulheres não querem parecer insistentes. São ensinadas a não ser agressivas demais, o que as faz fugir das oportunidades sem analisar outras abordagens. E por último, não querem se gabar ou parecer arrogantes. Acham que o seu desempenho falará por si, e ficam surpresas por não sermos selecionadas para as oportunidades, mas geralmente não dizem que estão interessadas nelas.
Para piorar, existe diferença de tratamento em relação aos feedbacks ofertados para homens e mulheres. Pesquisas mostram que as mulheres pedem feedback tanto quanto os homens, mas recebem bem menos. E o feedback que elas recebem não é tão útil quanto o de seus colegas homens.
O feedback das mulheres difere de forma sistemática do recebido pelos homens. A primeira diferença é: feedback sobre estilo versus feedback sobre conteúdo. Em comparação com os homens, é mais provável que as mulheres recebam feedback sobre seu estilo em vez do desempenho. E é mais provável que esse feedback seja crítico, não construtivo.
Por exemplo, mulheres são informadas de que são agressivas, mesmo que pensam serem direta; que são arrogantes e não deixam espaço para sua equipe; ou o oposto, que são muito passivas, falam pouco nas reuniões, ou que as pessoas não sabem sua posição.
Por outro lado, é muito mais provável que homens recebam feedback sobre sua visão, conhecimento técnico ou resultados de negócios. Geralmente, quando uma mulher recebe crédito por seus sucessos, elogiam a equipe, minimizando seu papel de liderança nas realizações.
A próxima diferença é que as mulheres tendem a receber um feedback vago e pouco prático. Por exemplo, dizem que uma líder teve um ótimo ano, sem descrever o que fez ou os resultados. Ao receber esse feedback, é essencial buscar descobrir o significado para entender o que deve continuar fazendo e o que deve melhorar.
Por sua vez, os seus colegas homens geralmente recebem mais feedback voltado para ações que possam executar. Por exemplo: “É importante que você defina diretrizes e prioridades mais claras para a equipe”.
O feedback negativo e vago pode desgastar a confiança, e pesquisas mostram que o feedback específico sobre o desempenho pode melhorar a avaliação e a remuneração. Feedback praticável é essencial para obter as oportunidades desejadas.
Outro ponto importante é que com frequência, são as mulheres que ajudam os outros no trabalho quando solicitadas. As mulheres planejam as reuniões, tomam notas, organizam a festa do escritório e a iniciativa de diversidade. Ou seja, elas assumem o “trabalho doméstico do escritório”, termo cunhado pela professora Rosabeth Moss Kanter, da Harvard Business School.
Essas tarefas ingratas, mas necessárias, mantêm as organizações funcionando. Mas pesquisas mostram que, embora se espere que as mulheres façam esse trabalho, elas não recebem o devido crédito. E quando se recusam, são recriminadas.
Um estereótipo comum é que um homem que não ajuda nessas tarefas está ocupado, mas uma mulher que não ajuda é egoísta. Mas por que o trabalho doméstico do escritório é um problema para as mulheres?
Aqui vão algumas razões. Esse trabalho extra é invisível para as pessoas que contam, como a liderança direta, colegas e gerentes seniores. Invisível, mas rouba tempo das atividades que afetam o desempenho, como trabalhar com clientes, administrar a equipe e entregar um novo produto no prazo. E se a mulher tomar notas em uma reunião, terá dificuldade em atuar no que for importante.
O trabalho invisível é uma das barreiras ocultas que impedem que as mulheres cheguem a cargos mais altos. Por fim, ao concordar em fazer um trabalho invisível, a mulher condiciona as pessoas a assumirem que sempre dirá sim, além de desvalorizar seu trabalho.
Muitas questões estruturais afetam os desafios para uma efetiva equidade de gênero nas posições de liderança nas organizações. Mesmo assim, a importância do fim da desigualdade de gênero é uma agenda global e um fator crítico de prosperidade que precisa ser levada a sério pelas autoridades, segundo o Fórum Econômico Mundial.
Empresas com mais mulheres em posição de liderança executiva tem maior receita de inovação, menos casos de corrupção e fraudes e potencial de 21% de resultados acima da mediada do seu setor.
Chegou a hora de líderes utilizarem a criatividade e o dinamismo do capital humano para, em seus países e organizações, desenvolverem políticas para superar as crises e acelerar a recuperação dos avanços no tema equidade de gênero. Toda a sociedade só tem a ganhar com mais mulheres no poder.
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Kaká Rodrigues
https://www.diversidadeagora.com.br
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