As boas lições da nova pandemia
Pandemia é o nome dado quando um agente infeccioso atinge os 5 continentes ao mesmo tempo. A expressão pandemia tem origem grega e significa algo como “todo o povo”. É utilizada, pelo menos, desde Platão, que a empregou para se referir a qualquer evento capaz de alcançar toda a população. O novo coronavírus foi classificado como uma pandemia no dia 11 de março pela Organização Mundial da Saúde. A mais terrível da história foi a da Peste Negra, que dizimou um terço da população europeia entre 1347 e 1351.
As pandemias nos confrontam com os limites da nossa saúde física, dos nossos recursos e do nosso conhecimento. Também pode nos lembrar do que é possível por meio da ajuda e do amor do próximo.
O Covid-19 nos dá a oportunidade de relembrar que somos criaturas finitas. Temos adotado nos últimos anos, a cultura do “poder fazer” que nos levou à Lua, mas podemos ficar muito impacientes, no dia a dia, com coisas simples, como aguardar para ser atendido – ao telefone ou na sala de espera, sentados confortavelmente.
Este vírus nos coloca frente à frente com a realidade das nossas limitações. Temos um número limitado de leitos hospitalares, de insumos hospitalares, do pessoal da saúde – não temos uma vacina e sequer medicação que resolva. Simplesmente não sabemos, com toda a evolução alcançada, o que fazer. Não temos, a certeza de que sabemos de todas as formas possíveis de contágio. Todo o nosso conhecimento não responde as perguntas básicas.
Nossa capacidade de enfrentar a realidade será testada, a partir do comportamento das pessoas, além do nosso próprio comportamento. Dependemos agora, mais do que nunca, de outras pessoas – do próximo.
O que seria do enfrentamento sem os profissionais da saúde, nas linhas de frente, onde ao enfrentar os seus próprios riscos à saúde ao lidarem com a falta de suprimentos e as longas horas de trabalho.
Ninguém gosta de falar sobre limites. Isso vai contra a nossa fé inabalável na superação deles. Mas ao mesmo tempo aceitamos os limites ao excluir milhões de pessoas do sistema de saúde, das escolas, dos núcleos habitacionais com direito a saneamento básico e água tratada. Ainda em fevereiro deste ano assistimos – passivamente – o sistema de saúde deixando pessoas no chão das recepções e atendimento a pacientes. Dar à luz na porta do hospital após ser negada a internação, não é exatamente algo novo no país.
Quando precisamos enfrentar esta nova infecção respiratória, descobrimos a limitação acima da classe social – hoje, com todo o dinheiro disponível não conseguimos ter acesso aos respiradores que auxiliam as pessoas em situações mais graves. Mesmo que o Brasil “despeje” todo o dinheiro disponível, não consegue fazer um carregamento de máscaras de proteção aos profissionais da saúde chegar em território brasileiro.
Até então reclamávamos, passivamente, da precariedade do sistema. Com o advento da pandemia houve uma corrida, sem precedentes, para suprir a demanda possível por leitos, UTI’s, profissionais da saúde disponíveis – aprovação da telemedicina – enfim, o que antes parecia impossível foi construído em pouco mais de 1 mês.
Se necessário, teremos que adotar triagem seletiva que avaliará fatores como idade, saúde e probabilidade de sobrevivência para determinar quem terá acesso a cuidados completos e quem receberá meramente um atendimento de conforto. Sem preparo para responder a tamanho desafio, seguimos acreditando que podemos superar a limitação dos leitos e de profissionais.
Essas não são questões fáceis de responder, mas precisamos ser claros sobre as diretrizes que usamos para ajudar os socorristas a fazerem seu trabalho. Não devemos tomar essas decisões no calor dos eventos. Precisamos ser claros, de forma pública, sobre as nossas diretrizes, e essas diretrizes devem ser definidas pelos profissionais da saúde que estão nas linhas de frente.
Curiosamente, para recuperarmos a noção da convivência em sociedade e em família, esta pandemia nos isolou em nossos próprios mundos. O mundo do qual fugíamos logo cedo, dirigindo um veículo com mais de quatro assentos vazios, em direção ao trabalho. O momento também nos lembra que somos seres humanos e vivemos em comunidades uns com os outros. Como nação, devemos ter uma preocupação pelo bem comum. Com muita frequência, pensamos nos cuidados de saúde como se fossem qualquer outro produto de consumo que compramos, quando, ao contrário, os cuidados de saúde estão construídos sobre um modelo de conhecimento sustentado pela infraestrutura pública, que atende a imensa e esmagadora maioria da população.
Saúde e educação caminham juntos. Uma sociedade com acesso à informação e capacidade de separar o que é importante, científico e eficaz das tradições orais, muitas vezes equivocadas e desprovidas de fundamento científico. Para alcançarmos um nível de qualidade para a educação, alimentação e saúde – precisamos de muito investimento e infraestrutura. Foi necessário cancelar aulas e colocar em risco o ano letivo para a adoção do EAD de forma ampla. A nova pandemia nos lembra que a saúde não se limita apenas ao paciente individual. Ela tem a ver com a comunidade. Nosso sistema de saúde deveria refletir a solidariedade comunitária e os valores éticos cristãos profundamente arraigados.
Temos assistido exemplos dos extremos do comportamento humano na sociedade.
Houve histórias de pessoas acumulando produtos de limpeza e brigando por alimentos nos supermercados. Ao mesmo tempo, vimos exemplos heroicos de pessoas distribuindo alimentos a moradores de rua, levando cestas básicas e insumos de higiene para moradores em áreas de risco, esquecidos pelo governo e pela sociedade, no dia a dia – médicos, enfermeiros e profissionais da saúde, junto com suas equipes, arriscando suas vidas cuidando das pessoas, independentemente do lugar de onde vieram. Ambos revelam tendências contrárias dentro do coração humano.
Estamos testemunhando tanto o egoísmo quanto a graça na nossa sociedade, revelando a nossa finitude e os nossos limites.
Impossível prever como será o mundo em 90 dias, muito longe de tentar olhar como estaremos no próximo Natal. A certeza absoluta é que não seremos as pessoas de 11 de março de 2020 (dia em que o novo vírus foi considerado como pandemia pela OMS).
A oportunidade de correções históricas em pouco tempo e subir alguns degraus na valorização da vida, no princípio de equidade para saúde, educação, alimentação e higiene, está dada. Resta-nos então aproveitar o momento histórico para fazer valer o “valor” de uma vida.
Temos tudo – Tecnologia, Ciência, Motivo, Momento, Governos, Sociedade, Igrejas – enfim, finalmente estamos todos do mesmo lado. Tomara que toda esta energia nos leve a um mundo um pouco mais solidário e justo, de verdade.
Ao longo de tudo isso, somos lembrados, mais uma vez, de que a Sexta–feira Santa não é o fim da história humana, mas sim um prelúdio teológico para a Ressurreição.
Sandra Moraes
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