“Não sou a favor nem do judeu, nem do muçulmano,
porque acho que só existe uma raça: a raça humana.”
(Georges Bourdoukan)
Os atos de racismo contra o jogador Arouca e o árbitro Márcio Chagas da Silva. O iminente conflito bélico entre Rússia e Ucrânia. As recentes manifestações públicas permeadas pela violência.
Abra o jornal, folheie uma revista, ligue a TV. Observe como poucas são as notícias veiculadas que podemos apreciar. Os informativos, todos eles, têm como matéria-prima a desgraça. Ora são as guerras, ora os conflitos políticos, ora as mazelas econômicas. A fome, o frio, o fogo na mata adentro – os quais não deixam de ser outras formas de guerra.
Tiroteio entre facções que disputam a hegemonia em regiões desprovidas de lei. A droga que grassa e viceja, invadindo escolas, bares e lares, atingindo não apenas adultos e adolescentes, mas até mesmo crianças. Uma arma de fogo que dispara acidentalmente, um garoto que chacina sua própria família ou um grupo de colegas da escola. Filhos que matam pais, pais que violentam filhas, filhas que se prostituem. Governos que desdenham da miséria e que lutam apenas pelo poder como fim absoluto de sua vaidade e ganância.
Mesmo onde se poderia imaginar prazer, encontramos o negativismo. O caderno de esportes relata a contusão de um atleta, exalta a suspensão de outro flagrado num exame antidoping, anuncia em polvorosa a demissão sumária de um técnico. No caderno de cultura, críticas ganham mais espaço do que elogios.
Não sei de onde vem este apego, este quase encantamento do ser humano para com o que é menor e não o eleva. Talvez seja uma espécie de indulgência às nossas próprias fraquezas. É como se, para nos sentirmos melhor, fosse necessário que os outros se mostrassem piores do que nós. Parece que a gente não busca se melhorar, mas sim diminuir os outros…
Vivemos tempos de amargura, tempos de desamor, tempos de intolerância. Compomos as nossas teias, os nossos círculos fechados de relacionamentos e de amizades. E carregamos bandeiras diferentes. Não são mais apenas bandeiras representando nações, pois a luta transcende o plano territorial e a supremacia.
Carregamos bandeiras de religiões sem perceber que, independentemente de qual seja a crença, o fundamental é a fé que se pratica. Religiões afastam as pessoas, enquanto a espiritualidade as aproxima.
Carregamos bandeiras diferentes nos estádios de futebol, e quando poderíamos apenas e tão somente comemorar a magia do espetáculo, fazemos de estandartes armas que ferem; fazemos da provocação animada e prazerosa concertos e odes para a ira coletiva.
Carregamos bandeiras pessoais, as bandeiras segregacionistas. Ora são os negros, ora os índios, ora os homossexuais, cada qual se colocando numa posição inferior, chamando a si próprios de minorias, buscando através do julgamento diferenciado o tratamento equânime. Querem a igualdade, mas a perseguem a partir da diferença. E muitas vezes acabam colhendo apenas a indiferença.
A palavra “intolerância” diz muita coisa. Ela remete à incapacidade de tolerar, ou seja, de aceitar, de permitir, de escutar, de respeitar, mesmo que discordando. De tanto ostentar bandeiras, negligenciamos nossa própria liberdade, colocando-a em segundo plano, esquecendo o prazer de contemplar e de amar a vida.
Mastros no chão, ao cruzar para o outro lado de um rio, ao atravessar uma ponte ou mesmo uma linha ou um marco imaginário, encontraremos alguém igual a nós, com as mesmas dúvidas, as mesmas incertezas e os mesmos desejos de respostas que povoam nossas mentes e nossos corações sem bandeiras.
PS: Exceção feita ao primeiro parágrafo, este texto é integralmente o mesmo que publiquei originalmente em 4 de novembro de 2005. Portanto, quase uma década depois, infelizmente não é necessário alterar uma única linha em seu conteúdo para mantê-lo coerentemente atual…
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