Se nascemos com talento para a criatividade, em que momento o perdemos? A diminuição do potencial criativo está ligada à dicotomia que estamos inseridos?
Uma das mais valiosas características da infância é, no meu ponto de vista, a criatividade. Ou seja, inteligência e talento, natos ou adquiridos, para criar, inventar, inovar, quer no campo artístico, quer no científico, esportivo, ou em qualquer área da nossa existência.
Curiosamente, há algum tempo, tenho observado formadores de opiniões e grandes nomes das consultorias empresariais defendendo a importância da criatividade nos novos modelos de gestão e empreendedorismo. Esta onda ganha força com o impacto da pandemia e o distanciamento social nas empresas e negócios. Em resumo, para vencer a crise econômica que se instaurou, precisamos ser criativos e pensar fora da caixa.
Com base na minha primeira afirmação, deveríamos todos então nos tranquilizarmos sobre a segunda. Infelizmente, não é assim que estamos vivendo esta necessidade.
Os adultos, na sua imensa maioria, parecem ter perdido seu potencial criativo. Esta impressão se baseia também nas inúmeras ofertas de cursos de criatividade que encontramos nas redes atualmente. Além dos relatos e queixas de líderes e empreendedores que se sentem pressionados a apresentar soluções criativas sem sequer terem ideia de por onde começar.
Afinal, se nascemos criativos, em que momento perdemos esta capacidade, inteligência ou talento?
Eu considero que uma das principais causas para a diminuição do nosso potencial criativo esteja na cultura dicotômica que estamos inseridos. Desde cedo somos levados a pensar que existem dois caminhos a seguir: o caminho certo e o errado. Somado ao costume de classificar pessoas e circunstâncias como boas ou ruins. Tratando leis e tratados arbitrários como verdades absolutas. Dando às interpretações e percepções status de fatos e verdades.
O sistema de regras criado para organizar nossa vida em sociedade muitas vezes cerceia nossa própria existência, na medida em que condiciona nossa forma de pensar, limitando nossas interpretações e minando nossa confiança em nossa própria percepção. Não somos ensinados a respeitar as leis sem necessariamente nos subjugarmos a elas. A principal consequência deste sistema é a perda ou significativo enfraquecimento da nossa autonomia de pensamento.
Se adicionarmos aqui a necessidade instintiva do ser humano de pertencer a um grupo, que nos leva a seguir os padrões coletivos como forma de garantir esta inclusão, temos elementos suficientes para um distanciamento do nosso potencial criativo. De tal forma que, a demanda de criatividade nos desconforte e nos faça sentir incapazes.
A boa notícia é que esta habilidade está em cada um de nós. Para acessá-la, precisamos exercitar nossa autonomia de pensamento nos livrando do modelo dicotômico de leitura da realidade. Esta desconstrução será benéfica não apenas para nossa busca por soluções inovadoras, mas também para um resgate da nossa empatia e capacidade de aceitação do outro. Visto que a aceitação da diversidade é contrária a qualquer pensamento bifurcado, dicotômico.
Se eu pudesse lhe dar um conselho eu recomendaria que você resgatasse aí dentro de você sua habilidade em se perguntar: “E se eu não fizer? E se não for assim? Como seria?”.
Eu desejo que possamos dar mais voz e espaço para as nossas crianças interiores. Cicatrizando suas feridas do passado. Abrindo novos caminhos para sua jornada.
Sheila Berna
https://www.sheilaberna.com.br/
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