“Tudo o que não sei aprendi na escola.” (Ennio Flaiano)
Domingo ensolarado, dia de final de campeonato brasileiro de futebol, observo no local do exame vestibular para a Universidade de São Paulo uma legião de candidatos, jovens em sua maioria, que estampam em seus semblantes um ar de apreensão, tensão e incômodo, como se estivessem diante de uma decisão que impactará todo seu futuro.
Cinco horas de prova com questões de múltipla escolha para dizer-lhes se estarão aptos a transpor mais um ritual de passagem, chancelando o passaporte para a vida adulta, marcando o fim da adolescência. A aprovação significará a certeza de um horizonte na vida profissional, a conquista de um novo padrão de liberdade e de um novo status de inclusão social.
Porém, ao observar o caderno de questões, uma profunda sensação de decepção toma conta de meus pensamentos.
Nosso sistema educacional está falido. Inadequado, ultrapassado, anacrônico. Continuamos formando um exército de estudantes doutrinados a grafar uma letra “X” em uma alternativa dentre cinco possíveis. Estamos desperdiçando a oportunidade de ensiná-los a pensar, a raciocinar, a criar.
O exame vestibular considerado o mais bem preparado do Brasil sinaliza esta realidade com perfeição. As questões de Física e Química remetem todas ao uso de fórmulas e equações que precisam ser decoradas pelo estudante para serem utilizadas na solução de problemas absolutamente desconectados de nosso cotidiano. O sujeito aprende a mensurar a velocidade de arrasto de um peso ancorado em uma polia, bem como a fazer o cálculo estequiométrico de uma reação, mas não sabe trocar a resistência do chuveiro de sua casa, compreender como o consumo de seus equipamentos eletroeletrônicos afeta sua conta de energia elétrica e o porquê da adição de álcool à gasolina reduzir a potência de seu carro.
Mais algumas regras memorizadas e se está habilitado a estimar a altura “h” de um triângulo escaleno inserido em um poliedro ou a probabilidade de se extrair uma sequência de bolas coloridas mediante determinada combinação preestabelecida, mas não se dispõe de instrumental suficiente para calcular os juros embutidos nas prestações de um produto vendido “em oferta” por uma loja de departamentos.
Aprende-se a vital diferença entre angiospermas e gimnospermas, sem nunca se ter visitado um jardim botânico ou atravessado a rua até o parque ou praça mais próximos. Aprende-se sobre como se dá a fotossíntese, mas evita-se falar em educação ambiental. Gametas e zigotos são explorados ao longo de todo um ano, mas educação sexual deixa de ser discutida.
Ignoram-se a crise política no país e os conflitos étnico-religiosos no mundo, para se falar sobre aspectos do feudalismo. Questiona-se sobre as características físicas ou a personalidade do protagonista de um romance, mas não se promove o prazer pela literatura através da leitura despretensiosa.
Vestibulares existem para alimentar uma rentável indústria formada por cursinhos preparatórios e mesmo para justificar as altas mensalidades cobradas por muitas instituições de ensino médio que se notabilizam pelo elevado índice de aprovação de seus rebentos nestes concursos.
A verdade lastimável, preocupante e penosa é que nossos jovens continuarão pagando elevados juros no cheque especial, cartões de crédito e compras parceladas; permanecerão engordando os indicadores de gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis; seguirão destruindo o meio ambiente tomado por empréstimo dos filhos que ainda vão ter; persistirão elegendo maus governantes.
Educação é o meio de se construir uma nação mais equânime num futuro próximo. Sinto que a argamassa não está sendo elaborada com boa qualidade e que nossos alicerces estão cada vez mais frágeis…
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