Quanto tempo tem, um tempo da Guerra?
“É possível controlar a evolução da mente do homem, de modo a torná-lo à prova das psicoses do ódio e da destrutividade?” (Einstein)
O número de países em guerra duplicou na última década. Analistas estimam que 23 países, com uma população combinada de 850 milhões de habitantes, estejam atualmente enfrentando conflitos de média a alta intensidade – Fórum sobre Fragilidade, um evento que acontece a cada dois anos.
Apesar da pandemia COVID-19, o número de pessoas fugindo de guerras, violência, perseguições e violações de direitos humanos em 2020 cresceu. Os países em guerra causaram fluxos maciços de refugiados. Desde o último Fórum realizado em 2020, a fragilidade, as mortes ligadas a conflitos e agitação social subiram dramaticamente – os conflitos afetam todos os grupos de renda, mas sobretudo os pobres.
“O mundo vive um paradoxo jamais visto. Enquanto bilhões de pessoas foram imobilizadas pela Covid-19, outras dezenas de milhões se deslocaram dentro dos seus próprios países”, disse o diretor-geral da OIM, Antonio Vitorino, em comunicado distribuído à imprensa. Os dados do relatório traduzem essa preocupação expressa por Vitorino. Ao todo, 55 milhões de pessoas estão em situação de deslocamento forçado interno. Em relação ao começo do século, o crescimento é de 160%.[1]
Desses 55 milhões de deslocados internos, 48 milhões são em razão de situações de conflito e violência, enquanto outros 7 milhões tiveram de se deslocar por conta de desastres. Uma situação de vulnerabilidade que é ainda incrementada pela situação de pandemia.
De acordo com o ACNUR Alto Comissariado da ONU para Refugiados:
“A mistura letal de conflito, covid-19, pobreza, insegurança alimentar e a emergência climática agravou a situação humanitária dos deslocados, a maioria dos quais está hospedada em regiões em desenvolvimento”.
“Conflitos e perseguições forçaram mais de 85 milhões de pessoas ao redor do mundo a deixarem duas casas…” [1]
Nenhuma das bases de consulta apresenta o incremento dos números de refugiados em 2022 – em apenas 3 meses, seguramente passamos dos 13 milhões de pessoas. O efeito nefasto desses conflitos em relação ao futuro próximo é algo ainda mais devastador. Falar dos números de atingidos é um exercício de aproximação e não revela a real dimensão do drama humano. [2]
De acordo com o psicanalista Bruno Gomes, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) [3], o TEPT – chamado popularmente de trauma de guerra, tem entre os seus sintomas — cujo tempo para aparecer é de até seis meses – a revivência mental do combate, paranoia e incapacidade de realizar atividades nos âmbitos familiar, social e profissional: o indivíduo foca a sua energia emocional e psíquica em evitar lembranças e sentimentos relacionados ao trauma.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, cerca de 9% das populações afetadas por conflitos têm algum transtorno de saúde mental, desde moderado a grave, incluindo as crianças. O que se observa, por exemplo nos conflitos da Ucrânia são crianças que deixaram de desenhar casa, uma paisagem, um ambiente familiar, e agora desenham cenários do que estão vivenciando: tanque de guerra.
Todos os conflitos produzem impacto à saúde emocional daqueles que os acompanham à distância. Manter-se informado, aumenta a ansiedade naqueles que não vivenciam o cenário de confronto militar: são pessoas lutando, e não países; ignorar pensamentos catastróficos é uma recomendação feita por psicólogos, mas muito difícil evitar.
Por que a Guerra?
Assunto tão complicado e tão extenso que certamente um artigo não conseguiria explanar. Em 1932, Einstein e Freud[4] trocaram cartas sobre esse assunto a partir da proposta da Liga das Nações e do seu Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual, em Paris:
Einstein:
“Como é possível a essa pequena súcia dobrar a vontade da maioria, que se resigna a perder e a sofrer com uma situação de guerra, a serviço da ambição de poucos? (Ao falar em maioria, não excluo os soldados, de todas as graduações, que escolheram a guerra como profissão, na crença de que estejam servindo à defesa dos mais altos interesses da sua raça e de que o ataque seja, muitas vezes, o melhor meio de defesa.) Parece que uma resposta óbvia a essa pergunta seria que a minoria, a classe dominante atual, possui as escolas, a imprensa e, geralmente, também a Igreja, sob o seu poderio. Isso possibilita organizar e dominar as emoções das massas e torná-las instrumento da mesma minoria. É possível controlar a evolução da mente do homem, de modo a torná-lo à prova das psicoses do ódio e da destrutividade?”
Freud:
“ ‘L’union fait la force.’ A violência podia ser derrotada pela união, e o poder daqueles que se uniam representava, agora, a lei, em contraposição à violência do indivíduo só. Vemos, assim, que a lei é a força de uma comunidade. Ainda é violência, pronta a se voltar contra qualquer indivíduo que se lhe oponha; funciona pelos mesmos métodos e persegue os mesmos objetivos. A única diferença real reside no fato de que aquilo que prevalece não é mais a violência de um indivíduo, mas a violência da comunidade. A fim de que a transição da violência a esse novo direito ou justiça pudesse ser efetuada, contudo, uma condição psicológica teve de ser preenchida. A união da maioria devia ser estável e duradoura. Se apenas fosse posta em prática com o propósito de combater um indivíduo isolado e dominante, e fosse dissolvida depois da derrota deste, nada se teria realizado”.
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Sandra Moraes
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Referências:
[1] worldmigrationreport.iom.int/wmr-2022-interactive/
https://www.unhcr.org/statistics/unhcrstats/618ae4694/mid-year-trends-2021.html
[2] https://www.cnnbrasil.com.br/saude/entenda-como-a-guerra-pode-provocar-traumas-e-danos-a-saude-mental/
[3] https://www.sbtnews.com.br/noticia/mundo/200073-guerras-impactam-saude-mental-de-militares-e-civis
[4] https://moodle.ufsc.br/pluginfile.php/1033690/mod_resource/content/1/Aula%2B026%2B-%2BFreud%2B%2BEinstein.pdf
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