Entra ano, sai ano, vejo os ânimos inflados, seja de homens ou de mulheres, no bendito dia Internacional da Mulher. Eta diazinho polêmico! E há de tudo, os que amam e os que odeiam, os que entendem e conhecem a história de luta das mulheres, os que já têm ideias preconcebidas, os acham que não faz o menor sentido e os que repetem o jargão, “dia de mulher é todo dia”.
Seja lá qual for o pensamento ou a crença, acho bacana e importante demais que tenhamos um dia em que as discussões, manifestações, homenagens, passeatas, etc. aconteçam mundo afora porque, de alguma forma, levam a algum tipo de reflexão e avanço. Além disso, pertinente é que recordemos de fatos importantes da história mundial e do Brasil para que possamos ter conhecimento das conquistas da mulher e do papel de cada movimento em seu tempo.
Vale lembrar que a Revolução Russa, que derrubou o regime vigente e o czarismo, foi iniciada por um grupo de mulheres trabalhadoras da industria têxtil no dia 23 de fevereiro de 1917. Elas reivindicavam melhores condições de trabalho já que chegavam a trabalhar 12, 14 horas por dia e recebiam menos da metade do salário dos homens metalúrgicos e eram aproximadamente 62% analfabetas. Se você não sabe, a Revolução Francesa foi marcada por várias participações de mulheres revolucionárias que fizeram “barulho”, literalmente. Mulheres operárias, feirantes, de vários grupos sociais que lutaram pelos abusos e contra a miséria a que eram submetidas.
Ainda há que se falar de mulheres que impactaram a vida de gerações, muitas sem sequer levantar qualquer bandeira ou preocupadas em deixar algum legado. Nomes que merecem ser lembrados como o de Mary Wollstonecraft, escritora, filósofa e defensora dos direitos da mulher que morreu no final do século XVIII e de sua filha Mary Shelley, a autora do clássico Frankstein; Indira Gandhi, que foi presidente da Índia; Margareth Tatcher, a conhecida “dama de ferro”, primeira ministra da Inglaterra; Maria Ester Bueno, que entrou para a história ao ser a primeira mulher a ganhar os 4 Grand Slams jogando em duplas num mesmo ano; Coco Chanel, que revolucionou a moda e única estilista a fazer parte da lista das 100 pessoas mais influentes no mundo da Revista Tim; a menina paquistanesa, ativista pelo direitos humano, Malala Yousafzai, que reivindicava o direito das meninas à educação e a mais nova a ser laureada com o prêmio Nobel da paz; e milhares de tantas outras.
Ainda é bom lembrar que no Brasil, a mulher só teve direito de frequentar um banco de escola nos anos de 1827, mais de três séculos da sua descoberta. Ate então, as meninas eram proibidas de estudar ou aprender a ler. Só em 1879, as mulheres puderam frequentar uma faculdade e a maioria frequentava apenas o curso de Pedagogia porque tinham formação em Magistério. Raríssimos até muito pouco tempo eram os casos de mulheres estudantes de escolas de Engenharia e Medicina, por exemplo. As mulheres só passaram a ter direito de votar em 1932 e a Lei Maria da Penha só entrou em vigor no ano de 2006 quando as delegacias de mulheres passaram a ter poder para prender os agressores e pedir medidas protetivas para as mulheres violentadas.
Chegamos aos anos de 2018 e, muitas vezes, nos esquecemos que se estamos ocupando espaços importantes na sociedade, se tivemos direito à educação, se podemos discutir sobre questões de direitos e gênero, é graça à luta de gerações anteriores, de milhares de mulheres famosas ou “anônimas”, e também, por que não lembrar de homens, que lutaram e ainda lutam por um mundo mais justo, mais fraterno e mais igual no que diz respeito a direitos humanos?
O mundo contemporâneo testemunha histórias de sociedades patriarcais que privilegiam o homem e dão a ele muito poder. No Brasil, a participação da mulher na economia do país e a sua ascensão em alguns segmentos é muito recente. Obviamente que, neste sentido, a sociedade tem com a mulher, assim como tem com as minorias, um débito social e econômico.
Em países como a Inglaterra, desigualdade salarial entre homens e mulheres é ilegal e o país tem registrado a menor taxa de desigualdade atingindo 18%. Ainda assim, de acordo com relatório apresentado pela Fawcett Society o “gap” só vai zerar daqui a 100 anos. Assim, o governo britânico tem adotado práticas para reduzir as diferenças mais rapidamente. Entre elas estão a solicitação de que grandes empresas, inclusive estatais, publiquem relatório de “gender pay gap” e “gender bônus gap” (relatórios com as diferenças salariais e de bônus entre homens e mulheres); ofereçam 30 horas livres para cuidados com crianças menores de 4 anos e encoragem as meninas a escolherem profissionais tradicionalmente dominadas por homem. Além disso, o governo ja adotou política de horário flexível para todos os empregados, licença maternidade e paternidade compartilhada e encomendou um trabalho para estudar como derrubar as barreiras para que as mulheres possam chegar ao topo de suas carreiras.
No ranking do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa o vergonhoso 62º lugar, atrás de países como Cuba, Nicarágua e Equador. Temos avançado no mapa da igualdade na educação e saúde, mas estamos muito desiguais na economia e política, o que significa um gap enorme no que diz respeito a salário, participação na política e cargos de liderança. O número de mulheres vitimas de violência em 2017 chegou a 503 a cada hora, totalizando 4,4 milhões, segundo pesquisa do DataFolha. Ja os dados do Fórum Brasileiro de Seguranca Pública, relata que foram 4.380 mulheres assassinadas por dia e quase 50.000 estupradas.
O movimento feminista que levou as mulheres às ruas e que queimaram seus sutiãs teve seu momento de extremo valor e contribuição. Mas, o mundo vem se transformando a passos largos e os movimentos feministas também. Com a participação da mulher cada vez maior no mercado de trabalho e números cada dia maiores de lares chefiados por mulheres, que segundo dados do IPEA, chega a 40% no ano de 2015, o que aconteceu foi que as mulheres entraram no mercado de trabalho, se tornaram também provedoras, mas acumulam 3 turnos de trabalho porque os cuidados com o lar e com os filhos não foram compartilhados com os homens, cônjuges e parceiros.
Vivemos um momento em que não precisamos nos limitar às questões de direito de gênero. Ao meu ver, homem nenhum será igual a uma mulher e mulher nenhuma será igual a um homem. Precisamos, sim, educar nossos filhos com os valores que permeiam a igualdade de direitos e deveres humanos, independentemente do sexo, ensinando ambos ofícios tradicionalmente femininos assim como incentivando ambos a escolherem profissões tradicionalmente masculinas.
É fundamental adotarmos políticas com metas que pretendam zerar o gap da desigualdade de salários, que combatam todo e qualquer tipo de violência de gênero, etc. É o momento de entendermos que o feminismo atual é o feminismo que entende, respeita e valoriza as diferenças e peculiaridades da mulher e que briga, sim, por igualdade de direitos humanos e não para serem iguais aos homens. O maior empoderamento da mulher está no seu direito de fazer a escolha que quiser e ser respeitada por isso. Inteligência, é uma palavra que vem do latim – elegere, ou seja, eleger, escolher. Não há nada mais inteligente que fazer as suas escolhas sem culpa e sem seguir padrões preestabelecidos por uma sociedade que ainda não entendeu o valor do papel de cada indivíduo na construção de um povo forte. É importante valorizarmos o trabalho e a profissão, mas não menos importante para a sociedade é o cuidado com a formação dos cidadãos que começa na infância e, neste sentido, a inquestionável importância da presença dos pais na criação das crianças. Assim, igualmente louvável e valoroso é a escolha da mulher ou do homem que opte pela oficio de ser dona/dono de casa.
Desde os tempos da caverna, o homem tem como característica predominante o ser provedor porque era ele quem saía para caçar enquanto a mulher ficava cuidando dos filhos e protegendo o abrigo. Culturalmente, o homem é o provedor e a mulher a cuidadora. Hoje, o número de mulheres provedoras e lares chefiados por elas ultrapassa 40%. Infelizmente, o número de homens “donos de casa” que participam igualmente dos cuidados com o lar e os filhos ainda é muito tímido o que trouxe para a mulher uma sobrecarga e acúmulo de 3 turnos de trabalho.
Celebrar o dia internacional da mulher é e continuará sendo necessário e louvável por alguns anos até o dia que tenhamos o orgulho de comemorar as conquistas e os avanços da construção de um Brasil justo, igual e seguro para todos. E se há um caminho, me parece que o único é o da educação, formal e informal, que valorize, priorize e literalmente eduque seres mais humanos, mais tolerantes, mais coparticipativos e cocriadores de um mundo muito melhor.
Cristiane Ferreira
Autora, Coach, Palestrante, Professora
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