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Esquerda e Direita: Como a Polarização Distorce o Debate Político

A polarização política transforma o debate em uma batalha sem espaço para o diálogo. Entenda como isso impacta a sociedade, cria inimigos invisíveis e manipula nossas crenças, enquanto deixamos de discutir o que realmente importa.

Esquerda e Direita: Como a Polarização Distorce o Debate Político

Esquerda e Direita: Como a Polarização Distorce o Debate Político

Minha tribo contra a sua, um time contra o outro, a rua de cima contra a rua de baixo, religião X perseguindo religião Y, os que gostam de coentro versus os que odeiam: a história e o nosso cotidiano mostram que sempre fomos polarizados, desde as coisas mais simples até as mais complexas.

Se tudo isso fosse apenas assunto para mesa de bar, para discutir qual o melhor jogador de todos os tempos, divididos entre os que apostam em um brasileiro ou em um argentino, o problema não seria tão grande. Mas a nossa capacidade de polarizar já mostrou que é capaz de dar origem a guerras mundiais e até genocídios. Lembrando que até discussões de mesa de bar podem ser fatais.

Segundo previsões apontadas no 19º Relatório Anual de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial, a polarização social será uma das principais ameaças que enfrentaremos nos próximos anos.

Essa polarização está profundamente ligada ao aumento da desinformação, que agrava as divisões políticas e sociais. A polarização também está associada à crescente disparidade econômica e tecnológica, o que pode ampliar a exclusão de grupos vulneráveis e contribuir para a radicalização e a criminalidade.

Como parece que a polarização (talvez) tenha sido inventada antes da política, ela não poderia faltar nesse assunto, tornando-se a sua própria essência.

Voltando um pouco no tempo, temos: o conceito de esquerda e direita nasceu durante a Revolução Francesa. A disposição dos assentos na Assembleia Nacional dividia fisicamente seus membros de acordo com suas posições políticas.

Os que se sentavam à esquerda do presidente da Assembleia defendiam mudanças profundas na sociedade francesa, como a abolição dos privilégios da nobreza e do clero, além de reformas econômicas e sociais. Eram favoráveis à República, à igualdade, e à redução do poder da monarquia. E, com o tempo, as pessoas passaram a associar a “esquerda” a ideais de progresso social, igualdade e justiça, além da luta pelos direitos dos trabalhadores e das classes marginalizadas.

Já os que se sentavam à direita do presidente defendiam a manutenção do status quo, ou seja, o sistema monárquico e aristocrático. Eles buscavam conservar os privilégios tradicionais e eram contrários às reformas. A “direita” tornou-se, então, associada a valores conservadores, defesa da propriedade privada e manutenção da ordem estabelecida.

De uma forma mais geral, ainda podemos usar essas características, mas nem sempre a distinção é tão fácil. Um amigo ouviu de um português que, na Europa, o seu pensamento político poderia ser considerado de centro, tendendo mais à direita. Já no Brasil, exatamente o mesmo pensamento, com as mesmas características, poderia ser, por exemplo, rotulado como de esquerda.

Parece que quanto mais se polariza, mais borrados ficam os limites.

A causa são as divisões dentro de divisões, seja dentro da esquerda ou da direita. Se meu pensamento é um, o do meu adversário deve ser o contrário.

Isso serve como uma das explicações para, no primeiro turno da eleição de São Paulo, um dos candidatos se colocar à direita e rotular todos os seus oponentes como parte de uma grande “frente comunista”. Ou mesmo durante o governo Bolsonaro, quando seus apoiadores diziam que o presidente da França era de esquerda, assim como o nazismo. Os alemães e franceses riram, é claro.

Tenho um amigo que acha que todo mundo nasce de direita e, alguns, passam para a esquerda, por uma questão de conhecimento e sensibilidade. Esse conceito se choca com outro, mais popular, que diz que “quem não foi de esquerda quando jovem, não tem coração; quem continua sendo de esquerda depois de adulto, não tem cabeça.”.

São duas formas polarizadas de ver a questão, obviamente, ou de uma forma mais profunda perceber que ao longo da vida vamos mudando, assim como nossa visão de mundo, crenças e até mesmo os valores.

Ter opiniões discordantes é inevitável em qualquer coletivo de seres humanos, seja um grupo de amigos ou um país, e não é necessariamente ruim. O problema começa quando passamos a demonizar e, muitas vezes, perseguir ideias diferentes das nossas.

E isso foi o que mais aconteceu – e acontece – na História humana. Mulheres se portam de maneira que não é considerada de acordo com os padrões da sociedade e são queimadas. Cidadãos não atendem a supostos critérios de pureza racial e são mandados para campos de concentração. Uma religião é tradicionalmente ligada a uma parte excluída da sociedade e tem seus templos destruídos. Os exemplos são muitos e estão em toda parte.

Nessa polarização radical, a primeira vítima sempre é o diálogo. Ele perde seu sentido completamente, quando um lado passa a não ouvir o outro. Para chegar a esse ponto, existe uma construção elaborada, que envolve a manipulação de corações e mentes, uma propaganda dirigida para criar um grande inimigo. Além de diferente, o outro é perigoso.

Com essa crença, não ouvimos argumentos, procuramos apenas nos defender, na minha opinião, do risco da possibilidade de eu mudar de opinião (por isso eu não ouço o outro) e ao contrário, geralmente, ataco. E assim, a polarização e a ignorância se aprofundam enquanto qualquer discussão se torna superficial, perdida em slogans e palavras de ordem sem sentido e deixamos de entender os valores e as crenças por trás de qualquer das escolhas.

Violência, ataques, doutrinação, tudo o que for de nefasto na política, não faz parte da base ideológica nem da direita nem da esquerda.

Mas tanto uma como outra podem usar como desculpas para projetos pessoais que podem se transformar em ditaduras. Elas nunca têm lados e geralmente centradas na figura de uma pessoa (ou várias, se forem como o modelo soviético ou o da ditadura brasileira). Nada disso impede que se tente criminalizar o oponente, é uma tática comum.

Os comunistas são comedores de criancinhas (ou, de cachorros para Donald Trump) há muito tempo. A Revolução Russa acirrou o medo nos Estados Unidos e, por aqui, importamos o modelo, deixando o PCB na ilegalidade por muitos anos. É uma proposta que sempre ressurge, afinal, o espantalho precisa continuar em pé.

O medo é a maior ferramenta para uma manipulação bem-sucedida.

Mundialmente, o tema da imigração se tornou o principal fator para amedrontar os eleitores. Seja na Europa ou nos Estados Unidos, uma discussão necessária e inevitável acaba não acontecendo da maneira como deveria ser por causa de mentiras e distorções.

As políticas que precisam ser urgentemente desenvolvidas são atrasadas, para que o tema possa ser uma forma de alavancagem eleitoral. Esse é um exemplo, mas a polarização manipulada tem trazido muitos prejuízos.

A discussão sobre as alterações climáticas, talvez o tema mais importante de todos os tempos, avança lentamente, com políticos desacreditando o que está mais que provado. E enquanto isso, o planeta ferve e as crenças e valores são, de fato, mantidas.

Em uma sociedade saudável, tanto faz termos mais pessoas de esquerda ou de direita, o melhor é que haja alternância ou que possamos discutir e ter visões diferentes, às vezes opostas, às vezes complementares sobre uma determinada perspectiva.

O que não dá é termos essas opções baseadas em mentiras e manipulações.

Fugir dos extremos também é essencial, seja de um lado ou de outro. Alguém já disse que o espectro político é uma letra “U”, onde podemos localizar nas suas pontas a extrema-direita e a extrema-esquerda.

Elas estão mais próximas uma da outra do que das próprias direita e esquerda, que estariam localizadas mais próximas ao centro. Essa é de novo uma ótica de que estamos deixando de lado as conversas sobre valores, crenças e visões de mundo, e existem mais tons de cinza.

Todos nós temos nossas visões de mundo, crenças e valores, moldados ao longo da vida e não importam para onde pendem, se para um lado ou para outro. Mas, para melhor fazer nossas escolhas, além de uma educação que privilegie o acesso a informações de qualidade, a ciência, o pensamento crítico e que nos ensine a comparar fontes de informação, precisamos simplesmente aprender a ouvir o outro e suas perspectivas.

Quanto mais polarizado for um ambiente, mais o diálogo tem que ser a base de qualquer construção social.

Gostou do artigo?

Quer saber mais como a polarização afeta a capacidade das pessoas de dialogarem e entenderem diferentes perspectivas? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em responder.

Marco Ornellas
https://www.ornellas.com.br/

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Marco Ornellas é Psicólogo, Master of Science in Behavior pela California American University e Mestre em Biologia-Cultural pela Universidad Mayor do Chile e Escuela Matrizstica. Pós em Neurociência e o Futuro Sustentado de Pessoas e Organizações.Consultor, Coach, Designer Organizacional, Palestrante e Facilitador de Grupos e Workshops em temas como Liderança, Complexidade, Gestão, Desenvolvimento de Equipes, Inovação e Consultor em Design da Cultura Organizacional.Autor dos Livros: DesigneRHs para um Novo Mundo, Uma nova (des)ordem organizacional e Ensaios por uma Organização Consciente.CEO da Ornellas Consulting e Ornellas Academy.
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