Fofoca: Uma Força Positiva ou Negativa? Aliada ou Inimiga?
A Avenida Paulista é um dos lugares mais emblemáticos de São Paulo, onde o cenário corporativo se mistura com a agitação urbana. É também onde uma prática humana atemporal encontra seu palco: a fofoca.
Penso nisso sempre que almoço por lá, sentado em uma das inúmeras opções de restaurantes, especialmente naqueles em que as mesas ficam mais próximas umas das outras. É impossível não ouvir o que é dito logo ali ao lado e não perceber como as conversas entre os profissionais que trabalham na região se desdobram em intrincadas teias sociais, ecoando a importância da fofoca na evolução da espécie humana.
Sim, importância. Por incrível que possa parecer, a fofoca é alvo de estudos sérios, como os da antropóloga Nichole Hess, e tem um papel central no livro Sapiens, do historiador Yuval Harari.
Harari argumenta que a fofoca, longe de ser apenas um passatempo frívolo, desempenhou um papel crucial na história humana. Como animais hipersociais, os seres humanos precisavam navegar pelas complexidades das relações sociais para sobreviver e prosperar.
Saber quem estava aliado a quem, quem tinha desavenças e quem era digno de confiança, podia ser a diferença entre a vida e a morte. Pode parecer um pouco drástico ou exagerado, mas o que não era assim naqueles primeiros tempos, onde as convenções sociais ainda estavam se formando e as regras não eram muito claras?
Naquele meio, a fofoca se tornou um meio de comunicação vital na formação de laços na sociedade e na compreensão de suas dinâmicas. Além disso, ajudou no desenvolvimento da linguagem. Afinal, para ela evoluir, precisava de assunto. Aparentemente, a matéria que ajudou nesse quesito, em volta das fogueiras primordiais dos nossos ancestrais, foi mesmo discutir a vida alheia e comentar quem era o pior caçador ou reclamar do líder do bando.
Ou, trazendo esse quadro para os restaurantes da Avenida Paulista de hoje, a fofoca virou conversa cotidiana nas mesas e nas interações falar de quem é o pior vendedor da empresa, reclamar do chefe, lamentar os benefícios comparados às outras empresas, falar mal do colega de trabalho ou expor os erros e gafes cometidas por algum integrante da diretoria. Pode existir aí a busca de algum alivio, talvez em relação a sentimentos como frustração, raiva e até mesmo ciúme organizacional.
No microcosmo social desses almoços, é possível captar fragmentos de conversas que falam sobre quem está liderando projetos, quem está descontente com as mudanças na empresa e quem está formando alianças estratégicas. Essas narrativas efêmeras, trocadas entre garfadas, refletem a necessidade humana fundamental de entender e compartilhar informações sobre as relações interpessoais. A fofoca é tão presente na nossa história, que até na Bíblia foi lembrada:
“Aquele que caluniar o próximo em segredo, eu o calarei.” Salmo 101: 5.
Apesar da ameaça divina, a fofoca resiste.
Segundo Nichole Hess, que estudou a fofoca em culturas tão diferentes como a dos Estados Unidos, da Índia e de países africanos, suas conclusões parecem concordar com a tese de Harari e revela que a fofoca pode ser benéfica quando é positiva e bem-intencionada.
Mas existe isso, uma fofoca bem-intencionada?
Segundo o estudos de Hess, a fofoca pode ajudar na conexão social, identidade e sentido de pertencimento. Alguns pontos:
- Ela pode aumentar a troca de informações. É só pensar em quantas vezes, em uma conversa informal, você ficou sabendo do que acontece no contexto organizacional. Algumas, provavelmente;
- Ela pode ajudar na construção de relacionamentos, na expressão das preocupações e até mesmo a lidar com frustrações. Esse compartilhamento, muitas vezes, pode se revelar benéfico, criando uma rede de apoio contra abusos, por exemplo.
Olhando para esses exemplos, talvez seja necessário conceituar o que é fofoca. Segundo a Wikipédia:
A fofoca ou mexerico consiste não somente no ato de fazer afirmações não baseadas em fatos concretos, especulando em relação à vida alheia, mas também em divulgar fatos da vida de outras pessoas sem o consentimento das mesmas, independentemente da intenção de difamação ou de um simples comentário sem fins malignos.
Ou seja, dentro dessa definição, cabe um exemplo de duas pessoas falando sobre uma terceira, que seja um abusador. O que pode começar como fofoca, talvez venha a se tornar denúncia.
Assim, a fofoca pode fortalecer os laços sociais entre aqueles que compartilham informações.
E sempre penso que pode ser verdade, quando observo as conversas animadas nas mesas ao redor, onde os profissionais discutem conquistas, desafios e até mesmo planos futuros, ecoando a ideia de que, quando usada construtivamente, a fofoca pode ser uma ferramenta poderosa para fortalecer vínculos.
Isso, pelo menos, do lado daqueles que fofocam juntos. Já em relação aos alvos dos comentários, as coisas podem ser diferentes. Fofocas difamatórias, disseminação de informações falsas, prejudiciais ou cheias de más intenções, podem corroer reputações e gerar conflitos desnecessários, criando um ambiente de trabalho tóxico e a quebra de confiança entre os colegas. Aquelas conversas sussurradas sobre decisões do CEO ou rumores sobre demissões, podem criar um clima de incerteza e ansiedade.
É aqui que uma cultura organizacional sólida, baseada em valores, transparência, comunicação aberta e respeito mútuo, com uma Diretoria e Lideranças comprometidas com a direção da cultura, pode criar um ambiente onde a fofoca prejudicial encontra menos espaço para prosperar.
Em um ambiente assim, os funcionários se sentem mais informados sobre as decisões e eventos da empresa, e não precisam recorrer a, digamos, “fontes não oficiais”. Uma cultura organizacional que promove valores compartilhados cria uma base comum para os funcionários. Quando os valores são claros e respeitados, a fofoca negativa – que vai contra esses valores – pode ser confrontada e desencorajada.
Líderes que demonstram comportamentos éticos e transparentes estabelecem um exemplo para os outros. Afinal, se a liderança participa de fofocas prejudiciais, ela é parte do problema. Agora, se encoraja o feedback construtivo, aí pode proporcionar um canal mais direto para a expressão de preocupações e problemas. Isso pode ajudar a resolver mal-entendidos antes que se transformem em uma bola de neve de fofocas.
Mas, seja como for, a fofoca em ambiente de trabalho sempre vai existir.
Como tudo indica, já faz parte do nosso DNA. Assim, na Avenida Paulista, o almoço se torna um ritual onde os profissionais participam de um fenômeno intrinsecamente humano.
Como observador desse espetáculo social, é possível contemplar como a fofoca, com suas nuances e dualidades, continua a desempenhar um papel fundamental na maneira como nos conectamos e entendemos uns aos outros, mesmo em meio ao concreto e à correria da vida urbana.
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Quer saber mais sobre a importância da fofoca e como ela influencia a vida, o trabalho e o ambiente corporativo? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em conversar a respeito.
Marco Ornellas
https://www.ornellas.com.br/
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