Gerenciamento do Estresse – É possível?
Como melhorar nossa capacidade de enfrentamento, manejo, gerenciamento do estresse e melhorar nosso funcionamento no dia a dia?
Por André Francisco da Silva (*)
Nestes tempos Pós- Modernos, onde as relações são fluidas, superficiais, voláteis, existe uma certa psicologização e medicalização da vida. Proliferam textos, temas, postagens, artigos, sobre os chamados males do século, que mudam de protagonismo em pouco tempo. Mas um termo se mantém contínuo e constante e já se incorporou em nossa linguagem cotidiana: o estresse!
Esse termo com ares de vilão contemporâneo, pode ser chamado de estresse, stress, como na língua inglesa. Ou de qualquer outro desconforto que o leitor possa nomear. Mas, afinal de contas, o que é estresse? Existe uma forma de conseguir enfrentá-lo? Uma vida ideal é uma vida sem estresse? E quando nos defrontamos com o estresse, que estratégias utilizar para que esse enfrentamento seja bem-sucedido?
Somamos a este cenário as transformações e adaptações que surgiram e decorreram do lidar com a pandemia da Covid-19. Estudos no mundo inteiro mostram aumento dos sintomas emocionais, mesmo os associados a estresse, durante e após a pandemia da Covid-19.
Primeiramente, é interessante assinalar que o termo estresse não se origina das ciências médicas, biológicas, psicológicas ou sociais, embora em nossos dias, o estresse e as suas repercussões são estudados por essas e outras ciências.
O termo estresse vem da física e quer dizer o “grau de deformidade que uma estrutura sofre quando é submetida a um esforço”.
Imagine uma bola de borracha. Agora imagine que você está apertando essa mesma bola de borracha. Você verá a bola de borracha sendo deformada, conforme ela está sendo apertada. A deformidade que a bola de borracha apresenta, enquanto está sendo apertada, chama-se estresse. Então, o conceito de estresse traz a ideia da necessidade de um agente estressor. De uma força sendo aplicada em um objeto, de uma interação entre dois atores, um deles a força que traz a deformação e o outro aquele em quem a pressão está sendo aplicada e responde de uma forma adaptativa, para lidar com o estresse e retornar, o quanto antes, ao seu estado de equilíbrio, ao seu formato habitual.
Hans Selye, médico endocrinologista, em 1926, denominou conceitualmente estresse como um “conjunto de reações que um organismo desenvolve ao ser submetido a uma situação que exige um esforço para a ela se adaptar”. Esse pioneiro no estudo e entendimento do estresse e das suas repercussões no organismo, afirmou que o estresse desencadeia uma série de reações adaptativas, com alterações, inclusive hormonais, que caracterizam o que se chama de “Síndrome de Adaptação Geral ao Estresse”.
Liberação de adrenalina, respostas em órgãos alvo, como aparelhos circulatório e respiratório, liberação de corticoides, os chamados hormônios do estresse, fluxo sanguíneo predominantemente desviado para os órgãos responsáveis pela nossa resposta de lutar ou fugir, aceleração dos batimentos cardíacos, alteração no padrão de respiração e no campo visual, respostas adaptativas, com sinais físicos característicos, necessários nesse processo de adaptação e para nossa sobrevivência, que são, em boa parte das vezes, interpretados como sinais de que algo está errado no nosso corpo, quando, na verdade, são respostas de defesa a estressores.
A clássica “Síndrome de Adaptação Geral ao Estresse”, que ocorre após o contato de um estressor com um indivíduo inicialmente em repouso, é dividida em três etapas ou fases: Fase de Alarme; Fase de Resistência, quando os esforços biológicos estão voltados para “Lutar ou Fugir”; e a Fase de Exaustão.
Se a fase de Alarme é maior, mais intensa, dura mais do que o esperado, ou quando a fase de Resistência, igualmente, é prolongada, demandando um aumento dos esforços biológicos, psíquicos e sociais, teremos uma maior tendência à exaustão, tanto em intensidade, quanto em prejuízos sofridos pelo indivíduo submetido ao estressor.
Percebemos, então, que existe diferença entre o estressor, agente gerador da resposta, e estresse, caracterizado por uma série de respostas adaptativas e de defesa desencadeadas no organismo, a partir da interação com o estressor. Estresse, então, não é o que causa a resposta, mas a própria adaptação realizada pelo organismo para responder ao estressor.
O estresse, então, inscreve-se como resultado de uma reação que o organismo tem quando estimulado por fatores externos considerados desfavoráveis, com desencadeamento de respostas adaptativas que buscam preservar a vida e rápida restauração do equilíbrio. Se o estresse é intenso ou dura mais do que o esperado, passamos a ter maior possibilidade de problemas.
Mas, existe estresse positivo?
A Fase de Alarme é considerada a fase positiva do estresse. Para os autores, a adrenalina liberada pelo organismo na fase inicial do estresse teria efeitos positivos, com maior energia e vitalidade. Vai haver necessidade de encontrar respostas, de produzir, se mobilizar para enfrentar o estressor. Quando a pessoa aprende a manejar o estresse e consegue gerenciar essa fase, conseguindo enfrentar, descansar, acionar e desligar o alerta, temos o que os autores falam em estresse ideal. Quando os limites são ultrapassados e não se tem mais capacidade de adaptação, os recursos se esgotam por uma fase de resistência prolongada, temos um estresse negativo, com repercussão na fase de exaustão, quando falham a adaptação e a resistência.
A Associação de Psicologia Americana afirma, no seu site, que:
“níveis de estresse baixos e moderados podem ser considerados bons para a pessoa quando eles conseguem ser gerenciados de uma forma saudável”, enquanto que “estresse extremo pode ter consequências emocionais e físicas no indivíduo, sendo importante saber reconhecer níveis altos de estresse e agir para que eles possam ser gerenciados de uma forma saudável”.
Gerenciar o estresse? Como assim?
A American Heart Association, Associação Americana de Cardiologia, afirma que a quantidade de estresse que a pessoa experimenta, e como ela reage a ele, podem ocasionar vários problemas de saúde. Existem respostas ao estresse que são funcionais e outras que não são. Essas respostas disfuncionais podem trazer mais danos, mesmo gerando a sensação de que aliviaram, por algum breve espaço de tempo, o problema. Exemplos de respostas disfuncionais ao estresse são o uso de substâncias psicoativas, como o cigarro e o álcool, comer em excesso, se isolar, procrastinar as tarefas e decisões, ter explosões de raiva, com todas as suas consequências.
De acordo com dados da OPAS (Organização Pan Americana de Saúde), durante a pandemia, houve um aumento do consumo de álcool, que estava sendo utilizado por pessoas que responderam a uma pesquisa realizada pela organização, para lidar com emoções difíceis, com aumento nos relatos de ingestão pesada de bebidas e o relato de sintomas emocionais percebidos quase todos os dias.
Existem estratégias de gerenciamento do estresse, que podem ser utilizadas para que tenhamos uma resposta mais saudável, equilibrada, com estresse positivo, melhor capacidade de enfrentamento e prevenção dos prejuízos associados à exaustão.
Gerenciamento de estresse é um conjunto de técnicas, realizadas por profissionais ou não, que visam reduzir, prevenir e lidar com o estresse, especialmente o estresse crônico, geralmente com o propósito de melhorar o funcionamento diário do indivíduo.
Então, sim, é possível gerenciar o estresse!
Atualmente, a Medicina do Estilo de Vida, e a Psiquiatria do Estilo de Vida, vem ganhando importância na formação médica. A Medicina do Estilo de Vida, como definida pelo American College of Lifestyle Medicine (ACLM), é o uso de intervenções terapêuticas, baseadas em evidências científicas, de estilo de vida, a partir dos seus 6 (seis) pilares, como uma modalidade primária, para prevenir, tratar e reverter doenças.
O American College of Lifestyle Medicine (ACLM) considera o gerenciamento do estresse um desses 6 (seis) pilares da medicina do estilo de vida, ao lado de alimentação saudável, atividade física, sono, conexão social e evitar o uso de substâncias de risco. Considera, também, que muitos desses pilares já seriam, igualmente, abordagens para gerenciamento do estresse, o que demonstraria a conexão existente entre os mesmos.
Para a ACLM, o gerenciamento do estresse pode ser alcançado de duas formas: reduzindo a exposição ao estressor e/ou praticando técnicas que aliviam o estresse.
Dentre os comportamentos promotores de saúde que trazem benefícios para gerenciamento do estresse, temos a importância da nutrição, que juntamente com a atividade física são fundamentais para a saúde mental e física; assim como procurar ter de 7 a 9 horas de sono por noite, bem como investir nas conexões e interações sociais que trazem benefícios à saúde; outro ponto importante seria evitar uso de substâncias psicoativas, como álcool e outras drogas, passar um tempo em contato com a natureza, que traz benefícios no alívio do estresse, além de práticas chamadas de “Mind-Body practices”, como as várias formas de meditação, yoga, oração, tai chi, que ativam as respostas de relaxamento que incluem, de acordo com a própria ACLM, diminuição dos batimentos cardíacos, níveis de pressão, diminuição do hormônio do estresse, melhora das funções cognitivas, além de diminuição da própria percepção de estresse.
Dentre essas “Mind-Body practices” se destaca o Mindfulness, ou atenção plena, conceitualmente caracterizado por focar a atenção no presente e no que está acontecendo dentro e em torno do indivíduo no momento. A atenção plena é o ponto central do que chamamos de Presença. É estar plenamente engajado, interessado no outro, com empatia, coragem, calma, autenticidade, bom humor, entusiasmo, enfim, é estar presente. O Mindfulness reconhecidamente traz melhoras nas medidas de bem-estar psicológico e qualidade de vida.
É importante acrescentar que algumas práticas ou ações ajudam na busca do nosso bem-estar e qualidade de vida. Propósito de vida, por exemplo, é uma das principais facetas do bem-estar para a Psicologia Positiva e é conceitualizada como senso de significado e direcionamento na nossa própria vida.
É sabido que pessoas que têm um senso de propósito alto na vida tendem a se cuidar mais, a estar envolvidas em práticas de saúde mais integradas e dentro dos pilares para uma vida saudável. Provavelmente conseguem desenvolver mais recursos para enfrentamento do estresse.
Dentro do processo de Coaching de Saúde e Bem-Estar é uma etapa importantíssima a “Construção da Visão de Saúde e Bem-Estar”. Construir essa visão é fundamental para o processo, pois é a partir dela que serão traçadas as metas de saúde e bem-estar que serão necessárias para que as alcancemos. Ter uma visão de saúde e bem-estar, não perdê–la de vista, revisitá-la, é fundamental para que nos mantenhamos firmes e não tenhamos respostas disfuncionais. Saber o que queremos, saber aonde queremos chegar, é fundamental para termos saúde e gerenciar o estresse, quando estivermos expostos aos estressores que o provocam.
A utilização das Forças Pessoais e de Caráter, um conjunto de 24 forças e virtudes, desenvolvidos por Martin Seligman, um dos pilares da Psicologia Positiva, é importante, por possibilitar à pessoa acessar e utilizar as forças que o ajudaram, no passado, em situação semelhante a que esteja passando no momento, ou em qualquer outra situação de estresse. Como essas forças o ajudaram? Que instrumentos utilizou no enfrentamento do estressor? Reforçamos a importância de utilizar no gerenciamento do estresse, igualmente, o otimismo, para, conforme afirma Martin Seligman, ver os maus acontecimentos como temporários, mutáveis e locais.
Desarmando o estresse
Novamente a American Hearth Association (AHA) traz o conceito de bloqueadores emergenciais do estresse; ações que ajudam a pessoa a, literalmente, desarmar o estresse quando estiver sob ação de estressores. As ações bloqueadoras ou aliviadoras do estresse incluem, por exemplo, contar até 10 antes de reagir ou falar; respirar fundo; caminhar, mesmo distâncias pequenas, dentro de casa, que ajuda a quebrar a tensão e possibilita oportunidade de pensar e refletir; meditar, orar, analisar a situação; dividir o problema em partes; ouvir música, ou mesmo um podcast que inspire a pessoa; brincar com pets, abraçar quem se ama, fazer atividade física, enfim, atitudes que podem ser utilizadas no dia-a-dia e que têm um potencial enorme de benefícios no gerenciamento do estresse. A dica que eu mais gosto, particularmente, dentro das recomendações da AHA é a seguinte, que transcrevo a tradução na íntegra:
“Se não é urgente, vá dormir e responda amanhã. Isso funciona especialmente para e-mails estressantes ou pessoas que te desestabilizam nas redes sociais”.
Para essa instituição, gerenciar o estresse inclui avaliar o nível de estresse; avaliar o que, exatamente, está gerando a resposta. E, após identificar o estressor, perguntar a si mesmo se é um fator que está fora do meu controle. Isso ajuda a colocar o próprio problema sob perspectiva, pois alguns estressores não mudam e não dependem de mim. É importante, portanto, diferenciar as variáveis controláveis das não controláveis quando lidamos com o estresse.
Então, é possível gerenciar o estresse?
Sim, essa é a conclusão que devemos e podemos chegar!
Entendemos que o estresse é uma resposta adaptativa, necessária para nossa defesa e baseada em um conjunto de respostas coordenadas pelo nosso organismo. Entendemos, também, que, com os rumos e características da nossa sociedade pós-moderna, existe uma vulnerabilidade maior aos seus efeitos. Gerenciar o estresse nos fornece e utiliza ferramentas para o autocuidado. Previne os problemas de saúde associados à resposta prolongada e disfuncional, que está associada a vários tipos de agravos.
É importante entender que o gerenciamento do estresse faz parte de uma abordagem multidisciplinar, que incorpora no seu escopo várias estratégias e as mais variadas práticas, dentro de um entendimento de que ir na direção da saúde e do estilo de vida nos propicia maior capacidade de enfrentamento, manejo, gerenciamento do estresse, dentro de uma visão sólida de saúde e bem-estar e de uma perspectiva de vida repleta de propósito e sentido, melhorando as nossas respostas, a nossa qualidade de vida e o nosso funcionamento no dia-a-dia.
Então, sim! É possível gerenciar o estresse!!
Gostou do artigo? Quer saber mais sobre como gerenciar o estresse? Então entre em contato comigo. Terei o maior prazer em responder
(*) André Francisco da Silva é Formado em Medicina pela Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ; Wellness & Health Coach, com Formação Internacional em Coach de Saúde e Bem-estar pela Carevolution / Wellcoaches, concluído em dezembro de 2017, modalidade presencial, na cidade de São Paulo, SP; Palestrante com temas ligados à Saúde, Bem-estar e Saúde Mental, entre outros, realizando palestras e webinars em parceria com a Carevolution Consultoria em Saúde & Bem-Estar
André Francisco da Silva
http://carevolution.com.br/
Referências Bibliográficas:
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