Quem nunca ouviu falar da meritocracia como o sistema mais justo numa sociedade? E certamente se analisarmos de uma maneira superficial não há argumentos para contrapor tal afirmação, afinal, meritocracia é um sistema ou modelo de hierarquização e premiação baseado nos méritos de cada indivíduo, ou seja, dos seus esforços e dedicações.
Faz todo sentido, mas quando analisamos a situação de uma maneira mais ampla ela não é tão justa assim, pois os resultados não dependem unicamente do indivíduo, mas também do contexto em que ele vive.
Posso analisar como justo 4 carros largando do mesmo ponto de partida e percorrendo os mesmos 500 metros, porém deixa de ser justo se os carros forem um formula 1, um esportivo e um popular.
É garantida a saída na mesma linha de partida o que pressupõe a igualdade, mas há fatores que os colocam em condições bastante diferentes e em situação de vantagem e desvantagem entre eles.
Em pistas circulares de atletismo os corredores são dispostos em posições diferentes e quanto mais perto do centro do círculo mais para trás são posicionados.
Quem olha de fora tem um senso de injustiça, afinal não estão alinhados, mas a distância permite a equidade mesmo que uns sejam mais preparados, experientes ou favoritos em relação aos outros, pois foi garantida a equidade e ao mesmo tempo respeitada a meritocracia, porque cada indivíduo dependerá do seu preparo e experiência para atingir os resultados.
Segundo o dicionário Michaelis, a palavra equidade pode ser definida como uma justiça natural; disposição para reconhecer imparcialmente o direito de cada um. Em resumo, significa reconhecer que todos precisam de atenção, mas não necessariamente dos mesmos atendimentos.
Em uma sociedade onde a distribuição de renda tem tamanha disparidade, ou determinados grupos são preteridos em relação a outros por questões de raça, gênero, orientação sexual, deficiência, fica difícil falar em meritocracia como um sistema justo. Vamos analisar alguns dados oficiais para embasar este argumento.
Dados do IBGE demonstraram que apesar das mulheres representarem mais da metade da população em idade de trabalhar, os homens preencheram 57,5% dos postos de trabalho e as mulheres receberam, em média, R$ 1.836, o equivalente a 22,9% menos do que os homens (R$ 2.380).
Na análise por cor ou raça, os rendimentos médios de todos os trabalhos das pessoas brancas (R$ 2.810) foi aproximadamente 45% maior do que o das pessoas pretas (R$ 1.547) e pardas (R$ 1.524). Os brancos apresentaram rendimentos 30,8% superiores à média nacional (R$ 2.149), enquanto pretos e pardos receberam, respectivamente, 28,0% e 29,1% menos.
E em relação à renda 10% concentram 43,4% de toda a renda recebida no Brasil
Apenas 4,7% dos cargos executivos das 500 maiores empresas brasileiras são ocupados por negros. As mulheres também são minoria, com só 13,6% dos postos mais altos. Os números estão em estudo sobre o perfil social, racial e de gênero nas empresas brasileiras divulgado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo Instituto Ethos.
Num cenário tão desigual fica difícil falar em meritocracia como um sistema justo. Para haver justiça social é necessário garantir a representatividade e equidade de direitos. A partir daí aplica-se a meritocracia.
Importante deixar claro que não sou contra a meritocracia, ela sem dúvida é o que motiva a pessoa para frente e recompensa o individuo, desde que seja garantida a equidade.
Percebo algumas pessoas se posicionando contra a inclusão, relatando que estão perdendo espaço, que são contra cotas, que são contra privilégios. Não se pode falar em privilégios quando o intuito é a equiparação, quando já existe uma desvantagem abissal pendendo para as minorias.
A resistência é natural, porque incomoda, mexe na zona de conforto, mas quando se exercita a empatia percebe-se que a injustiça é muito maior no vizinho.
Não temos tempo para aguardar que esse problema se resolva sozinho. Precisamos de ações concretas e imediatas na sociedade como um todo. Só assim teremos uma sociedade saudável e para todos.
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