Se nosso crescimento se dá em uma família saudável, possuímos em nossas vidas a figura materna e a paterna. Nos primeiros anos, são para nós os limites e as definições do mundo, não havendo nada que trave contato conosco que não tenha antes passado por seus crivos rigorosos. Sendo eles onipresentes, tomamos as morais que passam a nós como inquestionáveis e sólidas. Essas regras, parecem sim, injustificadas às vezes (por que diabos eu não posso comer hambúrgueres todo dia, afinal?), mas, aceitando-os como seres superiores dotados de alguma sabedoria ininteligível, contemporizamos e seguimos o que dizem. O bom, o certo e o belo compõem-se com as palavras paternas.
O filósofo chinês Confúcio afirmou que deveríamos seguir com esta atitude reverente até a morte de nossos progenitores. Dizia ele ser o caminho virtuoso para o filho entender, permanecer ao lado e aceitar os conselhos de seus pais, enquanto estes deveriam ser amorosos e responsáveis. Tal doutrina de reciprocidade moldou a cultura chinesa ao longo dos séculos e até hoje tem adeptos. Com certeza é do interesse da geração passada, sempre indignada com o comportamento da atual, que seus filhos e netos apresentem mais respeito e menos deste senso crítico violento, o qual veem como motor de atitudes perigosas. Querem-nos sempre perto e protegidos, tal qual pássaros eternamente no ninho.
Contudo, conforme entramos na adolescência, tal resignação, independente dos conselhos confucianos, aos poucos diminui. Nossos pais são desencantados. Eles fumam, possuem opiniões infundadas, ficam nervosos sem motivo e possuem suas inseguranças. Não são anjos, agora vemos, mas seres humanos comuns, com tantos erros quanto quaisquer outros.
Ou melhor: perante nossa visão adolescente, mais erros do que os outros. Comparando-os com nossos amigos da escola, não podemos deixar de notar o quão ruins e retrógrados são os gostos musicais, formas de comunicação e valores éticos de nossos pais. Como ousam, com estas lentes do século passado, dar pitacos em nossas vidas? Não sabem de nada.
A partir daqui, aceitar o que eles dizem é concordar com a opressão da tradição. Todo conselho advém da vontade de restringir nossa liberdade, pensamos. Temos vergonha de ser associados com eles, então nos afastamos, preferindo copiar e seguir nossos colegas e as influências da música pop, os quais realmente conhecem como a vida e a sociedade funcionam. Bradamos que as falhas dos pais retiram a necessidade de respeitar e seguir os mesmos: “O que velhos conservadores têm para ensinar a mim?”, dizemos. Julgamo-nos maduros e revolucionários, rebeldes por convicção e ideologia. “É proibido proibir”, diz Caetano.
Com estas duas fases apresentadas, enfrentamos o dilema intelectual de optar por uma das duas ideologias: a rebeldia do jovem ou reverência do confucionismo. Praticadas ao extremo, levam, respectivamente, aos transviados adolescentes e aos infantes submissos. Notamos que em ambos os casos há sinais de leviandade: um deles peca pelo excesso, negando a relevância do amor paternal, enquanto o outro o faz pela pequenez, não levando em consideração a necessidade da autonomia. O ser humano pleno, portanto, consegue encontrar o justo meio, unindo benefícios e afastando malefícios de ambas as ideias.
Então, se quisermos, por exemplo, afastando a atitude passiva, adquirir a independência, devemos fazê-lo mais pela exposição progressiva de nossa responsabilidade e autoconsciência do que pela rebeldia revolucionária. Ao invés de chorar por um celular e roubar o cartão de crédito, busquemos entender a situação financeira doméstica atual; no lugar de xingar nossos pais quando nos deixam sair, mostremos a eles, a cada vez que estamos fora, atitudes seguras e precavidas. Façamos com que aceitem as nossas ações não porque desistiram de nós, mas porque genuinamente nos respeitam.
Em outra ilustração, se é do nosso interesse discutir menos, não saiamos de casa apressados e a bater portas, mas sim busquemos compreender a escuridão e insegurança inquilinas dos corações de nossos pais e, com isso em mente, dialogar. Certamente não deve ser fácil carregar nos ombros a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso de toda família, de modo que compreensão sempre será bem-vinda.
Generalizando e buscando expandir reflexões como esta, podemos harmonizar nosso relacionamento. Ele não será idealizado como na infância, pois, como sabemos, nossos pais são menos habitantes do Éden do que pecadores comuns. E também não se tornará maléfico como ocorre no início da adolescência de muitos jovens.
Será realista. Observaremos e evitaremos absorver suas falhas, mas também aceitaremos a importância de nossos pais, os únicos seres humanos que, por laços naturais invioláveis, amam-nos vasta e incondicionalmente.
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